Três telefonemas:

Dia 16.09.98, por volta das onze horas, como fazia nos últimos tempos, desci até o  andar térreo do prédio da Delegacia-Geral da Polícia Civil (Avenida Osmar Cunha – Centro de Florianópolis) para fazer uso do “telefone vermelho” existente na sala do Escrivão Osnelito - Gerente de Fiscalização de Jogos e Diversões. Observei que o local nos últimos dias ficou bastante modificado em razão de um toque feminino.  A impressão era que  passou pelo programa dos ‘Cinco S’..., são visíveis as melhoras... (lembrei que a nova dirigente de fato havia colocado todo mundo que passou por ali no bolso em termos de organização. Eu que já tinha visto “Guinivere” ali por baixo algumas vezes passei a observá-la discretamente e a constatar a sua dinamicidade e empenho. Busquei o número do celular de Sandra Andreatta na minha agenda e para estabelecer contato e verifiquei que mais uma vez ela foi pega pelo trânsito caótico do horário, dessa vez  em direção à Clínica Carlos Correa para onde se dirigiu a fim de  marcar uma consulta para seu filho. Avisei que iria me encontrar com ela naquele local. “Tudo bem respondeu, te aguardo”.

Em seguida liguei para Júlio Teixeira. Na terceira tentativa consigui linha por meio do seu celular:

  • Júlio sou eu, Felipe. Como é que está a campanha?
  • Tá do cacete!
  • Então tá boa assim? Estais aí na região com o Amin?
  • Sim, estamos percorrendo vários municípios.
  • Escuta, vamos marcar a data da nossa festa para a semana que vem?
  • Sim, claro. Eu vou estar no encontro dos Delegados no dia 19 que vai ser aí, então eu te passo a data.
  • Mas Júlio tem que ser na semana que vem, no máximo, se não vai ficar muito em cima da hora.
  • Fica tranquilo que será a semana que vem.
  • Outra coisa, o Geraldo, dono do Restaurante Candeias, como tu sabes está apoiando o Knaesel para estadual e o Gervásio para Federal. Mas como o Gilmar está eleito ele quer te ajudar. Tu sabes da ligação dele com o Jorge. Ele quer fazer um almoço em Imaruí e vai convidar várias pessoas para te ajudar.
  • Felipe não tem condições, eu agora tenho que ficar direto na minha região, não há mais tempo.
  • Júlio parece que ele está financiando tudo.
  • Tudo bem. Vê com ele uma data e depois a gente conversa.
  • Júlio, vamos fazer o seguinte: a gente conversa no dia da nossa festa e faz os acertos, ok?.
  • Tá certo.
  • Outra coisa, já que tu estais com o Amin aí na região será que não dá para dar uma conversada com ele para sentir o nosso projeto? Acho que fica difícil tratar desse assunto nessas hora, não?
  • Sim, agora fica difícil.
  • Está certo, a gente acerta a data da festa para a semana que vem, um abraço.
  • Tchau.

Em seguida liguei para Jorge Xavier para perguntar se estava tudo certo para o encontro à noite. Ele respondeu que estava tudo cem por cento e pediu para que eu entrasse em contato com mitológica secretária “Tereza” do Gabinete do Deputado Júlio Teixeira. Argumentei que tinha acabado de conversar com Júlio e ele achou interessante... Conclui dizendo que no jantar a gente se falaria. Nesse momento o Escrivão Osnelito entrou no seu gabinete, mas como eu já estava acostumado a invadi-lo para fazer uso do telefone vermelho...

Sandra: MIR-O e  o misantropo:

Na maternidade Carlos Correa localizada na Av. Hercílio Luz  acessei a portaria ansioso para encontrar Sandra, porém, distingui apenas duas funcionários no local e que estavam a conversar. Enquanto ligava para o celular da Delegada potiguar fazia a leitura na parede d nome daquele estabelecimento na parede, isso me fez recordar do nosso legista da década de vinte (homenagem ao mesmo) e dizer que praticamente ninguém sabe que ele foi um importante integrante da Polícia Civil no século XX e pensei:  “Bom, é isso que dá em fazer história”.  Do outro lado da ligação falava Sandra Andreatta:

  • Alô.
  • Oi Sandra, onde é que tu estais?
  • Estou aqui na Carlos Correa.
  • Eu também. Estou na portaria e você?
  • Não vai dizer que tu estais na maternidade.
  • Sim.
  • Não é na maternidade é na Clínica. Mas deixa que eu já vou até aí. É na Hercílio Luz né?
  • É. Mas deixo que eu vou até aí.
  • Felipe tu estais de carro?
  • Sim.
  • Então eu te aguardo aqui na frente.
  • Até.

Rapidamente cheguei à frente da Clínica Carlos Correia. Durante o caminho fiquei pensando como é que fui trocar um lugar pelo outro, como é que explicaria tamanha gafe (talvez porque nasci naquele estabelecimento), mas conhecia bem os dois lugares, ademais, Sandra não disse nada sobre estar grávida..., não teria sentido.

Em frente da clínica, ainda de dentro do carro avistei Sandra no alto da escada com aquele seu sorriso indefectível e aquele seu jeito bem natural e inconfundível de ser. Havia mais de quatro anos que não nos encontrávamos pessoalmente. Enquanto fazia o reconhecimento facial ela descia a escada, em cujos instantes mágicos pude notar que havia engordado um pouco (a roupa estava apertada no seu corpo linearmente estufado). Além disso, chamou-me a atenção a sua pintura exagera na sobrancelha em lápis preto. Seu rosto estava também mais cheio, mas era ela mesmo, com  seu jeito e a sua fala que revelavam ser a Sandra de antigamente. Em frações de segundo imaginei: ‘acho que depois de tudo que ela passou nos últimos anos, realmente sofreu principalmente o físico...

No leito da rua ainda sem estacionar, Sandra chegou até a janela e solicitei que ela entrasse no carro já que eu iria estacionar mais adiante. Fiz o contorno na pracinha  e consegui estacionar o carro em frente ao prédio que residia o ex-governador Ivo Silveira, em cima da faixa de pedestre. A situação se mostrava um tanto desconfortável até que consegui finalmente uma vaga mais na frente.

  • Será que cabe o meu carro? (Felipe)
  • Bom este teu carro é uma lancha, deixa eu ir lá ver. É, pode vir que cabe. (Sandra)

Em seguida Sandra retorna para o interior do meu carro e dirige seu olhar atento para este interlocutor, aguardando com tranquilidade o que seria tratado.  Foi aí que pude sentir realmente a sua presença e confirmar as primeiras impressões.

  • O que você foi fazer na maternidade, Felipe? 
  • Pois é, foi um lapso, não entendi bem.
  • Bom, Felipe, já temos mais algo de comum. As nossas placas começam com MIRO. Meu filho é Miro e eu consegui no Detran uma placa com essas letras.
  • Mas Sandra não é MIRO é MIR.
  • Não, para mim é MIRO.
  • Bom, então estais lendo o zero como a letra “ô”, então tá!
  • As letras da minha placa são MIR. Afinal, sabes o que significa a palavra MIR em russo?
  • Não sei.
  • Significa ‘paz’. Então, ‘eu sou da paz’. Mas, Sandra, tu sabes que neste momento todos nós temos oportunidade de firmar posições. Cada um faz a sua opção, mas  tem aqueles que preferem ficar em cima do muro. Eu pessoalmente optei pelo Júlio Teixeira e desde o ano passado que venho mantendo contatos com vistas à efetivação de um projeto para as nossas “Polícias”. Eu e Júlio somos da mesma turma de Direito, também do mesmo concurso para Delegado, já nos conhecemos há mais de vinte anos...
  • Olha Felipe eu e inclusive a Ester já estamos com o Júlio. Ele é o nosso candidato. O Wanderley esteve lá falando comigo, estou com um monte de santinhos dele lá na minha mesa.
  • Sandra, olha  eu não acho uma boa você ter santinhos em sua mesa de trabalho.
  • Não, eu sei me cuidar.
  • É, o Wanderley também está apoiando o Júlio, tá fazendo um bom trabalho.  Inicialmente estava apoiando o Pacheco.
  • Quando?
  • É, até o início do ano. Mas foi uma sábia decisão, ele o Lipinski...
  • Ah, tá.
  • Bom, Sandra, tu sabes que assim como existe a luta pelo bem e pelo mal, as pessoas se posicionam em função desse maniqueísmo, também, nós devemos nos posicionar entre a busca pelo poder político de interesse pessoal ou por um projeto que atenda nossos aspirações, nossos ideais. Eu particularmente sou daqueles que não procuro cargos. Sempre fui assim, vejo o poder como meio e não como fim.
  • Eu também penso da mesma maneira.
  • Sei que você sofreu muitas perseguições. Desde aquele teu caso na Quinta Delegacia com o Procurador e que ficaste sozinha. Lembro que na época telefonei para ti em solidariedade, depois vieram as perseguições da cúpula da Polícia Civil.
  • Ah, Felipe eu nunca vou esquecer isso, inclusive, quando você foi na minha sala, na Faculdade de Direito, devolver a minha carteira de identidade que tinhas encontrado dentro de um livro lá na biblioteca. (risos)
  • É isso aí. Mas tu vê como são as coisas, .existe os perseguidos e os perseguidores. Eu prefiro sempre me posicionar do lado dos perseguidos por defender... e nisso sou bastante misantropo.
  • Misantropo? Ah, não! Contigo tem que andar com um dicionário do lado. O que significa a palavra Misantropo?
  • Bom, misantropo é aquele indivíduo que procura se distanciar daqueles que detêm o poder num determinado momento e daqueles que com o poder querem todas as  atenções, gentilezas... para si. É aquela pessoa que se retraí  do centro, que se recolhe, prefere não ficar próximo do rei para guardá-lo para si, para agradá-lo. Bom, tu sabes que a gente está trabalhando num projeto desde o ano passado. Na verdade é um plano que não está pronto e acabado, mas sim as linhas mestras e básicas para ver se vale a pena participarmos do futuro governo Amin. Tu sabes que também existem questões essenciais, como a isonomia salarial e outros direitos conquistados e que não poderemos admitir que sejam suprimidos como na época do Kleinubing.
  • Concordo. Mas tu falaste “a gente” ?
  • Sim. É que o Dr. Jorge Xavier, ex-Delegado Geral também tem participado do plano. Aliás, além de nós dois, subscreveram o nosso “Plano” o próprio Júlio Teixeira  e o Deputado Gilmar Knaesel. O projeto já foi entregue para o Amin por Júlio, mas a gente não sabe ainda como é no que vai dar. Muita água ainda vai passar por debaixo da ponte.
  • Felipe, tu sabes como eu sofri. A última agora foi o caso da BMW. Tu tomasses conhecimento?
  • Não.
  • Foi o seguinte: ‘um advogado que tu deves conhecer ou até de repente é teu amigo, o “M. F”., ele estava dirigindo sua BMW na Costeira do Pirajubaé onde não tem acostamento, causou vários acidentes e veio a fugir.
  • Agora me lembro do caso, saiu nos jornais, foi recente, não?
  • Faz pouco tempo, mas deixa eu te contar, recebo um telefonema de meu superior em linha reta que começa a questionar sobre a instauração do inquérito, diz que vai ouvi-lo na Delegacia-Geral e que não era para eu tomar o depoimento dele, disse ainda que se tratava de uma pessoa idônea. Bom isso acabou na minha remoção para Criciúma.
  • Foi por isso que você entrou em contato comigo para pedir orientação sobre o mandado de segurança?
  • Não, aquele caso foi outro caso, queriam me transferir para Joinville. Olha Felipe a minha bronca não é com a Polícia Civil. Eu adoro a instituição e desde pequena quis fazer carreira, mas, a minha bronca toda é com a cúpula da Polícia Civil.
  • Ouvi falar que estavas para ser removida.
  • Remoção? O quê? Não me diz isso?
  • Sério!.
  • Ah não Felipe, você vai me contar isso direitinho.
  • Não. Evidente que eu não posso.
  • Tá bom!
  • Ah, Sandra você não vai querer agora me fazer um relatório?
  • Sim senhor! Agora você vai ter que me ouvir.
  • Deixa isso para lá e eu gostaria que você esquecesse o assunto porque não vai levar a nada, apenas fortalece o que eu queria te dizer: É preciso que haja maior união principalmente entre Delegados em torno não do poder para fins pessoais, mas, sim, em função de nossos ideais mudar o modelo de “Polícia” no Estado.
  • Sei!
  • Não adianta insistir, eu não vou te dizer de quem partiu essa informação.
  • Olha Felipe, no caso do advogado M.F., quem telefonou para mim foi o Márcio Fortkamp, não adianta, eu não me acerto com ele.
  • Mas, Sandra o Márcio é um bom profissional.
  • Bom? Felipe eu tenho que levar meu filho para o colégio, dá licença...
  • Ele está aí na clínica?
  • Não, está em casa me aguardando, mas ficamos assim, eu não quero saber do projeto de vocês agora, somente depois das eleições.
  • Sandra, tu és Delegada de Primeira Entrância?
  • Não, eu sou Substituto e assim quero permanecer.
  • Mas, então está certo.
  • Pode contar comigo...

(...)”.