Data: 22.10.98, horário: 09:00 horas, “Insolências Depois de Um  Rescaldo”:

No salão vermelho, como sempre apareceu nosso manezinho-mor “Escrivão Osnelido” para bater seu ponto matinal. Depois de aliviar suas necessidades, veio se sentar na minha frente, com o seu caminhar lento, cambaleante e sorriso amarelo:

  • Fala Litão!
  • Tudo tranquilo?
  • Tudo. Sem novidades.
  • É, tá todo mundo quieto, ninguém fala nada.
  • É, todo mundo só esperando.

(...)

"O nome do próximo Delegado-Geral”:

  • Mas Lito eu estava conversando com o Braga ontem e justamente falávamos sobre quem seria o Delegado-Geral, quais os prováveis nomes.
  • Mas quais são os nomes possíveis?
  • Olha Lito para Delegado-Geral todos os Delegados Especiais são candidatos, tem a Lúcia, Lourival, Bahia, Trilha, Lima... Tem também o Natal lá em Chapecó, o Saul Treis em Blumenau.
  • Ah, esses pode tirar, não têm a mínima chance.
  • Mas tem também o Optemar que está na Corregedoria.
  • Esse também pode tirar.
  • Por quê?
  • Ele é uma criança, discute com guarda de trânsito na rua, mesmo tendo estacionado o carro irregularmente e tem outras coisas, deixa prá lá, outro dia veio discutir comigo.
  • Tem o Vieira que também está na Corregedoria.
  • Esse não tem chance também.
  • Pois é, mas são esses os nomes, ah, também tem o Renato Ribas lá em Itajaí, acho que ele é o Regional.
  • Qual o partido dele?
  • Segundo consta ele é do PFL, é um candidato forte, não sei quais são as ligações políticas dele.
  • É, pode ser.
  • Olha Lito eu estava falando ontem com o Braga e ele disse que o meu nome está  forte, disse que tem três nomes que circulam por aí, o meu, o dele e o do Wilmar, só que eu disse para ele que eu tenho ainda dez anos de polícia pela frente, não tenho o mínimo interesse nesse cargo, só se fosse para implantar o nosso “Plano” a médio ou longo prazo, aí talvez... Já a situação dele e do Wilmar são bem diferente, eles tem interesse no  cargo e depois podem se aposentar a qualquer momento.
  • Eu acho que o Braga é menos provável que tu, o Heitor não gosta dele.
  • É, segundo ele, o próprio “Pedrão” e o “Sell” não gostam dele, isso eu nem sei.
  • O Wilmar não tem prestígio, falta prestígio para ele vir a ocupar esse cargo.
  • Mas eu acho que o nome do Braga é também um nome muito forte, é claro que vai depender muito da situação do Heitor.

(...)

“A Entidade”:

  • Eu estava falando para o Walter lá embaixo e disse para ele que esse negócio de ficar dizendo por aí que quando o Heitor assumir a Secretaria ficar dizendo que esse aí vai para um lugar, esse outro vai para outro, não é nada disso, por exemplo, citei o caso do Ademar, agora ele anda por aí e só não vai ser o Delegado-Geral porque já inativo, do contrário ele seria novamente. Além do mais ele tem carisma com diversos policiais,  e tem esse ciúme entre grupos na Polícia Civil. O Ademar coloca um de um lado e o outro de outro lado, manobra bem,  então não tem esse negócio do Heitor assumir e correr com todo mundo.

(...)

“Heitor e a PM”:

  • É Lito, realmente na atual conjuntura não é fácil. Dizem que o Heitor pode não aceitar ser o Secretário se a Polícia Militar não integrar a Secretaria de Segurança. Será que a PM vai querer ficar novamente subordinada ao Heitor?.Já tivemos aquele problema no passado envolvendo o Pacheco que foi exonerado do Comando da PM por que quis comprometer a direção da Pasta, lembra?
  • Olha, e vou te dizer o seguinte, estão com essa conversa aí, mas eu acho que essa é que vai ser a salvação do Heitor, tu não imaginas o que esse homem prometeu por aí, o que os policiais estão esperando dele, criou uma expectativa muito grande e se ele não cumprir a revolta vai ser muito grande, assim ele escapa bonito indo para a Assembleia.

(...)

“Uma Simples Questão de Oportunidade?”

  • Eu vou ter que pensar muito se o Julio vier a ser escolhido para ser o Secretário e desejar que eu assuma a Delegacia-Geral, vou resistir porque esse não é o meu objetivo como já te disse faltam ainda muitos anos para eu ter tempo para me aposentar, depois mudam os  ventos e corre-se o risco de ficar por aí sofrendo perseguições...
  • Eu acho que tu não deves perder essa oportunidade, é uma questão de currículo para ti, vai te dar “status”, tu precisas desse cargo, vai te dar experiência, tu vais aprender muita coisa, assim como tu aprendesses quando passasse pelo Sistema Penitenciário. Veja quanto conhecimento tu acumulasses, então não é só o teu suporte cultural é mais a experiência que tu vais adquirir.

(...)

“Cabeças Ôcas”:

  • Não sei, eu trabalho no sentido de viabilizar nosso “Plano” e ele está dependendo da situação do Júlio, fica difícil implementá-lo se ele ficar de fora. E, corre-se um risco muito grande disso acontecer em razão de que ele não se reelegeu. Depois, aceitar um cargo comissionado por aceitar para depois ter a minha foto aí na galeria para ser  massacrado, como tu fazes quase todas as vezes que vens aqui, outros também, não dá.

(...)

(Na verdade não era nada disso, o fato era que já sabia que dificilmente Julio Teixeira seria o Secretário e, também, depois da reação do Senador Amin com relação a minha pessoa  nos encontros e as queimações correndo por fora, sem contar os desafios que teriam que ser assumidos para viabilizar o nosso projeto e as reações em contrário, especialmente, por parte dos Coronéis da PM, nesse sentido a última coisa que desejaria seria navegar em águas revoltosas no seu futuro governo...)

“As Entidades-Mores”:

  • Mas tu não podes te comparar a esse pessoal aí, são tudo uns cabeças ocas, à exceção de alguns poucos, como aquele alí (Luiz Darci da Rocha). Ele eu posso dizer que tinha uma cabeça boa,  um intelectual, já na época dele era um intelectual.
  • É verdade Lito, foi na época do Luiz Darci que nós tivemos nosso primeiro Estatuto da Polícia Civil,  claro que tinha o Fogaça e o Vilela que atuaram em conjunto.
  • Então, o Estatuto foi um acontecimento que marcou a História da Polícia Civil e graças a eles que lutaram pelo nosso Estatuto.
  • Olha Lito não é bem assim, não significa que foram só eles que foram responsáveis pelo nosso primeiro Estatuto, eu disse que foi na época deles, devem ter trabalhado muito para isso, apesar de não haver muitos registros sobre esse fato, aliás, eles não registravam nada. Só para ilustrar, uma pessoa fundamental nesse processo foi o Secretário Ary Oliveira, se não fosse por ele o projeto do nosso Estatuto não teria sido impulsionado,  também pudera, tinha força e foi Secretário de Segurança por oito anos, até hoje o que mais ficou no cargo.
  • É, depois disso ninguém fez mais nada, o que fizeram? Está certo que o Heitor para mim foi um bom Secretário e também houve aquelas leis que tu fizeste.
  • Lito, quanto ao Heitor eu posso te dizer que o grande avanço na época dele foi o aumento do efetivo, nunca na História da Polícia Civil tivemos um avanço tão grande, de mil e poucos praticamente saltamos para  quase três mil policiais, já o Estatuto foi menos importante porque nós já tínhamos o nosso, só que como entraram em vigor os novos Estatutos dos Servidores do Estado e do Magistério, quiseram pegar carona, mas basicamente não necessitava porque eles são muito parecidos.
  • É verdade, nesse ponto o Heitor soube priorizar o que para ele era importante e para a Polícia Civil.
  • E na época do Pacheco nós tivemos as leis que tu citasses e que também foram grandes marcos e trouxeram grandes avanços.
  • É, mas graças a ti, se não fosse você não haveria.
  • Lito, não é bem assim, veja, se o Jorge não tivesse apoiado, se o Pacheco não tivesse dado o encaminhamento político, se o Jair Silveira não tivesse apresentado a minha emenda que pôs fim aos “delegados calças-curtas”, não teríamos nada de diferente, então o mérito é de todos nós, só lamento que não posso incluir a Adpesc e a Fecapoc porque eles desconheciam esses projetos e só tomaram conhecimento quando estavam sancionados, do contrário, como estavam em conflito direto com o governo, certamente que trabalhariam contra tudo e contra todos que fossem governitas.
  • É, mas foi tu que fizeste acontecer.

(...)

“A Lei Orgânica”:

  • Sim, mas existiu todo um trabalho conjunto. Só para você ter uma ideia no final do ano de 1994 eu entreguei para o T. uma proposta de anteprojeto da Lei Orgânica da Polícia Civil, pouca gente sabe, mas no ano de 1989, na época da Constituinte, enquanto os nossos Delegados se fechavam em seus gabinetes e esqueciam o mundo lá fora, enquanto a Adpesc só se preocupava com isonomia salarial e combater o administração do PMDB eu, como presidente da Fecapoc e Procurador Policial fui para a Assembleia Constituinte lutar para colocar um dispositivo que assegurasse à Polícia Civil uma Lei Orgânica, está lá e o pessoal nem sabe disso, não estão nem aí. É claro que a gente também não se preocupou em ficar dando publicidade, nem tínhamos tempo e dinheiro para isso. Entreguei o anteprojeto para o T.  e lhe disse que esse era o grande desafio do próximo governo, que seria muito importante aprovar esse ordenamento jurídico, era o desafio do próximo governo porque eu já havia preparado as leis complementares cinquenta e cinco e noventa e oito, seria um marco histórico, como já foi ter colocado na Constituição essa disposição. Esse era o grande desafio da nossa Delegada Lúcia como Secretária, tinha tudo nas mãos para aprovar essa legislação e resgatar nossa isonomia e escalonamento vertical. Se tivesse feito isso talvez tivesse sido eleita deputada estadual.
  • E por quê não saiu essa lei? Por falta de prestígio? Tu tens que ter prestígio político, se tu tiveres agora aí sim tu tiras essa lei.

“O Detran na Carta”:

  • Olha Lito tu queres outro exemplo: o Detran. O pessoal nem conhece a história, mas por que a execução dos serviços de trânsito estão hoje com a Polícia Civil? O Arno é testemunha, ficou quase que o tempo todo ao meu lado na Fecapoc acompanhando nossa luta nos bastidores da Assembleia Legislativa. Eu estava preocupado, sabia que o Pacheco como militar iria buscar o órgão para a PM... Lá fui eu falar com o Pacheco e ele me disse algo que nunca vou esquecer: “Felipe, coitadinha da Polícia Militar, não tem nada e vocês ainda querem o Detran, deixa a PM ficar com o Detran”. Tu vê, percebendo os perigos que corríamos naquele momento da constituinte estadual marquei assembleias em todo o Estado a partir das associações regionais que estavam se organizando e fomos colocar a situação crítica em que nos encontrávamos. Pedi para que cada associação buscasse esclarecer os políticos da sua região a História do Detran dentro da Polícia Civil, fiz um documentário histórico sobre o órgão que sempre administrou os serviços de trânsito. Quando chegamos em Canoinhas fizemos nossa  assembleia e colocamos para todos os policiais, inclusive, para o  Presidente da entidade, o Inspetor Levi Rocha Peres, que eles tinham o um grande desafio pela frente, porque o Relator-Geral – Deputado Neuzildo Fernandes era daquela região e amigo do Levi e de quase todos os policias da região. Comuniquei que era preciso segurar Pacheco a partir do Relator, solicitando exatamente que no texto constasse aquilo que sempre foi: O policiamento ostensivo de trânsito fica com a PM e a parte administrativa com a Polícia Civil, seguindo a tradição histórica, o que foi feito. Conseguimos reverter aquela situação....
  • É, eu também não sabia nada disso, tô sabendo agora.

(...)

“Questão de Prestígio”:

  • Pois é Lito, e você que era da nossa diretoria, acabavas ficando muito ausente, mas com esse relato todo o que eu quero te dizer é que não gosto de trabalhar com expectativas, isso é muito ruim, temos agora um “Plano” e acreditamos que vai ser muito difícil viabilizá-lo.
  • Mas se tu tiveres prestígio político podes viabilizá-lo aos poucos.
  • Sim, mas uma coisa eu gostaria de te dizer, em todos os lugares por onde passei eu sempre procurei deixar algo de bom para a instituição e para os policiais. Não tem sentido ocupar um cargo de direção só para administrar como a grande maioria aí faz. Se você verificar o meu passado, quando passei pela Acapoc e, depois, pela Fecapoc, nós fizemos tudo aquilo que tu sabes muito bem. Na Assistência Jurídica também fizemos os projetos das leis complementares, decretos, resoluções... No Sistema Penitenciário tentei mudar, propondo um plano de carreiras para eles, estatuto próprio, associações na grande Florianópolis e no interior do Estado, porém, forças internas se levantaram contra, não apoiaram... Só queriam esquema político e que nada fosse mudado.
  • Mas adquirisses experiência, veja quanto tu aprendesses, não só pelo teu conhecimento, mas pela tua vivência prática, se você vier a ser o Delegado-Geral...
  • É, mas no Sistema Penitenciário, apesar de terem me derrubado, hoje fico gratificado porque fiquei só dois anos e quase meio, mas marquei. Todos  sabem que defendi verdades, tornei visíveis os problemas, ataquei pontos importantes como a questão estrutural, projetos, combati a corrupção, lutei pela criação das associações para fortalecer o pessoal do sistema... Hoje você vai lá e pergunta sobre a minha pessoa para os antigos tenho certeza que eles vão lembrar, deixei as sementes plantadas e eles souberam aproveitar. E, agora estamos aí com o nosso grupo tentando despertar o governo para a importância das nossas reformas criando a “Polícia Estadual”...

(...)

“O Encilhamento”:

  • Eu só espero que a Lúcia não venha a ser Secretária de Segurança novamente, entre o Heitor e o Pacheco eu sou Heitor toda a vida. (Osnelito)

(...)

  • Olha Felipe eu só vou te dizer uma coisa,  se o cavalo passar encilhado na tua frente e tu não montares eu vou passar a vida toda te xingando!

(...)”.