Data: 05.11.98, horário: 09:15 horas, “Heitor, Júlio, Kurtz, Napoleão...”:

Como de costume, já estava desde cedinho na Delegacia-Geral e me dirigi até a “Assistência Jurídica” para mais uma conversa matinal com o Delegado Braga, cuja praxe já havia se incorporado ao nosso cotidiano. Quando me viu entrar pela porta:

  • E daí doutor Felipe, quais são as novidades?
  • Braga, o negócio é a gente ir aguardando, eu acho que o Heitor é o grande nome, mas tem o Júlio, Kurtz e o Napoleão, isso todo mundo já sabe, ninguém fala mais nos outros.
  • É, eu não tenho resistências alguma com relação a esses nomes, apesar que o Napoleão...,  mas o Amin disse que vai anunciar o nome do secretariado somente no mês de dezembro.
  • Disse isso onde?
  • Na entrevista no jornal “O Estado”, também teve aquela entrevista na “Cultura”, mas eu não assisti.

Bom, depois do dia quinze deste mês já sai a lista com os nomes.

  • Eu não acredito. Também acho que o nome mais provável é o do Heitor.
  • É o Heitor tem o cacife.
  • Só por isso. Eu acho que o Heitor é o nome mais cotado porque ele tem o mandato.
  • Pois é, se o que manda é o cacife político tu tens razão, mas Braga tu que tens contato com o pessoal mais ligado ao Heitor, eles estão achando?
  • Olha Felipe prá falar a verdade a última vez que eu conversei com o Heitor foi..., faz muito tempo, foi antes das eleições, conversei na semana passada com o Nilton (Neves,sobrinho do Heitor e Escrivão de Polícia) e ele é quem representa o Heitor nas reuniões lá no PFL, sabias disso?
  • E ele? E o que ele diz?

(...)

“Radicais Livres”:

  • Não falam nada, só que o Amin convocou uma reunião com o PSDB, PPB e PFL para decidir a distribuição das Secretarias entre os partidos...  E com o Sell e o “Pedrão” eu falo pouco. O Sell,  Felipe, tu não imaginas como ele é uma pessoa radical, mas com ele eu me dou um pouco melhor, mas ele é muito radical.
  • Radical? Como assim?
  • Radical nas ideias,  tu pensas que ele aceita esse negócio de hierarquia? Com relação ao preenchimento de cargos ele vai fazer tudo que o Heitor mandar e não vai querer nem saber, vai ser leal. Agora o “Pedrão” apesar de não gostar de mim,  nos últimos tempos eu até me admiro, ele tem me tratado bem.
  • Eu não acredito, acho que o Heitor não vai fazer besteira. Sinceramente, Braga, eu  acho que nós temos que ser leais à instituição, e não às pessoas.

(...)

“O Segundo Homem”:

  • Como o Backes está contado para ser  o  Comandante-Geral da Polícia Militar, heim?
  • É Braga, ele além de ser amigo do Esperidião. dizem que é o “segundo homem” da maçonaria no Estado, será verdade isso?
  • Bom, eu sei que ele é coordenador do nosso grupo.
  • Bom isso é outra coisa, isso foi um consenso para facilitar os trabalhos, tu não participastes das primeiras reuniões, mas não houve nada oficial, foi um acerto entre nós já que o grupo era pequeno e até pela forma como ele se posiciona, é uma pessoa discreta, imparcial...

(...)

“Festas e Festivais”:

  • Mas Felipe tu te preparas porque a Lúcia vai incomodar, há eu não tenho dúvidas.
  • Como assim?
  • No próximo governo, ela vai aprontar, parece que ela está lotada agora na Quinta Delegacia e eu não sei, ela pode até ser convocada, mas na Sexta Delegacia ela não pode ficar, a Ana está fazendo um bom trabalho lá, e tem mais, ela não trabalha, todo mundo sabe disso. Tu vê, na participação do Conselho a Ana não quis participar e a Lúcia também não fo. e sobrou para Ester que apareceu poucas vezes lá.
  • É, esse pessoal novo não pode ser contaminado pelos mais antigos, tem que se criar mecanismos de defesa desse pessoal e quanto a Lúcia não tem problema se ela quiser incomodar...
  • Mas ela não pode ir para a Sexta Delegacia. Se ela for para a Quinta ela perde a lotação na Sexta. Ela pode permanecer o tempo que quiser lá, conseguiu esse direito antes da lei.
  • Olha Braga, se depender de mim ela pode ficar a vida toda lotada na Sexta, só que eu sou contra a permanência de Delegados Especiais em Delegacias. Certamente que for eu a convocaria para trabalhar em alguma área aqui na Delegacia-Geral, ainda mais considerando o seu currículo, não tenho dúvidas de que ela vai ser convocada, não que isso significa alguma perseguição, muito pelo contrário, tu me conheces.
  • Eu também penso assim, mas tu precisavas ver os discursos da Lúcia pelo interior do Estado, eu que acompanhava, meu Deus, tu precisavas ver.
  • O que que tem?
  • Tu precisavas ver como ela puxava o saco do Paulo Afonso, chegava a ser..., olha foi uma  pena que tu não assististes, mas tua iria ver o festival...

(...)

“Contrapontos: Liberdade, Lealdade e Personalidade”:

  • Não,  foi porque eu fui eleito “bode expiatório” na época em que vocês fizeram o plano do Paulo Afonso. Eu era a pessoa que trabalhei naquelas legislações e fui duramente criticado por isso. Só que o Pacheco foi embora, o Bado e o Jorge se aposentaram, o Bahia virou às costas, o Moreto, Ademar... e tantos outros foram aproveitados e tinha que sobrar para alguém. Para quem sobrou,  para quem? Para a parte mais fraca que era eu, o “Assistente Jurídico”,  o “mentor”, tinham que descarregar o ódio, a raiva deles até para justificar os ares das mudanças, o novo, uma forma de justificar a chegada deles, o fim do antigo...
  • Mas Felipe eu também fui muito criticado, não foi só tu. A gente tem que aceitar as críticas
  • Não estou dizendo isso, eu estou falando que na época em que trabalhei na transformação da carreira de Investigador de primeiro para o segundo grau, do Comissário, Escrivão para nível superior, o fim dos Carcereiros..., muitos me criticaram. O Oscar, o Trilha, o próprio Bahia, sem contar a Lúcia e o Lourival, pelo menos eu ouvia os comentários, tipo: “onde já se viu exigir segundo grau de um Investigador, nível superior de um Comissário,  Escrivão...
  • Quem te criticava por isso que eu sei era o Maurício Noronha.
  • Outro dia eu gravei uma entrevista na rádio CBN  e o repórter perguntava ao Comandante da Polícia Militar ao Coronel Valmir Lemos que escolaridade era exigido para ser soldado  e ele prontamente respondeu que além do segundo grau era exigido também curso de formação e o jornalista ficou surpreso porque achava que era exigido apenas o primeiro grau. O Valmir adicionou ainda a informação de que Santa Catarina foi um dos Estados pioneiros na exigência do segundo grau para o ingresso  na PM, depois o repórter se dirigiu à Lúcia e fez a mesma pergunta sobre qual era o grau mínimo de escolaridade exigida para ingressar na Polícia Civil e ela prontamente também disse que desde 1993 que já era exigido o segundo grau e curso de formação. Aí Braga eu fiquei pensando: “puxa, me criticaram tanto pelos meus projetos e agora..”. Tu falastes antes em lealdade e eu disse para ti que a lealdade tem que ser com a instituição, foi a lei complementar cinquenta e cinco que pôs fim a usurpação das funções de Delegado de Polícia por militares e outras pessoas estranhas à carreira...
  • Mas agora voltou isso de novo.
  • Pois é, permitiram isso, mas só para Delegacias Municipais e com policiais civis, o que foi permitido pela lei cinquenta e cinco. Na época da tramitação dessa lei o Pacheco queria que se estruturasse a carreira de Delegado de Polícia, seguindo uma linha que tornasse mais próxima dos Oficiais e eu fui contra. Ele propôs que fosse alguma coisa assim: Delegado-Tenente, Delegado-Capitão, Delegado-Major e Delegado-Coronel... e eu argumentei que isso era inconstitucional, argumentei que éramos carreira é jurídica e não militar, que teria que buscar uma isonomia isto sim com os Juízes e Promotores o que acabei fazendo naquela legislação...
  • Esse negócio de se fazer tudo o que mandam a gente fazer eu sou contra também por isso que eu acabei me prejudicando.
  • Eu acho que é importante se administrar com pessoas que saibam dizer o que pensam e não que querem ficar agradando o rei, só para se manter em seus cargos.
  • Mas é o que acontece agora, vê o caso da Lúcia, ninguém se atreve a falar para ela o que realmente deveria ser dito, todos evitam, falam pelos corredores ou a quatro paredes, não há liberdade.
  • Pois é, e isso é certo, uma instituição tem que propiciar liberdade de expressão,  participação, temos que aprender a conviver com antagonismos, estimular valores e não exigir respeito, impor obediência rígida, o medo o temor...
  • Mas é só isso que eles sabem fazer Felipe, tu não conheces esse pessoal?
  • Mas justamente por isso que a gente se encontra nesse estágio, para os amigos os benefícios da lei... e para as pessoas que não fazem parte do time deles os rigores da lei. Não vê esses atos de remoções, e eu me  pergunto onde estão aqueles nossos Delegados com personalidade forte, caráter, os legalistas, moralistas?  Por exemplo o Bahia quando vê que essas remoções estão sendo feitas para beneficiar determinadas pessoas...
  • Olha eu quero perguntar para o Bahia como é que ele deixou esse pessoal fazer o que fizeram nesse último concurso, ele dá uma de advogado do diabo, mas eu quero encontrar ele e perguntar isso...
  • Braga, tanto o Bahia como o Lima são pessoas de personalidade forte, de caráter, mas nessas questões aí eu não sei qual foi o posicionamento deles, se simplesmente não quiseram enxergar, fizeram vistas grossas..., apesar de tudo estar acontecendo bem na frente dos narizes deles...

(...)

“O Art. 13”:

E lembrei daquele ditado: “Não muito forte com os fracos e não muito fraco com o fortes” e nesse caso, fazendo um trocadilho, passava a valer: “Fraco com o fortes e forte com o fracos” ou o que o ex-Delegado Jucélio Costa me disse numa entrevista que concedeu: “Entre o choque do mar com o rochedo quem leva a pior é o marisco”. Evitei lembrar aquele ex-magistrado,  ex-Delegado do DOPS e  ex-Oficial da PM (Timóteo)... e a nossa conversa continuou a fluir:

  • Esse concurso aí está incomodando, o pessoal está pedindo informações, o que tu achas?
  • Pois e agora, olha, Braga...
  • Se o pessoal quiser anular o concurso eu acho que eles conseguem, não?
  • Sim. Veja bem a Constituição, ela prevê princípios que não foram respeitados, foram?
  • Eu acho que o pior é o da legalidade, o problema está todo no artigo treze do Estatuto...
  • Sim. Um exemplo: Consta do artigo treze que a idade máxima para ingresso é quarenta e cinco anos, como é que o edital passou a exigir cincoenta? O mesmo vale para a idade mínima, dispõe a lei que é dezoito anos, como é que exigiram vinte e um? Certamente que pessoas foram beneficiadas com isso e aí a ilegalidade é flagrante...

(...)

E, em seguida fiz um relato para Braga a respeito do nosso projeto. Já tinha prometido em outras oportunidades que daria uma cópia para ele do material. E conclui, depois de uma explicação um tanto demorada que uma das diferenças fundamentais entre o Heitor e o Júlio era justamente a que este  tem, antes de tudo, um projeto institucional e aquele tem um projeto que passava essencialmente pelo plano pessoal:

  • Mas Felipe o que o Amin disse desse “Plano” de vocês?
  • Ele disse que gostou, só que para implementá-lo aí é que são elas porque passa também pela Polícia Militar e lá é outro mundo, são outros interesses...
  • É, eles não vão aceitar.
  • Imagina o medo, eles tem o Comando-Geral, tem o Corpo de Bombeiros, tem a Polícia Rodoviária Estadual, tem as “Casas Militares” no Palácio, na “Assembleia Legislativa”, no Tribunal de Justiça, são tantas coisas conquistadas sempre próximos dos governos... Bom,  se for depender da vontade do pessoal eu acho que se o Amin quiser marcar a administração dele em termos de segurança vai ter que fazer valer o resultado das urnas, se não vai ficar muito difícil. A Polícia Militar ter que olhar o futuro e não manter a sociedade refém de uma mega instituição que cada vez mais vai se impondo e o povo é chamado para pagar a conta. Podemos ter uma Polícia Estadual de Estado, muito mais leve, barata, funcional, como têm os países de primeiro mundo... O importante é se preservar o modelo uniformizado com base na doutrina militar, fazendo jus a história, mas só que dentro de um novo conceito. Já a Polícia Civil também permanece, só que trabalhando junto com segmento uniformizado e ambos sob o mesmo comando unificado.
  • Ele tem que implementar um projeto desses logo no início da administração dele, só que como é que fica a situação do Júlio e do Heitor, já que para ser Procurador- Geral não tem que ser final de carreira?
  • Sim, só que como as alterações vão se dar dentro de um processo, além disso tem que se ver para onde vai a Polícia Militar, os Coronéis, temos ver se eles vão aderir ao nosso “Plano” porque isso vai se refletir na escolha do Procurador-Geral. Mas não impede que num primeiro momento o Procurador-Geral seja alguém de fora para fazer a transição, viabilizar os projetos de alteração constitucional e legal....
  • Sim, mas a proposta é eleição de lista tríplice com três Procuradores?
  • Não sei, vai depender do que ficar acertado entre Delegados Especiais e Coronéis..., mas num primeiro momento quem vai fazer a escolha do Procurador-Geral deverá ser o Governador.
  • Certo.
  • Mas como eu já te disse anteriormente a prioridade deverá ser uma lei orgânica para a Polícia Estadual...
  • Lei orgânica? Não, tu estais falando é o regimento interno?
  • Não Braga, regimento interno é outra coisa, cada instituição civil e uniformizada terá seu regimento, mas a lei orgânica deverá reger primeiramente a Procuradoria-Geral e, também, as duas instituições civil e uniformizada.
  • Mas e o Regimento Interno?
  • Que Regimento interno Braga? Nós temos que pensar grande, vê se a Magistratura tem Regimento Interno, se o Ministério Público tem, a própria Procuradoria-Geral do Estado? Só quem tem regimento interno são órgãos sem muita expressão.
  • Mas a Lei Orgânica nacional é tão pequena, tu já vistes?
  • Sim, eu vi o projeto. Mas o que nós estamos propondo é um novo modelo de Polícia Estadual aqui em Santa Catarina. Se tivermos sucesso e isso foi estendido para as outras unidades da federação aí sim nós poderemos pensar numa lei orgânica nacional que federalize esse modelo estadual de polícia... Concordo que a lei orgânica nacional teria que ser sintética em razão das amplitudes sociais, econômicas, culturais...
  • Mas o Heitor não vai querer implantar esse projeto? Duvido, uma das coisas que ele coloca como condição de aceitar a Pasta da Segurança é que a Polícia Militar volte a integrar o órgão...
  • Mas o projeto de criação da Procuradoria-Geral prevê isso também, conforme eu te relatei e o que é mais importante, propõe se fazer as alterações que nós desejamos fazer, a nossa maneira, da forma menos traumática e com esses projetos de emenda constitucional que tramitam em Brasília, como aquele proposto por Mário Covas que se reelegeu, do José Gregório e tantos outros perdem o objeto. Não se sabe o que vem por aí, dessa maneira nós nos antecipamos às reformas evitando que mais tarde se faça essas mudanças “goela abaixo”, e o que é pior, por iniciativa de políticos ou pessoas que não conhecem a nossa realidade, não são do meio policial, não conhecem o que é prevenir e reprimir a criminalidade.

(...)     

E ao final de nossa conversa Braga lembrou o nosso próximo compromisso:

  • Não te esquece da reunião na próxima segunda-feira.
  • Segunda-feira é dia nove?
  • É sim.
  • Puxa, e eu que pensei que era na terça.

(...)”.