Data: 29.10.98, 08:25 horas:

Jorge telefonou para a Delegacia-Geral da Polícia Civil para conversar:

  • Alô! (Jorge)
  • Alo!
  • Felipe é Jorge.
  • Ah, sim.
  • O teu celular está desligado.
  • É verdade.
  • Escuta, não esquece a reunião hoje às dez horas.
  • Claro. Estou sabendo.
  • Falaste com o Garcez?
  • Sim.
  • Então tá. A gente se vê lá.
  • Certo.

Horário: 10:05 horas

“O ‘Guru’”:

Cheguei no edifício Dona Angelina  e encontrei o pessoal conversando na sala ao lado daquela prevista para a nosso reunião. Observei que no local havia umas mulheres que estavam desocupando a sala, na verdade elas estavam trocando de lugar, tratava-se da “tropa” da “Educação”.

Logo que cheguei próximo da porta hesitei em entrar porque visualizei que “Pedrão” vinha ao meu encontro fazendo mais uma daquelas suas provocações:

  • Olha o nosso guru, pessoal chegou o Genovez, o nosso guru!

Sem nada comentar apenas retribui a “gentileza” com um sorriso discreto e caminhamos juntos para a sala onde estava previsto que seria o nosso encontro. No caminho ficou ecoando aquela locução “Guru” que me fez viajar aos tempos da “Penitenciária”, pois lá o meu Gerente Agroindustrial (Magno Fernando Pamplona, meu conhecido desde infância da Rua Abelardo Luz, Bairro Estreito e muito amigo do ex-Secretário e atual Deputado Estadual João Henrique Blasi) costumava usar o mesmo tratamento.

A distribuição na mesa de reunião ficou assim estabelecida:

Coronel Backes sentou na ponta, de frente para a saída, a seu lado sentaram imediatamente eu (à sua esquerda) e o Coronel Ib Silva (à sua direita). Do meu lado ficou Braga, Jorge Xavier e uma outra pessoa que deve ser um Oficial da PM. Do lado de Ib sentou Sell, Krieger, “Pedrão” e na outra ponta uma pessoa que deveria ser outro Oficial da PM que também não conhecia.

“Velhas Rusgas e Um Fundo Muito Tênue de Verdades”:

Em seguida o Cel. Backes fazendo uso da palavra passou a mostrar os “documentos” que possuía sobre a situação da Polícia Militar, enfatizando que não deixou o mesmo circular, que no último ano o fundo da Polícia Militar havia arrecadado cerca de vinte milhões e que naquele  ano a previsão era de vinte e dois milhões. Na sequência, com base nessas informações, reiterou que era importante termos também um levantamento sobre a arrecadação do nosso fundo... Nesse momento pensei no número de obras realizadas na Polícia Civil pela atual gestão, tudo com recursos do nosso fundo? Também, pensei no interesse em se saber quanto estávamos  arrecadando, só que não haviam disponibilizados essas informações para nós, enquanto que para o pessoal da PM tava tudo na mão. Enquanto isso o Cel Backes reiterou que a falta de informações da Polícia Civil e da Secretaria de Segurança Pública não o preocupava tanto porque eles tinham condições de acessá-las por outros meios... Lembrei que numa outra reunião o Cel. Ib tinha se referido ao prédio da Quinta Delegacia de Polícia da Capital como uma obra “monumental” da Polícia Civil... (pensei: “bem aquele ‘prediozinho’, a única Delegacia da Capital que tinha sede própria, depois de anos de luta, o restante era tudo alugado e com um custo bem barato para a sociedade, cuja realidade era bem diferente da Polícia Militar, com seus imóveis muito bem servidos, como o Comando-Geral, Academia da Polícia Militar, seus Batalhões,  Companhias..., aliás, cheios de militares e praticamente ninguém encarcerado como nos prédios simples da Polícia Civil... Sim, a observação de Ib parecia pura ironia, mas sob o aspecto dos custos para o Estado e para a sociedade, cujas informações sempre foram guardadas a ‘sete chaves’, poderia se revelar uma tragédia considerando a grande massa de excluídos que pagam taxas e impostos e os serviços de ‘excelência’ prestados para os incluídos que pagam..., êta ‘Zéib!’ Sei, vão dizer: “ah, mas salvamos vidas, prendemos, vigiamos, defendemos..., sim, tudo isso é verdade, são imprescindíveis, tudo bem, mas e nos outros países de primeiro mundo como é que é? Por favor...”). Logo que o “bem humorado” Cel Ib (de certa forma lembrava o humor do “Pedrão”) fez essa observação procurei olhar o significado da palavra “sicambro” que ele havia utilizado durante a sua incursão...  e lembrei que bem próximo dali a Polícia Militar havia acabado de instalar, mais uma sede para o Corpo de Bombeiros (Bairros Trindade...), mais custos para o Estado e para a sociedade... Porém, a diferença estaria no fato que quando a atual cúpula da Secretaria de Segurança teve a Quinta DP pronta convidou o Governador Paulo Afonso, autoridades, a imprensa, todos os cargos comissionados, o povo em geral para a inauguração daquele “prediozinho” que era categorizado como a “Delegacia de Primeiro Mundo”  e, aquela unidade de Corpo de Bombeiros, dentro de um terreno monumental, foi construída em silêncio pegando a comunidade (sempre com a atenção noutras direções, distante dessas obras silenciosas, dessas decisões de bastidores com gastança do dinheiro público e em imóveis que poderiam ter uma outra destinação social...)  abriu os olhos já estava funcionando,  sem chamar a atenção. Aliás, bem na frente existe um outro terreno “monumental” em terreno público: “A Associação dos Oficiais da PM – Barriga Verde”, dá licença “Zéib!”).  Mas, consegui “captar” talvez as palavras do sábio “ZéIb”, ou seja, aquele pessoal que estava à frente da Secretaria de Segurança Pública leu a cartilha da Polícia Militar, só que da “Década de Vinte” (nos tempos do Coronel Lopes Vieira, Comandante-Geral da PM que se desdobrava com agrados ao Governador Adolpho Konder o convidando para inaugurar “obrinhas” como as reformas da Cantina do Quartel da PM, a criação do Curso para Oficiais..., tudo ao som da banda, desfiles, foguetórios, almoços para autoridades... e da imprensa “marrom”, “chapa-branca”...  Nunca desconheci a relevância da História da Polícia Militar que foi construída ao longo dos séculos, décadas..., mas querer avacalhar com a Polícia Civil era injusto, ainda mais querendo ironizar e fazer “pilhérias” de chofre.

Ah, ainda sobre a “Delegacia de Primeiro Mundo”, soube que outro dia um amigo foi lá registrar uma ocorrência  na expectativa de ter um atendimento de qualidade. Moral da história: e ficou frustrado quando percebeu que o esforçado policial foi redigir a ocorrência numa velha máquina de escrever e a seu lado havia um computador que não funcionava...

“O Fundão”:

Mas voltando a reunião, “Pedrão” sempre com aquela sua voz rouca, quanto ao levantamento de informações na Secretaria de Segurança observou:

  • É importante saber o que tem ...!

(...)

  • Precisamos do relatório do fundo, saber sobre as viaturas...(Backes)
  • Nós precisamos saber se o governo pensa em acabar com os fundos,  não pudemos admitir uma coisa dessas. O fundo é importantíssimo...! (Pedrão)
  • O fundo é imprescindível! (Sell)

(...)

(Fiquei de alma lavada por que fui o autor do projeto do Fundo da Polícia Civil no ano de 1989, durante a gestão do Delegado Antonio Abelardo Bado. Com o passar dos anos o nosso fundo passou por várias alterações. Detalhe: quando fiz o nosso projeto a Polícia Militar coincidentemente também fez o dela que surpreendentemente foi aprovado antes que o nosso).

“Backes e o Detran”:

E o Cel. Backes aproveitou para falar sobre a importância de transformar o Detran em autarquia, já tinha dito isso no nosso primeiro encontro que tivemos com ele na Diretoria de Ensino do  Comando-Geral da Polícia Militar. Evidentemente que todos nós da Polícia Civil éramos  contra, por isso que o assunto foi tratado de maneira pouco clara, percebia-se claramente a dificuldade de se tratar desse assunto (já conhecia essa pretensão dos Coronéis porque na Assembleia Constituinte havia representado a Polícia Civil nos trabalhos e essas mudanças no Detran só não ocorreram graças a nossa intervenção, mais isso é uma longa história para ser contada em outra ocasião... Preferi o silêncio pois  já tinha argumentado com Backes que era muito bom fazer reformas no quintal dos outros  com o chapéu alheio, mas quando é nosso. Nisso “Pedrão” fez uma intervenção importante:

  • Eu acho que tem que ser criadas Delegacias de Trânsito, é sim, de Trânsito, em todas as cidades. O Delegado Regional tem que sair da cadeira é, tem que se fazer isso, sem o trânsito a Polícia Civil perde...”. (Pedrão)

“Backes e o Conselho Municipal de Segurança”:

E o Cel. Backes falou também sobre a importância de se criar conselhos de segurança em todas as comunidades. Disse que o objetivo era aproximar o cidadão da sua Polícia (pensei: “ou a Polícia do cidadão?”). Segundo ele, o novo governador queria isso e fosse quem fosse dirigir as corporações teria que dar importância para isso, para essa integração, para a ação conjunta das Polícias, para os contatos com a população e acrescentou:

  • ...É  preciso que haja concretamente uma diminuição da sensação de impunidade!

Nesse instante chegaram também para nossa reunião o Delegado Wanderlei Redondo, de óculos de sol e falando no celular, acompanhado do Delegado Quilante.

Jorge Xavier lançou uma pergunta:

  • É, mas tem que ver se as Polícias Civil e Militar vão estar juntas num mesmo órgão?

(...)

“Pedido para Lúcia”:

Eu já tinha tirado a proposta de ofícios que havia redigido da minha pasta e a coloquei na frente do Delegado Braga para que ele fizesse a leitura.

  • Backes nós trabalhamos na semana passada, um ofício é para a Lúcia, o objetivo é pedir aquelas informações, está aqui e eu vou fazer a leitura deles... (Braga)

Depois das duas leituras  vieram observações para se fazer um enxugamento dos tópicos. Backes questionou:

  • Tem o disquete aí?
  • Sim. (Felipe)

Como Jorge havia feito anotações das alterações do documento convidei-o para ir comigo até a sala ao lado (onde se encontravam as senhoras da Educação), a fim de fazer as alterações no computador. Depois de alterado, o documento para a Delegada Lúcia ficou com esta redação final:

 
   

   ESTADO DE SANTA CATARINA

COMISSÃO DE SEGURANÇA PÚBLICA

Ofício 01/CSSP/98

Excelentíssimo Senhor,

Vimos pelo presente solicitar a V. Exa.,  digne-se  encaminhar pedido ao Excelentíssimo Senhor Cesar Barros Pinto – Secretário de Estado,  indicado pelo Chefe do Poder Executivo Estadual como preposto do Governo no processo de transição,  com o objetivo de serem repassados documentos e informações na área da Secretaria de Estado da Segurança Pública, especialmente, sobre:

1. Quadro de servidores da Pasta, bem como especificação do cargo/função/funções de confiança e local de lotação.

2. Relação de estagiários e/ou Bolsistas de Trabalho existentes no âmbito da Pasta, lotação, término de contrato e outras informações.

3. Projetos em andamento, com os respectivos documentos referentes a processos de licitação, aquisição de bens e contratação de produtos e/ou serviços no que se refere:

  • à construção de prédios e reformas;
  • à aquisições de equipamentos;
  • a cursos;
  • a convênios.

 

  1. Projetos, anteprojetos e estudos acerca de Legislação.
  2. Comissões oficialmente constituídas (legislação, finanças e disciplinar), com a relação dos seus integrantes e o estágio em que se encontram os  trabalhos.
  3. Fundo para a Melhoria da Segurança Pública (Lei n. 7.722, de 13.09.1989, com as alterações das Leis números  8.451, de 11.12.1991  e  9.797, de 22.12.94), atinentes:
  • à situação financeira;
  • à  movimentação de recursos;
  • aos repasses financeiros;
  • ao comprometimento de recursos.

 

  1. Situação orçamentária.
  2. Evolução das despesas nos últimos doze meses, referentes: a) horas-extras; b) adicional noturno; c) combustíveis; e d) alimentação.
  3. Licitações em andamento.
  4. Relação dos contratos de locação de bens móveis e imóveis existentes e situação em que se encontram.
  5. Convênios firmados no âmbito da Pasta.
  6. Operação Veraneio – 1998/1999.
  7. Relação de viaturas, com respectiva identificação, ano de fabricação, estado de conservação e localização.
  8. Relação de aparelhos de comunicação e localização.
  9. Relação de computadores (hardware e software), configurações, data de aquisição  e localização.
  10. Armamento e munições, com a identificação do material, data de aquisição e distribuição.
  11. Relação das empresas e estabelecimentos fornecedores de bens e produtos no âmbito da Pasta da Segurança, especialmente, para efeito de fornecimento de produtos, manutenção e conserto de equipamentos, viaturas, informática, combustíveis, lubrificantes, armamento, munições e material de uso geral.

Agradecendo antecipadamente a atenção que Vossa Excelência dispensar as nossas solicitações, colocamo-nos ao inteiro dispor para qualquer informação que se fizer necessária.

Florianópolis,  29 de outubro de 1998

WALMOR BACKES

Coordenador da Comissão

de Segurança Pública

Ao Excelentíssimo Senhor

Dr. Celestino Secco

DD. Representante do Governo de Transição/Coligação ‘MAIS SANTA CATARINA’

N E S T A

 
   

 

 

“Kaixa Alta”:

Como o nome do Coronel Backes estava escrita de forma errada, até então pensava-se que seu nome era Valmor Backs e ele pediu gentilmente para que fosse escrito corretamente: “Walmor Backes”. O que fiz imediatamente lembrando do “KA”, mas em hieróglifo é claro e que não fosse confundido com “KVA”:

  • Poderias escrever o meu nome em caixa alta?

Pensei em dizer a ele que isso não era importante, poderia dar a impressão de excesso de pedantismo, mas achei que fosse deixar como ele queria, afinal de contas, não tinha tanta liberdade assim....

“Os Parassintéticos e Parentéticos”:

E quando retornei à sala do computador para fazer a última correção encontrei “Pedrão” fazendo-se de enraivecido e dizendo para Backes:

  •  Olha Backes no tempo que o Jorge era Delegado-Geral eu disse para ele que quando fizesse documentos colocasse só o essencial, fizesse um documento sintético!

Sentei no computador, olhei sério para “Pedrão” e ele arrematou com dedo em riste, voz rouca e grave, ecoando pelo recinto:

  • É Genovez,  tem que fazer um documento sintético,  sintético! Se não tu não vai chegar a Chefe de Polícia viu! É, se não tu não vai chegar a Chefe de Polícia!

Ameacei levantar enraivecido também e com o dedo em riste e partir para sua direção (talvez fosse tudo que ele estivesse esperando naquela momento...) contraditando:

  • É, “Pedrão”, é muito fácil atirar pedras no telhado dos outros, heim?

“Pedrão”, deixando escapar um sorriso cheio de malícia, deboche e muita experiência de vida..., deu meia volta, e saiu porta afora aos trancos para impulsionar seu corpo pesado. 

Logo em seguida se juntou a nós Jorge Xavier e relatei o ocorrido:

  • Tu vê Jorge, o “Pedrão” acabou de sair daqui dizendo que na época que você era o Delegado-Geral ele te aconselhou..., isso ele disse aqui para o Backes, olha se isso é coisa que se dizer por aí? Mas esse é o “Pedrão”, ele não tem conserto...

E Jorge Xavier ouviu atentamente o que eu relatava,  não sabia se me fitava ou se observava a reação de Backes, perante as minhas considerações... Backes procurou mostrar-se totalmente  imparcial, ouviu, prestou atenção, olhou para ambos... e não fez qualquer comentário.

Terminada a reunião, fui me despedir dos Coronéis Backes e Ib que reiteraram que o próximo encontro seria no dia 9 de novembro, às dez horas da manhã, aliás, Braga já havia me dito isso. E logo em seguida veio Jorge Xavier e Krieger, seguidos de Redondo e Quilante.