Data: 14.10.98, horário: 09:10 horas, “O Reencontro”:

"La Távola":

Estava na Delegacia-Geral da Polícia Civil e aproveitei para ler a coluna do jornalista Paulo Alceu do Diário Catarinense, cujo jornal estava em cima da mesa do Osnelito:

Cotadíssimo

Outro que poderá fazer parte do primeiro escalão do governo Esperidião Amin é o Cel. Walmor Backes. Assumiria o comando da Polícia Militar. Tem gente dando como certa e garantida esta indicação. Celestino Secco, que já está no governo como o responsável  pela transição, deverá ser o assessor especial do governador.’

(Diário Catarinense de 13.10.98, pág. 6)

Peço para ele tirar cópia desse comentário e enquanto isso:

  • Olha Lito, o nome do Backs está cotado, já viste?
  • Não, deixa eu ver, isso me passou despercebido, eu não tinha visto.
  • Conheces o Backes?
  • Sim. Não acredito que eles vão colocar esse homem no comando.
  • Mas tu conheces o Cel. Backes mesmo?
  • Claro. Ele foi Diretor do Detran.
  • Isso. Mas ele lembra bastante o Rei Arthur, conheces?

E Lito às cegas, quase sem pensar no que estava dizendo e pouco se importando com o sentido figurado das coisas, lançou uma resposta como trovão:

  • É bem isso aí, ele é da turma do rei.

E, eu contendo risos, procurei não perder a riqueza daquele momento para concluir:  

  • É, ele leva jeito para um dos cavaleiros da Távola Redonda.

Saí dali pensando no estilo Backes, com sua tez quase ruiva, bonachão, mas que no fundo tem um sentido empreendedor, articulador e habilidoso, mercê, talvez, da sua  aparente obtemperança e experiência em cargos importantes no governo (na área de segurança pública).

E, para completar, ao deixar o andar térreo lembrei de Guinevere, tudo ali embaixo estava vazio,  não havia mais barulho, nem muito sinal de vida.

Depois mais, como um raio, pensei: “aos diabos com essa minha obsessão pela Idade das Trevas, esse quê de inferno balzaquiano que parece me persegue”. Será que existia uma ligação assim tão profunda entre àquela eternidade média e aquele  momento atual, principalmente, de expectação? Só mesmo Eduardo Gianneti para explicar isso por meio de seu “paradoxo da aceleração do tempo”.

Horário: 17:40 horas, “Missa de Sétimo Dia”:

Braga chegou até a porta da “sala de reuniões” da Delegacia-Geral, em cujo local em me encontrava, e lançou uma da porta:  

  • Soubesse, o pessoal foi todo para a missa de sétimo dia.
  • O quê?
  • Não fosse a missa de sétimo dia?
  • Mas que missa é essa Braga, não sei de nada?
  • Os comissionados foram todos, brincadeira, é a reunião do colegiado do Paulo Afonso, depois de uma semana do resultado das eleições estão fazendo uma reunião e convocaram todos os comissionados.
  • Ah, sim, agora entendi. Falando nisso, o dinheiro pode ser que não saia esse mês, hein?
  • Pois é, encontrei o pessoal aposentado da Fazenda agora quando estive lá no centro e eles sabem das coisas, disseram que o Dutra (Secretário da Fazenda) telefonou de Brasília hoje dizendo que não conseguiu nada por lá. (obter autorização para desbloquear as contas do Estado)
  • Olha só.
  • E sobre aquele negócio, alguma novidade?
  • Eu devo me encontrar com o Heitor amanhã, vou sugerir a ele aquilo que tu dissestes (sobre a necessidade de haver entendimento entre Heitor, Júlio e João Rosa na nomeação do cargo de Secretário de Segurança)
  • Olha Braga, eu defendo essa tese, acho que a instituição está em primeiro lugar e todos nessa hora têm que se unir para buscar esse fim.
  • Concordo, vou indo, até amanhã Felipe.
  • Até.

E pensei, tava aí uma boa oportunidade para se invocar todos os santos.

Data 15.10.98, “Song of the Wind”:

Deixei minha residência no Bairro Pantanal (Florianópolis), já antes de chegar no trevo do Córrego Grande em obras (aliás a cidade estava nesse clima, principalmente os trevos já que estávamos próximos do verão) e insisti em ouvir mais uma vez aquela canção do vento  (do CD “Caravanserai”). Em seguida fiquei pensando  no conteúdo da correspondência que tinha acabado de receber do Presidente da Adpesc – Delegado Mário Martins. Já no trevo próximo ao farol que se fazia a conversão à Rua  Bocaiuva percebi umas flores em tom bordô junto ao chão, no canteiro que medeia a avenida e a transversal. Lembrei que a cidade estava com um espírito fraternal, mais humano. Certamente que isso decorria de pessoas que trabalhavam ao silêncio, sem holofotes, sem visibilidade, digamos que à mineira. na administração da cidade. Comecei a compreender o que estava ocorrendo até porque o ainda Senador Esperidião não poupava palavras para elogiar a Prefeita (sua esposa) naquele momento de regozijo para o casal. Continuei a ouvir os acordes de Carlos Santana e dediquei àquele espírito de mulher, em cujo interior certamente que também corria  sensibilidade, amor, um rio de poesia e sentimentos nobres.

Horário; 16:30 Horas, “Para se Meditar”:

Em meio a uma das maiores crises na história do serviço público do Estado, pois pela primeira vez um governo atrasa os salários durante toda a sua gestão, o décimo terceiro relativo ao ano de 1997 ainda não havia sido integralizado e o de 1998 parecia que o próximo governo não teria a mínima chance de quitar. Além disso, o Banco Central deveria determinar o bloqueio das contas do Estado por não pagamento de parte da rolagem da dívida pública estadual, os servidores em geral estavam há mais de quatro anos recebendo seus salários atrasados e os Delegados estavam com os seus vencimentos em parte bloqueados por causa do teto, isso sem contar o caos no IPESC (Instituto de Previdência do Estado-SC), o não repasse de verbas para pagamento de precatórios atrasados desde 1996, os problemas com o não repasse de verbas à OAB e destinadas à defensoria pública. Para piorar mais esse quadro, o tratamento privilegiado dos Poderes Legislativo, Judiciário, Ministério Público e Tribunal de Contas com seus salários em dia. E um silêncio total, quando recebi o edital de convocação assinado pelo Presidente da Associação dos Delegados, como o seguinte teor:

EDITAL DE CONVOCAÇÃO

O Senhor Presidente da Associação dos Delegados de Polícia do Estado de Santa Catarina – ADPESC, no uso de suas atribuições que lhe confere o Art. 17, par. 1°., dos Estatutos Sociais,

CONVOCA

Os Senhores Delegados de Polícia associados à ADPESC, para a Assembleia Geral Extraordinária, a realizar-se em data de 20/11/98 (vinte de novembro de mil novecentos e noventa e oito), com início às 19:00 horas, nas dependências do Salão de Convenções do IPESC – sito à Rua Visconde de Ouro Preto,  291, centro, Florianópolis – SC, tendo como ORDEM DO DIA:

Construção da nova sede social;

Plano de saúde;

Valor da taxa de manutenção social;

Alteração estatutária;

Manutenção de Direitos – Reforma Administrativa;

Florianópolis, 08 de outubro de 1998

Mário Martins

Presidente

E tive que lembrar que no primeiro momento que viesse a conversar com o Mário Martins cobraria dele o que estava sendo feito contra a revogação do art. 241 da CF-88. Mais, ainda, considerando a sua “ligeireza” de convocar os sócios naquelas circunstâncias, mais, ainda, que medidas seriam adotadas contra os possíveis atrasos de salários. E a pergunta era se nosso Presidente com toda a sua diplomacia iria varrer mais isso para baixo do tapete? Lembrei também de seus prognósticos para as eleições e pensei: “êta pé frio, êta chute no escuro”. Nosso Presidente seria muito desconectado da realidade ou...? Lamentei em silêncio porque nem ele nem nós merecíamos um futuro tão incerto. E não pude deixar de lembrar quando ele havia me dito num dos nossos contatos que tudo de ruim que acontecia na instituição era culpa dos “Delegados Especiais”, jamais da Secretária, do Delegado-Geral, do Presidente da Adpesc, de todos... Obviamente que nosso amigo Mário Martins não teria muito a dizer porque era outro sobrevivente que passou todo o governo do PMDB num jogo de habilidades... e desejávamos o melhor para a sua gestão.

Horário: 17:20 horas, “Sinais de Vida”:

Abri uma conversação com Jorge Xavier ao telefone:

  • Alô, oi sou eu.
  • Alô, ah, sim, e daí alguma novidade?
  • Não Jorge. Só telefonei para dar um sinal de vida.
  • E está tudo bem?
  • Sim, tirando esses problemas com o salário.
  • Ah, como é que vai ficar, já tem alguma coisa?
  • Olha Jorge, eu acho que esse mês não sai mais nada.
  • O quê? Mas eu estou numa situação difícil, já fiz aquele empréstimo lá no BESC para cobrir o meu especial e vou acabar entrando nele novamente.
  • Pois é, ainda bem que tu fizeste aquele empréstimo.
  • O quê? Se o dinheiro não sair eu vou ficar numa situação muito difícil.
  • Imagina, o pessoal está todo no cheque especial, brincadeira.
  • É, o Secretário da Fazenda está lá em Brasília negociando a liberação dos recursos.
  • Mas eu acho que ele não vai conseguir nada, numa hora dessas acho que todos deveriam se unir para reverter esse quadro.

“A Terceira Via”:

  • Soubesse de mais alguma notícia do nosso amigo Júlio? (Jorge)
  • Não. Depois do nosso almoço achei melhor dar um tempo, e depois do que ele falou lá deixou bem explícito como é que está a situação.
  • Eu acho que está bem encaminhado.
  • Bom, pela minha leitura dinâmica, ele deixou claro que não terá cacife para ser o Secretário de Segurança e que o trabalho dele é justamente evitar que o Heitor Sché  venha a ser, só não sei se como o Pacheco ele tem algum poder de veto.
  • Espera aí, acho que tu estais fazendo uma leitura equivocada, ele falou numa terceira via, se não for possível para ele que seja um terceiro nome ligado a ele.
  • Não Jorge, essa não é a terceira via, lembra, a primeira via seria ele, a segunda o Heitor e a terceira um outro parlamentar.
  • Não. Acho que as nossas leituras não estão fechando.
  • Sim Jorge. É isso aí. E para mim o nome do Júlio chama-se João Rosa. Lembra que ele disse, talvez na hora tu não ouviste que o terceiro nome justamente seria de um parlamentar com ligação na área, só que ele não disse expressamente o nome, mas dentro do PFL só tem dois nomes ligados a Segurança Pública, o Heitor e o Júlio e fora dela tem o João Rosa do PSDB, sendo assim eu interpreto que esse deve ser o nome dele pois com a sua eleição deixou tudo um a um em relação ao Heitor.
  • Mas se for assim, o que quê nós estamos fazendo?
  • Olha Jorge, eu não tenho nada contra o Heitor, Júlio e João Rosa, isso até coloquei para o Gilmar, acho que deve haver entendimento entre eles, tu sabes como é que é política. Tens que ver que nessa hora quem vai mandar é o partido.
  • Mas desse jeito o Júlio não vai ter oportunidade de ser Deputado, já pensou, por que eles não vão querer chamar o segundo suplente do PFL que é o Júlio Garcia.
  • Jorge, em política não funciona assim, a tua avaliação na verdade está sendo feita dentro de outras plataformas, não política. Veja, o partido já não perdoou o Cirio Rosa, o Agostini, então, por que não perdoaria também o Júlio Garcia? Eu acho que quem vai decidir tudo isso vai ser o partido, o PFL, eles é que vão dar a última palavra.
  • Mas tem o Kleinubing que está doente.
  • Pois é, mas mesmo assim, quem vai mandar vai ser o Partido. O cargo de Secretário vai ser decidido pelo Partido em acordo com a bancada e é aí que eu acho que o Júlio deve estar tentando minar as coisas para o nosso amigo, procurando fortalecer o nome de João Rosa, sendo que o nome do Heitor passa a ter o veto do Júlio e do Pacheco, mas tudo está indefinido até o momento e ainda o Amin está em Brasília, aí realmente é que não se decide nada.
  • Olha Felipe, nesse ponto eu sou mais otimista que tu. Eu acho que as coisas estão bem encaminhadas para nós.
  • Que bom que tens essa certeza. Eu já sou mais cético em minhas avaliações, procuro não me deixar contaminar pelas emoções, pode até ser que eu esteja errado,  só o tempo dirá e o jeito é aguardar. Mas, tomara que estejas certo, sinceramente...
  • Mas se não for assim, o que nós estamos fazendo, Felipe? Papel de burros? E o  Geraldo tendo esses gastos com jantares, almoços. Não! Não, isso não pode ser assim.
  • É Jorge, essa é a minha análise, pode ser que surja algum fato novo e eu até mude de ideia.

(...)

(Nesse momento pensei em dizer para Jorge Xavier que não se preocupasse, pois estávamos fazendo história, mas acho que ele não entenderia naquele momento ou não me perdoaria...)

  • Mas tu viste, o “Cesinha” esteve ali no DP em Barreiros e encontrou o genro do Lourival já atuando naquela Delegacia, mas tu vê, como é que pode, se isso é interior, brincadeira, heim? (Jorge).
  • Ah, o poder é assim, isso é coisa pequena.
  • Eu sei que é coisa pequena, mas se nós assumirmos isso aí temos que dar balinha para ele.
  • Olha Jorge isso é detalhe, acho que o nosso projeto é tão grandioso e isso aí é tão pequeno, sinceramente, depois eles trabalham dentro de outras bases tipo ”para os amigos tudo...”.
  • É mesmo!.
  • Então, o Lourival pode até aos olhos dele estar fazendo a coisa certa, aproveitando o poder... Mas é isso, eu telefonei só para dar um sinal de vida.

“O Remate”:

  • Pois é, mas seria bom se no final de semana tu fizeste algum contato. (Jorge)
  • Eu vou procurar falar com o Júlio para ver se existe novidade.
  • Certo. De resto está tudo bem.
  • É, vamos aguardar.
  • Eles estão falando que vão pagar o décimo terceiro salário.
  • Sei lá, eu acho que não.
  • Mas se não fizerem isso pelo menos...
  • Bom, podes vender um carro.
  • Pois é, mas quanto vão pagar, não vale nada, já coloquei a minha casa lá de Governador Celso Ramos à venda, mas está difícil.
  • É, nessa hora do aperto não se deve desfazer-se das coisas, ninguém tem dinheiro, mas Jorge, é isso aí, voltamos a conversar.
  • Certo. Um abraço.
  • Outro.