DATA: 09.10.98, horário: 07:00 horas, “GEGÊ”:

“Teorias do Caos: A Arte de Ser Feliz".

De manhã, na rótula do CIC (Avenida Beira Mar Norte no sentido UFSC – Centro de Florianópolis), mesmo dirigindo, aproveitei para dar uma "olhadela" na capa do Diário Catarinense, cuja foto estampada era do Deputado Federal eleito – Gervásio Silva – o “Gegê”, fazendo o seu agradecendo a confiança dos seus eleitores. Pensei em Julio Teixeira que não lembrou de agradecer quase ninguém, além de uns poucos... Nesse trajeto até a Delegacia-Geral aproveitei para ouvir mais uma vez a oitava faixa do CD “Older” do talentoso, perfeccionista, discreto e delicado George Micheal, me deixando entorpercer pelos acordes melódicos que invadiam minhas redes neurais sem pedir licença. Nessa vibração fiquei imaginando que quando se tem dinheiro (com saúde) tudo se transforma, como se fosse uma festa sob o luar, no paraíso... Nesse clima, maravilhas eram possíveis, amigos por perto, portas se abriam, sorrisos acolhedores, pessoas bonitas, cheias de encanto e receptivas. Toda essa miríade de sensações permeava a minha imaginação e não poderia se aplicar aos processos empáticos "programáticos" ou decorrentes da "imanência do próprio ser", já que nessa condição o que vale são as nossas virtudes pessoais e do que a natureza e a educação nos legrou. Só que nesse viés nos tornamos reféns desse mecanismo desenvolvido ou nato, pois na essência impõe-se simplicidade, humildade, classe, beleza, cultura, destaque, conhecimento... Portanto, é preciso muita técnica para manter essa aura, esse brilho, consideranto que se impõe a todo tempo esforços pessoais para estarmos em condições de impressionar, surprender, formar opinião... , enfim, apresentarmos essas caracterísiticas perenes, sem que isso impeça a reciclagem, reinvenção, o que irá assegurar longevidade,  sobrevivência e enfrentamento do caos que nos cerca. Quando esbanjamos poder econômico, aos olhos dos outros somos queridos, carismáticos naturalmente, como no dos apresentadores “Silvio Santos”, "Faustão"... e tantos outros, todos “imortalizados” pelas massas. Há que se registrar que no devido constexto histórico isso  sempre foi assim mesmo, há necessidade do poder econômico monopolizar para si o protagonismo na condução de seus "mitos", já que não possuem vontade própria e a felicidade estará sempre na dependência do que é possível para o momento (depende da modernidade, da televisão, do rádio, da internet, do capital...).  São meios poderosíssimos e deterministas instrumentalizados para manter a ordem e o progresso a serviço do Poder Econômico e possibilitar "pacotes" de felicidade para o "cidadão". E lembrei de Schopenhauer que influenciou a tantos com sua filosofia, com o seu "Die Kunst Guiklish zu Sein" e o paradoxo da sua existência, como a sua passagem por um café em Roma, na companhia de outros filósofos como "Nietzsche", apesar da sua idade avançada, não deixou de se render aos encantos de uma garçonete encantadora, com cerca de vinte anos de idade... Acabei invocando as imagens de "Tereza" e "Guinevere", ambas também com seus encantos, mas dentro de outros paradigmas, jamais como o velho e assanhado filósofo. Imaginei até em escrever um livro sobre os “crimes que não são” (uma espécie de Código Penal para pessoas jurídicas), os falsos profetas do apocalipse, a corrupção dentro dos Poderes e organizações, a falta de vergonha de nossos governantes, políticos e homens da Justiça que  sempre consideraram os interesses pessoais, o capital, seus "egos", em detrimento do espiritual, do que realmente precisa ser feito para termos uma sociedade mais justa e humana. Pensei, também, no balcão de negócios que se transformaram governos, políticos e homens letrados, como nos casos de resultados de pesquisas políticas encomendadas,  Lembrei daquela candidata M. S. em São Paulo, isso falando em escala macro, era tudo como se fosse um furacão que num piscar dos olhos mudava de forma, cor, cheiro, tinha um apetite voraz para o poder. Do outro lado o complexo midiático se apropriando das pessoas, sob a égida da "liberdade de imprensa", "garantia do regime democrático", usando a velha fórmulal da eterna fabricação e destruição de mitos, as panaceias para solução de todos os problemas da sociedade, os bodes expiatórios, o novo e o velho... e a oferta de "pacotes" baratos de felicidade para cada um de nós.  Também, aquela corrida à telefonia celular, como se algo de místico fosse acontecer, sem alertarem que se tratava apenas de coisas da modernidade (como foi na época da penicilina...), enquanto há uns tempos atrás era a telefonia analógica. Nessa toada lânguida, vêm os interesses econômicos de fomentar as indústrias dos alimentos,  dos complexos vitamínicos, dos “viagras” da vida, dos remédios que não resolvem..., bastando pagar por isso. Também, no campo do poder político, as grandes corporações e seus interesses em financiar candidatos, o tráfico de influência dentro do serviço público, as instituições e seus interesses sobre grandes licitações públicas,  os corporativismos... No campo do poder intelectual,  o sistema de ensino que funciona, mas está falido..., a idolatria aos títulos acadêmicos impostos para se renovar o conhecimento dentro de processos de dominação das massas, a fomentação dos “egos”, a proliferação dos arautos do bem, especializados em disseminar medos coletivos quer por meios de seus impérios de comunicação, religião, cultura... Não pude deixar novamente de fazer uma ligação com as crônicas de Cony acerca de Jesus Cristo, Barrabás e Pilatos. Enquanto isso o trânsito crescia bem na minha frente e eu me voltei a ele embalado pelos acordes suaves que vinham daquele burguês que é financiado pelo poder econômico e consegue galvanizar seu público... (inclusive, "eu"). E acabei mandando ao diabo também Augusto Comte que ensinou que o conhecimento é uno e indivisível, para tanto ele deve ser fragmentado, cada coisa no seu devido lugar, cada um dentro de sua especialidade, também, aos diabos a todos “idólatras” inspirados por ícones tops do momento ou impostos. Por fim, achei melhor ir de holística, à procura da compreensão global, do parentético... Nesse momento havia parado num sinal vermelho já saindo da Avenida Othon Gama D'Eça e lembrei da palavra “stop”, agora no sentido do cuidado com os meus discursos, para desconfiar de tudo na dosagem certa, permanecer alerta, mas não perder a sensibilidade, o otimismo e a vontade de viver, jamais! E, por favor, continuemos vivos,  acreditando nos nossos sonhos e também  reinventando nossas utopias!

Por último, depois de estacionar meu carro, já caminhando, veio àquela imagem Karl Marx para quem “a maior invenção do homem teria sido Deus...?” Só que a fé é imanente e necessária enquanto estivermos na nossa condição de “humanos”. Muito embora a "fé" foi modificada ao longo dos tempos para servir a algum propósito "superior", o melhor é mantê-la viva e seguir sempre a nossa jornada humana! Nesse sentido, prefiro Einstein que disse respondeu que acreditava em Deus, mas não o Deus que os homens criaram".

Bom dia!!!

09:10 horas, “Cochichos de arromba”:

Parei na sala onde ficava a copiadora, no andar térreo da Delegacia-Geral, antes da saída, e fui matar a vontade de tomar um cafezinho. Nisso percebi a presença de Guinevere, como sempre, mexendo nas mesas e armários, enquanto que Osnelito parecia bem comportado e prestativo a auxiliar a mesma. No início estranhei, mas em se tratando de Osnelito tudo era possível, quando escutei Walter cochichando com o irmão do Delegado Oscar Peixoto ao lado:

  • Não, o Lourival não vai assumir mais isso aqui. (Walter)
  • Ah, não vai mais, mas era o que todo mundo estava comentando.

Depois, Walter veio na minha direção e cochichou baixinho:

  • Mas é bobo, não devia estar ajudando ela, mas se fosse eu, deixa ela se arrombar.

Pensei comigo: “pobre Guinivere, merecia algo bem melhor...”.

Horário: 12:40 horas, “Ave Sché”:

Vânio Bossle em seu comentário político na Record colocou em evidência o nome de Heitor Sché, registrando que ele foi o único candidato que fez votos nos duzentos e noventa e três municípios do Estado e que por isso estaria credenciado, a exemplo do que aconteceu no primeiro governo de Amin, a ser nomeado novamente Secretário de Segurança, mesmo porque teve uma equipe indicada por ele que “participou do Plano de Governo”.

Em razão disso fiquei pensando na força que realmente passou a ter Heitor Sché naquela altura, nunca tantos lutaram por tão pouco, ver Sché eleito Deputado e se realmente conseguisse chegar ao cargo de Secretário de Segurança seria a sua coroação. Passei a recordar a sua trajetória política até aquele momento, até o habilidoso Coronel Backes também deveria estar integrando esse coro, conforme já havia me confidenciado ele próprio era muito amigo de Sché (se bem que Backes parecia ser amigo de todo mundo, uma pessoa muito fina e política, depois tinha aquele seu jeito de “papai Noel”, não tinha como não se gostar dele). E pensando que se Sché abraçasse nosso “Plano” poderia se mudar essa máxima e, talvez, a nossa luta não teria sido em vão: “Ave Sché”!

Horário: 16:00 horas, “Salada de Frutas com iogurte”:

Encontrei Osnelito na Rua Vidal Ramos (centro de Florianópolis), ele entrando numa lanchonete que servia produtos naturais e eu já de saída aceitei o convite para retornar ao interior desse estabelecimento (“Doll”):

  • E daí Lito por aqui, o que tu está pagando para nós?
  • Oi, vamos lá.

Ele solicitou para o moça do balcão uma salada de frutas eu agradeci, já tinha comido um pedaço de torta de banana. Em seguida fomos sentar numa mesa para conversar:

  • E essa salada de frutas? (Felipe)
  • Eu descobri uma coisa muito boa para os intestinos, como todo dia salada de fruta com iogurte, que beleza, funciona que tu precisas ver.
  • Então é por isso que eu não te vi nos últimos dias de manhã lá no salão?
  • Aonde?
  • Lá na sala da Galeria dos ex-Chefes de Polícia.
  • Não. Eu tenho ido todo dia lá.
  • Olha lá, eu saio às nove horas, então estais indo depois desse horário.
  • Sim.
  • Olha Lito, enquanto o Júlio estava no páreo eu tinha um motivo para estar na expectativa, mas agora realmente o nosso “Plano” ficou muito difícil de ser viabilizado.

“Maracutaias?”:

  • É, eu só vou esperar até o ano que vem para ver como é que vai ficar, estou muito frustrado com este governo. Mas tu viste naquele programa do Prates ao meio-dia?
  • Sim eu sei, foi o Vânio Bossle na Record.
  • Isso, disseram que tem ação para anular o último concurso da Academia, tais sabendo?
  • Sim, isso foi ontem, também saiu na coluna do Moacir Pereira.
  • Ah, é? Mas eu acho que isso não vai dar em nada, depois do pessoal nomeado, empossado,  como é que eles vão anular os atos, é muito difícil, não achas?
  • Sim. É muito difícil.
  • Mas eu vou esperar até o ano que vem como eu estava te dizendo, esses concursos sempre foram uma ação entre amigos, uma maracutaia e se tiver, eu quero ver se participo dessa ação entre amigos também.
  • Lito, “que ação entre amigos”?
  • Não te faz de bobo, tu sabes...

(...)

“Princípios e Ética”:

  • Mas Felipe e a tua situação, tens que ver como é que vai ficar, já foste muito chutado por eles.
  • Como eu estava te dizendo, antes nós tínhamos um    “Plano”, mas agora ficou difícil. Na verdade eu hoje estou bem. A Lúcia me pediu um relatório sobre as atividades da nossa “Comissão Histórica” e eu mandei, mas sei que não vai dar em nada, eles não querem saber disso. Só que eles não imaginavam certamente o tamanho do meu trabalho, certamente achavam que eu estava por aí, sei lá, mas na verdade com isso me deram uma oportunidade de mostrar o que eu estava fazendo.
  • Só tu mesmo, né, eu só emprestei o meu nome naquela comissão, como o Valério e o Ostetto.
  • Isso. Mas de qualquer maneira o nome de vocês também consta na comissão.
  • Pois é, por isso que eu digo que só emprestei o meu nome, porque na verdade quem fez tudo foi você.
  • Eu sei Lito, mas assim eu pude mostrar a grandeza dos trabalhos feitos pela comissão, a nossa contribuição e pelo menos acho que agora eles me deixam um pouco em paz.
  • É, se a Lúcia sabe alguma coisa de história da Polícia Civil é graças a você.
  • Tudo bem, hoje a gente pode dizer que os policiais já possuem condições de conhecer um pouco da nossa história.
  • É verdade, mas como é que vai ficar a tua situação no próximo governo?
  • Não sei e nem me preocupo com isso, eu hoje estou muito bem, estou fazendo o que eu gosto, teria condições até de mexer politicamente e assumir um cargo ou uma diretoria, mas para quê? Para ganhar mais setecentos reais por mês e me incomodar um monte? É isso que eu quero? Não. Prefiro ficar quatro anos nas minhas pesquisas e depois sei que o saldo vai ser muito importante para o nosso futuro, enquanto que num cargo eu terei que contemporizar, tu sabes que dificilmente vão respeitar a hierarquia e isso fere meus princípios, a ética e eu amanhã não quero ser criticado por isso, o nosso “Plano” previa o resgate desses postulados, o respeito aos Delegados Especiais, a todos os policiais considerando a sua graduação, seu tempo de serviço. O insucesso de Júlio comprometeu esses nossos objetivos.
  • Tu tens razão, eu no teu caso faria o mesmo.
  • De qualquer maneira o jeito é aguardar para ver como é que ficam as coisas, mas uma coisa é certa, lembra que eu dizia para que você rezasse para que o Júlio se elegesse? Pois é, agora eu digo para você continuar rezando para que o nosso “Plano” ainda dê certo, é muito difícil, mas não impossível.

(...)

“Ação entre amigos”:

Já na Delegacia Geral, na sala de Lito, encerramos a conversa:

(...)

  • Pois é, eu estou muito decepcionado com este governo do PMDB.
  • É Lito, tu tens muitas razões para isso, infelizmente aquele PMDB ou melhor MDB de antigamente não existe mais, o que existe hoje é um PMDB bem diferente.
  • Eu fiquei muito mal, mas vou esperar até o ano que vem para ver se participo da ação entre amigos.
  • Ação entre amigos?
  • É.
  • Bom Lito, com essa eu estou indo para a Biblioteca Pública, tchau!
  • Tchau!