Data: 19.10.98, horário: 13:50 horas:

Já havia chegado na Delegacia-Geral da Polícia Civil e me dirigi diretamente até o “ telefone vermelho” localizado na sala do Escrivão Osnelito para retornar  uma ligação para Jorge Xavier:

  • Alô! (Jorge)
  • Alô!
  • Jorge.
  • Sim.
  • É o Felipe Jorge. Tu telefonaste para o meu celular?
  • Foi. Telefonei antes.
  • Ah, bom...
  • Escuta, já soubeste alguma coisa da reunião lá com o Sell e o Wanderley?
  • Mas não é com o Sell. É eu o Braga e o Wanderlei.
  • Ah é, não é o Sell?
  • Não. Não viste lá quando o Rachadel disse que ficavam os três e pronto,  se referindo a eu, Braga e o Wanderley?.
  • É mesmo.
  • Sim.
  • Mas é importante tu fazer um contato com o Wanderley, sabes como é,  eu não confio nele, de repente ele vai lá trata tudo e tu ficas de fora.
  • Não Jorge, o Wanderley não teria essa cara de pau, não vai fazer isso, inclusive, ele havia solicitado para eu fazer o contato com a Ana Kriguer, mas de qualquer maneira eu já tentei falar com ele e não consegui. Vou continuar tentando, mas ele é que ficou de falar comigo, de me avisar.
  • Tu está com o celular ligado?
  • Sim.
  • Então “óka”, qualquer coisa depois tu me ligas.
  • Certo.

Horário: 14:30 horas, ligação do Delegado Krieger:

  • Alô! (Felipe)
  • Oi amigo, é o Krieger.
  • Fala Krieger.
  • Eu estava pensando, estou preocupado com o nosso amigo,  não era bom tu fazer um contato com ele para ver  se já foi marcado o encontro com a Secretária?
  • Olha Krieger eu falei com o Jorge agora, não consegui falar com ele ainda,  mas vou continuar tentando, acho que não vai ter problema algum.
  • Eu fiquei preocupado, quem sabe ele não pode dar uma rasteira, de repente vai lá e acerta tudo sozinho.
  • Não. Depois tem eu e o Braga, mas qualquer coisa eu volto a falar contigo, certo?
  • Certo amigo.
  • Até mais.
  • Até.

Horário: 14:35 horas, ligação para Wanderley Redondo:

  • Alô, Wanderley?
  • Sim.
  • Wanderley é o Felipe.
  • Fala Felipe.
  • Já marcaste alguma coisa lá com a Ana?
  • Sim. Eu falei com ela, a princípio ficou para amanhã às nove horas, mas ela ficou ainda de confirmar.
  • Está bom.
  • Mas eu te telefono tão logo ela confirme.
  • Fico aguardando então. Um abraço.
  • Outro.

Ato contínuo, deixei um recado na secretária do Delegado krieger com a informação sobre a conversa com Wanderley Redondo.

Horário: 16:00 horas, “Surge um Bode Expiatório?”

Recebo um telefonema do Delegado Alcino que se encontrava na Associação dos Delegados (ADPESC) e me disse que foi publicado o seu ato de demissão em razão de processo disciplinar que já se arrastava há anos.  Eu sabia que o seu caso era grave, especialmente, porque depois das denúncias de fraudes no concurso realizado pela Academia da Polícia Civil a administração da Segurança Pública (e Polícia Civil) estavam caçando um “bode expiatório” como forma de execração pública, como exemplo de correição, disciplina, rigorismo disciplinar... E, apesar de não conhecer os fatos, sabia pela imprensa que esse Delegado tinha sérios problemas de saúde mental. Lembrei também do Delegado Sérgio Lélio Monteiro quando estava em Chapecó e que também foi demitido como forma de execração pública, exemplo de gestão honesta e corretiva...(era outro que lamentavelmente precisava de assistência psicológica...). Sempre foi assim, diferentemente do Judiciário e Ministério Público que nunca precisaram disso, ou melhor, só demitem em último caso. Já na Segurança Pública funciona outro “modus operandi”, ou seja, caçar “bodes expiatórios” que não tem padrinhos políticos, não tem costas quentes...  e, assim, lavam as mãos e usam como estatística. Nunca existiu um acompanhamento eficaz do estágio probatório dos policiais, sem contar os problemas nos concursos... Pobre Alcino, caiu na desgraça da Delegada Lúcia, Secretária de Segurança Pública e, certamente, terá um fim bem diferente do Delegado GV e de outros tantos...

Alcino no telefone:

“(...)

  • Minha família nem sabe ainda, não tive corajem de dizer, acho que eles desconfiam, meus filhos pequenos vão passar fome, acho que é isso que eles queriam mesmo fazer comigo...
  • Alcino e já recorrete da decisão?
  • Sim, mas eu queria ver o que mais que cabe?
  • Poderias fazer um pedido de reconsideração ao Governador.
  • É isso, tu podes fazer isso para mim, eu te pago.
  • Alcino tu estais louco, como é que eu vou te cobrar uma coisa dessas? Pelo amor de Deus...
  • E a ADPESC, falaste com o Mário Martins, com a FECAPOC?
  • Ah, não sei...

(...)”.

Quanto à FECAPOC havia feito muito por Alcino, desde o mandado de segurança para assegurar o seu concurso até as verbas destinadas a sua defesa por meio do advogado Edson Cabral...

E acertei para no dia seguinte na ADPESC me reunir com ele às nove horas para fazer o seu pedido de reconsideração. Fiquei arrasado com esse acontecimento e logo me veio na lembrança o caso do Delegado G.V. que teve tratamento “vip”, cuja situação eram muitas vezes mais grave do que o caso do pobre “Alcino”.

Em razão de ser final de governo e haver denúncias de fraudes no último concurso da Polícia Civil, na ânsia de mostrarem justiceiros acredito que foi preciso encontrar um "bode expiatório" que entrasse para a estatística das “demissões” e assim se desviasse as atenções do futuro governo. Pobre diabo, lavaram a alma com o sentimento de “dever cumprido” (registre-se que foi o Delegado E. V. quem presidiu o processo disciplinar e me disse que iria pedir um segundo exame de sanidade mental, mas que acabou não fazendo...).

Bom, alguém havia dito que “Lúcia" teria que carregar a sua "mala” quando chegasse a sua hora, e essa do Alcino, sua esposa, filhos, sua vida dedicada a Polícia, seus vinte oito anos de serviço... certamente que tudo isso iria pesar muito. Se tivesse assessorando "Lúcia" jamais permitira que isso tivesse ocorrido, no máximo uma aposentadoria compulsória considerando que a direção da Polícia Civil tinha conhecimento o tempo todo que Alcino apfresentava sérios problemas psicológicos, além do mais, permitiram que passasse no concurso para Delegado (anteriormente era Escrivão de Polícia) e não houve também qualquer acompanhamento do seu estágio probatório.

Horário: 17:00 horas, “Delegado Alcino”:

Deixei o meu “ostracismo” na “sala de reuniões” me dirigi até o andar térreo para tirar algumas cópias quando encontrei Osnelito e comentei com ele:

  • Vistes o que fizeram com o Alcino?
  • Não.
  • Foi demitido.
  • Qual Alcino? (Lito)
  • O Delegado. Arrombaram não só com ele, mas com a família toda, depois de vinte oito anos de serviço. E o pobre diabo sai sem nada, com uma mão na frente e outra atrás, estou arrasado, ele tinha sérios problemas psicológicos e...
  • O quê? (Lito)
  • Sim senhor, se isso é coisa que se faça.
  • Poderia ter sido dada uma punição rigorosa, uma suspensão exemplar. (Lito)
  • Sim. Mas você vê Osnelito, no caso do G., compadre da Lúcia, qual foi o desfecho do caso dele? Ele que foi condenado pela Justiça numa situação bem mais grave, com repercussão na imprensa nacional...
  • O caso do G. foi bem mais grave... (Lito)
  • Então, não estou questionando jamais o tratamento do G., mas estou arrasado com o que fizeram com o Alcino, era só o que faltava,  num final de governo, nem a esposa e filhos dele estão sabendo ainda, não teve coragem de contar a verdade...

(...)”.

Segundo informações que pude levantar a "Lúcia" estava segurando o processo disciplinar no Gabinete há meses, não querendo decidir pois até então estava ciente da realidade de Alcino, muito embora a comissão tivesse deliberado pela demissão qualificada porque o exame psiquiátrico não tinha dado positivo (só que esse exame teria que ser refeito, não estava condizendo com a realidade e a comissão teria a obrigação de requisitar essa nova diligência pois  era público e notório os problemas psicológicos desse Delegado). Como o processo estava se arrastando por muito tempo sem uma decisão o Delegado Alcino foi até o Presidente da Ordem dos Advogados (JK), seu colega de faculdade, depois de expor os fatos, solicitou que o mesmo enviasse uma correspondência a Titular da Pasta da Segurança para que desse explicações sobre a demora  e por que ainda não havia decidido o seu processo disciplinar. Relataram que quando "Lúcia" recebeu a tal carta cobrando explicações ficou enfurecida e teria vaticinado: “Agora esse Alcino vai ver uma coisa, já que ele foi lá falar com o amigo dele lá...”.

Passando algum tempo alguém me relatou que o Delegado Alcino tinha sido andando com uma bíblia embaixo do braço pelas nas ruas da cidade de Itajaí, sendo que em alguns dias da semana, para ganhar algum dinheiro, também  era visto travestido de “Charles Chaplin” numa praça daquela cidade como forma de ganhar algum dinheiro para sustento da sua família.