Data: 16.10.98, horário: 09:00 horas, “Boitatás”:

Estava na “Sala de Reuniões” da Delegacia-Geral quando chegou Osnelito para sua visita matinal. Chegou de mansinho:

  • Bom dia “Sôôô!!!” (Osnelito)
  • Salve “Sô!”
  • Encontrei o Trilha ali embaixo e ele me perguntou como estavam as coisas e eu disse que não estavam nada bem.
  • Quando que tu encontraste ele?
  • Antes, estava vindo para cá.
  • E daí?
  • Eu disse a ele que não estava bem porque nesse último concurso colocaram todo mundo, só eu que não entrei e que a Lúcia é que foi a grande culpada disso.
  • Tu disseste isso para ele? E o que ele disse?
  • Ele concordou, disse que era verdade. Olha Felipe, eu fui à reunião lá do PMDB...
  • Estais falando dessa última reunião do colegiado com o Paulo Afonso?
  • É, essa que convocaram todos os comissionados e falando lá com algumas pessoas sobre esse concurso eles me perguntaram se era verdade que foi frio, pois  era o que se comentava em todos os lugares. Eu confirmei que era tudo frio, uma maracutaia. Eu disse que eles colocaram quem eles quiseram, uma vergonha, essa cambada de filhas da puta, quero que vão tudo para a puta que pariu.
  • Pois é Lito, mas mudando de assunto, eu estava pensando em reunir o nosso antigo pessoal da diretoria da FECAPOC, já faz cerca de onze anos que assumimos a presidência da entidade, foi em agosto de 1987 e é hora de nós pelo menos nos encontrarmos uma vez por ano, procurar manter vivo o nosso trabalho que foi muito marcante na vida de nossa instituição, além de termos criado a entidade, estruturamos, defendemos tantas ideias e lutamos para criar as associações regionais. Foram tantos projetos e isso não pode ficar esquecido, não podemos deixar que seja  esquecido. Podes ter certeza que o Batista, o Ademir Figueiredo não vão ter interesse em resgatar a nossa história.
  • Batista, Figueiredo?
  • É, isso, certamente que para esse pessoal o que nós fizemos não tem muito valor, eles estão noutra época e nós somos o passado. Você vê, até outro dia o Braga esteve aqui falando comigo e reconheceu isso, que nós temos história na Polícia.
  • Olha, se eu fosse tu não confiava muito nesse Braga, ele é um f., c., i.,  tu tomas cuidado com ele.
  • Não Lito!
  • Pensas que eu não conheço ele, desde a época que assumiu aqui o cargo de Diretor de Polícia do Litoral que eu manjo ele, é um s., eu o conheço muito bem, tu pensas que ele é teu amigo? Na época em que fui reprovado no concurso para Delegado ele me procurou e disse que eu não passei porque “era amigo do Felipe”, então tu achas que dá para confiar numa pessoa assim? Eu até entendo que se deva tratar bem esse pessoal para manter um bom relacionamento, eu sei que tu és educado com todo mundo, mas outra coisa é confiar.
  • Mas Lito, eu acho que a gente tem que confiar nas pessoas, eu já pelo meu estilo sou reservado.
  • Mas esse pessoal aí na Secretaria fica indignado contigo, eles ficam assim porque queriam te ver na pior, na merda, não conseguem.
  • Lito, eu acho que não é isso e de qualquer maneira eu sou uma pessoa que por onde passei sempre saí com as mãos limpas.
  • Exatamente, é por isso mesmo, eles têm inveja de ti, sabem da tua capacidade e não podem fazer nada.
  • Mas eu entendo o que você quer dizer, tu falas em  não querer se nivelar por  baixo.
  • Sim, é isso aí.
  • Pois é Lito, mas você vê, eu sempre soube que toda vez que se começa a mostrar serviço, levantar a poeira e a se mexer com o pessoal que resiste as mudanças forças se levantam contra, esse foi o meu caso, se eu cheguei a Delegado Especial foi por mérito e correndo sempre riscos, aceitei isso como aceito as críticas,  isso é normal e faz parte do jogo democrático.
  • Mas contigo eles não mexem. O Walter estava outro dia falando do Ademar Rezende. Ele tava dizendo que o Ademar já anda ultimamente aqui todo dia, que é um espertalhão, está sempre por cima tirando vantagem dos governos. Ele disse que a Ana lá do Gabinete do Trilha pensa que vai voltar para a Corregedoria, o mesmo disse daquela Rosângela, inclusive que o Trilha também acha que vai para a Corregedoria, que a Lúcia vai ficar numa boa. Eu mandei o Walter  calar a boca porque o seu Ademar vai pegar um cargo no próximo governo, o Trilha está lotado na Corregedoria, vai para lá a Ana e a Rosângela e a Lúcia também vão ficar bem porque é ex-Secretária e no final eles ficam tudo numa boa e sobra para nós os bagrinhos, “eu, você Walter,  sempre foi assim”, mas ele disse que não se importa e vai continuar dando uma de jacaré.

Depois disso, Osnelito olha para a galeria dos ex-chefes de polícia e fez o seguinte comentário:

  • Esse aqui (estava se referindo a Ulisses Longo) quando eu ingressei na Polícia ele já estava, coitado, eu não posso dizer nada dele. Esse outro (Jucélio Costa) quando eu estava na Academia ele era o Superintendente, também não posso falar dele Esse aqui (Evaldo Villela) é um s. , esse aqui (Heitor Sché) eu respeito..., também  esse outro (Vinícius Fiamoncini) é um c. s., quando eu arranjei para ir para Blumenau ele foi falar com o Secretário para impedir a minha ida, eu acho que o Superintendente era esse outro aqui (Delegado Alfredo Dobs), outra s., esse aqui (Luiz Darci da Rocha) eu respeito, antes de eu assumir o cargo de Escrivão ele me chamou e disse que sabia tudo da minha vida, e sabia mesmo, como era meu comportamento familiar, meu histórico escolar e disse que é por ter aquelas condições que eu estava assumindo um cargo na Polícia Civil, nunca vou me esquecer e é por isso que é um dos poucos que eu respeito. Esse outro (Manoel Dias) não me prejudicou, esse v. p. cretino aqui no dia do meu aniversário, dia 17 de outubro de 1983, nunca vou me esquecer dessa data,  me transferiu para Tangará,  por isso que eu não gosto dele, esse aqui aqui (Abelardo Bado) também não me ajudou em nada, o Bahia por causa de um laudo que desapareceu na Delegacia passou a me cobrar,  disse que eu tinha perdido, me humilhava, me chamava de incompetente eu mais o Valdir, irmão da Raquel. Tu conheces, aquele Escrivão que já morreu, passamos a procurar o laudo nos dois cartórios e não encontramos, depois fomos até a sala dele e achamos o documento que estava no meio dos papéis. Eu fui discutir e disse que ele vivia me chamando de incompetente, mas que ele era também incompetente. Também nessa época o Heitor instituiu o uso obrigatório do “crachá” nas Delegacias. e aquele s. do Maus, corregedor me pegou sem... A Lúcia quando era Superintendente da Polícia Civil soube que eu estava num cargo de Consultou Jurídico lá na Procuradoria-Geral do Estado ganhando mais que ela e no mesmo nível...
  • Isso na época que tu fosses nomeado Consultor Jurídico?
  • Sim. Ela quando soube passou a me perseguir, tudo inveja, por duas vezes não quis me receber e ainda teve aquele problema do parecer que eu dei sobre a competência para atender acidentes de trânsito, lembras disso?
  • Eu lembro, aquele caso envolvendo o Parecer do Florisvaldo Dinis.
  • Isso, ela e o seu capataz aqui do quarto andar.
  • Quem do quarto andar?
  • O Trilha, não me perdoaram, esse outro (Jorge Xavier) vou poupá-lo, pois ainda procurou me ajudar, esse outro v. s. cabeça branca (Oscar)..., esse outro... (Ademar Rezende) e mais esse outro (Evaldo Moreto) são todos uns s. O Ademar é um que só me prejudicou, conversei com ele duas vezes sobre o concurso e numa delas ele me disse que se o candidato tivesse feito uma boa redação tinha grandes chances de passar, eu sei que na época do Pacheco ele foi levar a prova para o Alípio fazer, ele tinha sido reprovado e queriam que ele fosse aprovado. O Alípio me contou que antes que o Ademar fizesse a proposta ele não havia entendido e passou a contrariar e o resultado foi que ele perdeu a oportunidade de ingressar na carreira de Delegado. E depois o Alípio esteve aqui e eu chamei ele de burro porque nunca deram essa oportunidade para mim. A Lúcia vivia falando mal desse Ademar Rezende, não gostava dele e olha, acabou colocando ele num cargo comissionado. E agora está ele aí pronto para assumir outro cargo no próximo governo.
  • Mas será que a Lúcia falava mal dele mesmo assim como tu tá dizendo?
  • Sim, assim como falava mal de você, não te faz de inocente, tu sabes muito bem que eles não gostam de ti.
  • Olha Lito, ainda bem que o meu quadro não está aí porque já imaginou o que eu estaria recebendo de carga desse pessoal. E também o Trilha tem sorte de não estar ainda aí na galeria.
  • É verdade, isso tudo aí é uma cambada de s., podes ter certeza. Olha Felipe quando esse pessoal aí morrer eu não vou sentir tanto como sentirei a morte do meu cachorrinho lá em casa, podes ter certeza disso.
  • É Lito, já disseste isso outro dia para mim aqui mesmo.
  • Essa cambada de s., eu quando me aposentar não vou ter saudade nenhuma dessas pessoas, muito embora goste da Polícia e eu daqui para frente não quero nem saber, vou falar mesmo dessas maracutaias, antes eu ficava quieto, vou fazer igual o Walter, não quero nem saber, não tenho medo, vou também dar uma de jacaré.
  • É, o Walter realmente fala de tudo e de todos.
  • Olha, tu me desculpa eu estar desabafando assim, se eu não fizer isso com alguém acho que vou ficar doido.
  • Eu sei Lito, quando precisar eu estou por aqui sempre.

“O Radial”:

E depois que Lito deixou a “Sala da Galeria dos ex-Chefes de Polícia” fiquei pensando como certas pessoas, com habilidade, conseguem permanecer durante tanto tempo próximos ao centro do poder, sem perder qualquer contato... E não pude deixar de fazer uma ligação à trajetória profissional de Ademar Rezende. Como ele próprio sempre fez questão de dizer, ocupou praticamente todos os cargos comissionados existentes na Polícia Civil Saiu praticamente da Academia para ser Delegado Regional de Caçador, depois foi Corregedor de Polícia, Corregedor-Geral, professou e Diretor da Academia, Delegado-Geral, Diretor de Polícia Civil, Procurador Policial, Assistente Jurídico, Diretor de Polícia Técnica e Científica. Ademar é daqueles que com o avanço da idade desenvolveu uma aura de cônsul romano, sumo pontífice, cardeal e certamente, com a experiência que adquiriu, inteligência, equilíbrio, autocontrole..., transformou-se num dos profissionais mais bem preparados para dirigir os destinos da instituição. Na minha avaliação poucos chegaram a sua condição. No entanto, aquela sua opção pela permanência próximo ao poder certamente concorreu para a letargia de seus ideais, o que resultou em tão pouca contribuição, considerando os cargos que ocupou, sem embargo de alguns acertos, especialmente na época que foi Delegado-Geral e acatou minhas sugestões com relação ao aperfeiçoamento do sistema de promoções e aumento dos cargos de Delegado Substituto e de Quarta Entrância, assegurando promoções rápidas.  

Horário: 09:30 horas, “Fantasmagorias”:

Ao chegar no andar térreo da Delegacia-Geral constatei que os Delegados aposentados Aldo Prates e Coimbra conversavam animadamente com a Perita Mary Margot. E me chamou a atenção esse fato porque Mary Margot esbanjava sorrisos (para mim coisa muito rara...) com os dois Delegados. O primeiro (Prates), segundo Osnelito, era o “espião” da Secretária  Lúcia. Já Coimbra sempre foi muito ligado à Secretária, inclusive, seu compadre. Em meio a tanta tempestade financeira que vivia o Estado e os seus reflexos para os servidores públicos, a Perita que sempre revelou uma sensibilidade muito grande às questões dessa ordem parecia feliz, quando esperava que viesse a agir com acidez nas palavras com esses dois pupilos da Titular da Pasta, abrindo o verbo, fazendo críticas, já que era normal vê-la fala... falar, falar e falar, porém, a impressão era que havia mudado ou amansado. E acabei por compreender aquele panorama em razão da habilidade das duas autoridades que, muito embora estivessem na inatividade estavam servindo muito bem a mandatária da Pasta. Aliás, coisa que todos já conheciam muito bem naqueles tempos: “Estar próximo da rainha, servi-la bem e não deixar ninguém se aproximar que não fossem eles...”. E desse quadro, lembrei que as pessoas que se reuniam em grupos também procuravam ostentar um pseudo poder, capaz de fazer experimentar sensações tribais, como de incipiente coesão que passava pelo coletivo imaginário e iria desaguar numa situação de efêmera afluência e que só o tempo poderia obstar.

E, nesses pensamentos relâmpagos fui até a sala de Osnelito para usar o telefone vermelho quando ouvi dizer:

  • Olha, eu encontrei o Lauro, sabes quem é? É o Lauro André, Delegado lá de Rio do Sul, eu disse umas poucas e boas para ele, precisavas ver.
  • O quê?
  • Ele perguntou como é que eu estava e eu disse que não estava nada bem. Ele  se mostrou surpreso e eu disse que esse último concurso foi uma maracutaia e que a Lúcia me sacaneou, não quis me colocar, aí ele quis dizer que não era bem assim e eu disse que ele não tinha razão nenhuma para reclamar porque além dele ter entrado, empregou toda a família, no início ele disse que não era bem assim, mas depois.

Em seguida entrou Walter na sala e eu já de saída lancei uma pergunta:

  • Escuta tem alguma reunião por aqui hoje?.
  • Que eu saiba não, por quê? (Walter)
  • Eu encontrei o pessoal ali na Portaria, bom era só para saber, tchau pessoal!

E na saída, a passos largos, apesar de toda aquela transformação no ambiente, pude ainda olhar para trás e ver Guinevere sentada sozinha próxima a uma mesa no centro da sala, tempo suficiente ainda para que nossos olhares se encontrassem e falassem muito rapidamente em sinal de cumprimento. Fiquei inicialmente um pouco temeroso porque no local onde ela se encontrava dava para ouvir tudo que se falava na sala ao lado, mas quem não devia não precisava temer. E, além de tudo,  achava que ela era  muito discreta, e preferi ficar com o seu vulto impávido do que com as fantasmagorias de meus interlocutores mais diletos.

Horário: 18:00 horas, “Cel. Backes ao Telefone”:

  • Alô!
  • Felipe Genovez?
  • Sim.
  • É Backes.
  • Oi. Tudo certo?
  • Sim. Tudo. Como estão as coisas?
  • Tudo bem Backes.
  • Nós temos uma reunião, na segunda-feira às dez horas da manhã, lá no Edifício Dona Angelina...
  • Sim.
  • Tu podes estar presente na reunião?
  • Como é que é?
  • A reunião é às dez horas da manhã, o Celestino é o coordenador da transição de governo, eu não sei daquele pessoal, quem é que também poder vir, tem o Jorge, eu já tentei falar com o Wanderley Redondo.
  • Certo. Tem o Jorge, Garcez, Krieger, é o pessoal do nosso grupo.
  • Mas tu convidas esse pessoal então?
  • Deixa comigo que eu converso com eles, certamente que estaremos lá.
  • Então está certo, nos vemos lá.
  • Certo. Um abraço Backes..

Depois que encerramos nossa ligação fiquei pensando nos reais motivos que levaram o discreto e bem articulado Cel. Backes a me procurar? Não dava para acreditar que não tivesse o contato de Wanderley Redondo, Jorge Xavier... Haveria algo mais naquele seu contato? Tratava-se de uma pessoa de primeira linha, um dos homens importantes na implantação de qualquer plano de governo na área de segurança do próximo governo, só que seu conservadorismo se constituía uma variável emblemática que poderia obstar qualquer pretensão em se revolucionar o modelo policial do Estado de Santa Catarina..