Dia 14.09.98 – Seminário de Saúde no Hotel Castelmar – Florianópolis:

Ainda no corredor do hotel encontrei Jorge Xavier que acabava de chegar. Sabia o que estava realmente fazendo naquele encontro desde que o comitê (Plano de Governo do Senador Esperidião Amim) havia feito contato convidando para o evento que não tinha nada haver com a Segurança Pública.

Enquanto descíamos as escadas, rumo ao subsolo do hotel, aquele misto de expectativa de encontrar outros companheiros e o desejo incontido de que tudo terminasse o mais breve possível. Infelizmente uma constatação preliminar: os principais e ilustres candidatos ao governo e ao senado não haviam chegado ao local.

Logo na entrada do recinto Jorge avistou o Delegado Mário Martins Presidente da  ADPESC (Associação dos Delegados de Polícia do Estado de Santa Catarina) que  murmurou algo até então pouco  incompreensível ao meu ouvido: “O Mário está ali, como eu não quero perguntar porque tu já sabes, pergunta a ele quando é que vai sair aquela  nossa diferença (salarial)”.  Em dúvida, quando ainda  assimilava o que havia sido solicitado, vimos Jacó Anderle (Diretor do MEC em Santa Catarina e do PSDB) vindo ao nosso encontro, o que obliterou nossa conversa. Após os cumprimentos formais, sem muito assunto o que falar naquelas circunstâncias, mesmo porque nossa atenção estava centrada no Delegado Mário Martins que também veio se integrar ao nosso trio.

Inicialmente argumentei que tinha pensado em procurá-lo na parte da manhã. Mário Martins – com seu estilo irreverente e bem articulado nas palavras e gestos, fazia observações  acerca da situação da candidatura de Jorge Bornhausen para o Senado, pois conforme seu entendimento, sua eleição não estava definida porque o PMDB do sul do Estado poderia descarregar seus votos no candidato Sérgio Grando e isso poderia trazer surpresas.  Observei que isso dificilmente viria a ocorrer porque naquela  conjuntura Bornhausen era o melhor candidato para o Senado. Mário Martins insistiu que no ponto em que os peemedebistas poderiam descarregar votos noutro candidato e que Ângela Amin não teria perdoado Bornhausen pela derrota que sofreu nas últimas eleições ao governo do Estado (1994), quando o PFL apoiou Paulo Afonso e ela perdeu a eleição por cerca de vinte mil votos.  Não sei como deixei escapar a seguinte frase naquela ocasião:  “Infelizmente Jorge é o melhor candidato”. O Xará do candidato a senador ao meu lado logo intercedeu: “Infelizmente por quê? Acho que felizmente”. Pensei comigo que o adjetivo foi realmente colocado de maneira imprópria, ou seja, não deveria existir adjetivo algum, apenas: “Para o Amin o Jorge é o melhor candidato!”. Mas preferi não consertar a situação e deixar como estava.

Enfim, entre cafezinhos no canto do auditório, perguntei a Mário Martins sobre os salários atrasados, tendo a resposta chegado de rebento: “não há previsão alguma pois o governo não consegue nem pagar os salários em dia. E esse mês vai atrasar mais ainda, não sei se vocês já sabem que o dinheiro só vai sair depois do dia vinte um?”.  Enquanto Jorge se refazia da indigesta informação, o Presidente da ADPESC ponderou que naquele momento começava acreditar que o Senador Amin receberia realmente quatro folhas atrasadas. Jorge Xavier rapidamente contraditou, argumentando que o Governador Paulo Afonso colocaria antes do seu final do governo os salários em dia. Observei que isso seria muito difícil ocorrer e que o mais certo seria o Senador Amin – caso assumisse realmente o governo – começasse a pagar em dia os servidores públicos a partir de janeiro do ano de 1999 e, as parcelas atrasados poderiam ser ressarcidas dentro de um cronograma para os quatro anos de governo. Mário Martins reverenciou o meu bom senso, reafirmando que essa talvez fosse a melhor saída, enquanto que Jorge Xavier expressava o seu repúdio à condição imposta aos servidores públicos do Estado, especialmente, considerando sua vulnerabilidade financeira naquele momento.

Até aquela altura os Delegados Krieger e Garcez ainda não haviam chegado. Pensei comigo: “Não virão mais e acho que acertaram”, enquanto destacava no outro canto da sala Osvaldo Batista Jerônimo (Escrivão do DEIC) e o Comissário de Polícia Celso que apoiaram Heitor Sché no seu “Plano de Segurança Pública” intuindo que certamente estavam representando os Delegados Pedro Benedeck Bardio e Artur Sell.

Começava a achar que meus pressentimentos estavam certos:  “estava na hora certa com as pessoas certas, porém, no local errado”.  Investi novamente, perguntando a Mário Martins se a Associação dos Delegados estaria apoiando algum nome a Deputado Federal, obtendo resposta negativa, pois, segundo aquele dirigente, não havia qualquer  pretensão nesse sentido. Observei que na manhã daquele dia tinha conversado com a esposa do Perito Celito Cordiole – Presidente da Associação dos Peritos Criminalísticos (Cristina – Comissária de Polícia)  que estaria apoiando o candidato Tiscoski à Câmara Federal e que isso poderia nos trazer preocupações em nível institucional, considerando os interesses dos peritos em fragmentar a Polícia Civil. Martins Martins – com muita convicção – registrou que esse candidato não se elegeria, mesmo porque na última eleição para a Assembleia Legislativa só conseguiu obter êxito em razão de quatrocentos votos. Diante dessas colocações, questionei se ele tinha essa certeza e que se estaria tão bem informado? Mário Martins reforçou suas colocações, dizendo que conhecia bem a base eleitoral do candidato que estava circunscrito à região sul do Estado e que o Senador Amin teria se comprometido com os Peritos de instituir nas diversas regiões um setor de perícias. Lembrei que o Delegado Wanderley  Redondo já havia me dito o mesmo e que era pretensão do Senador Amin criar nas diversas regiões do território estadual um órgão descentralizado na área criminalística (pensei comigo, será? Lembrei que Cristina Cordioli havia também me confidenciado que Celito estava trabalhando muito na campanha do Senador Amin). Não que fosse contra isso, muito pelo contrário, no entanto o isolamento dos Peritos sempre foi uma constante, especialmente para com as questões afetas ao universo da Polícia Civil e a tese reducionista que explica isso, baseada na ‘teoria demagógica’ da  falta de espaços (o que não deixava de ser verdade em parte, mas aí é outra coisa...) o que compreendi não ser verdadeiro pois quando presidi a Federação Catarinense dos Policiais Civis pude verificar o distanciamento tanto dessa categoria como dos Delegados de Polícia, estes últimos considerados a coqueluche em termos de ‘establishment’ e aqueles querendo assumir esse ‘status’ quer sob o aspecto isonômico quer institucional.

No microfone, o primeiro palestrante anunciava as presenças dos candidatos ao Governo e ao Senado pela coligação “MAIS SANTA CATARINA”. Surgiram nossas estrelas, os Senadores Amin e Jorge Bornhausem sorridentes cumprimentando os presentes situados nas cadeiras da fileira da esquerda. Jorge Bornhausen fez uso da palavra e deu ênfase a sua candidatura para o Governo Amin em termos de trazer verbas para o Estado. Em seguida o Senador Amin reiterou as palavras de seu antecessor e teceu considerações acerca da saúde no Estado, porém, nada de novo que não fosse um discurso de campanha política.

Bem atrás de uma das colunas - onde a visibilidade dos candidatos era zero – concluo que certos estavam os Delegados Garcez e Krieger que não foram ao evento, enquanto isso,  Mário Martins deixava de fino o auditório - logo que os candidatos  terminaram suas falas (não tive como não lembrar da saída à francesa no caso da palestra do Professor Luiz Flávio Borges D’Urso naquele mesmo local dias atrás.

O Senador Amin e o candidato ao Senado Jorge Bornhausem se despediram e vieram na nossa direção. Primeiro cumprimentaram o pessoal que estava na dianteira e a seguir passaram por nós sem que se demorassem (não tive como não lembrar do episódio no Hotel Floph... Eu, que estava ainda sentado, ao perceber a aproximação, tratei de me levantar como já haviam feito os demais. Entretanto, passaram os candidatos um pouco distante  sem que houvesse um simples aceno. Não que estranhasse isso, mas pensei comigo “realmente não deveria estar mais aqui. Certo o Mário Martins que essa hora deve estar longe”.  O assunto era saúde e nós éramos da Segurança Pública.

Seguindo os mesmos passos dos candidatos em direção à saída, ainda no corredor, Jorge Xavier queria arriscar (mais parecia mendigar) uma palavrinha com o Senador Amin que estava concedendo entrevista à emissora de televisão Barriga Verde. Insisti que deveríamos ir embora para não queimarmos ainda mais nosso filme.

Nisso, ainda em frente do Hotel, apareceu um cidadão trajando terno marrom, cabelos castanhos bem claros e lisos (deveria se tratar de uma peruca loira e que na parte frontal revelava ser artificial). Vi o semblante de Jorge Xavier se alterar, revelando aquele jeito especial de ‘raposa’, com a cabeça inclinada para a esquerda, seu sorriso a mostrar os dentes alvos com saliência dos caninos superiores e levemente saltados para frente, gesticulando seus braços em “slow motion”, friccionando suavemente uma mão sobre a outra. Enquanto surgiu uma pessoa para cumprimentar Jorge Xavier procurei me manter em silêncio, apenas querendo ouvir. Logo reparei que se tratava de um politiqueiro de carteirinha. Não deu outra, logo a seguir, Jorge Xavier confidenciou que se tratava de um diretor da TELESC que estava fazendo campanha para Antonio Carlos Konder Reis. Jorge Xavier registrou que esteve a procura desse cidadão para arranjar um estágio para sua filha (Francine) na TELESC e não conseguiu localizá-lo e agora estava ele ali bem na sua frente.

Pensei ainda naquela questão do velho filme, dos Delegados Krieger, Garcez e Mário Martins”. Enfim, depois daquela pérola do Jorge Xavier era hora de bater em retirada.

Depois que deixei o local fiquei pensando no nosso “Plano de Segurança Pública”, no projeto de criação da “Procuradoria-Geral de Polícia”. Realmente as coisas estavam ficando fora de controle e corríamos um risco muito grande de implodir naquele ano, a começar por dentro do nosso grupo em razão dos interesses difusos de cada um dos seus membros e da falta de comprometimento. Pobre povo com sua política feita de políticos profissionais e insensíveis.