Data: 04.12.98, horário: 14:00 horas

Estava desde o início da tarde na “sala de reuniões” da Delegacia-Geral  e resolvi me dirigir até o andar térreo para tomar um cafezinho e fazer uma ronda pelo local para ver se havia alguma novidade. Logo a seguir encontrei Osnelito no sua sala manuseando contracheques de pagamento dos policiais do prédio relativo ao mês de novembro:

  • E daí Osnelito?
  • Estou vendo os contracheques, acabaram de chegar.
  • Então já vê o meu aí.
  • Espera um pouco, vieram dois contracheques, tem outro na caixa ali!
  • Olha, então já mandaram novembro e o décimo terceiro, só que o dinheiro que é bom!
  • Deve ser, é mesmo.

Enquanto Osnelido procurava meus contracheques naquele monte de papeis percebi que a Escrevente Nádia estava próxima da porta a nos olhar, com aquele sua silhueta de ex-modelo, cujo corpo ainda escondia a sua verdadeira idade. Observei que na sua pálpebra corria - bem próximo aos cílios - um filete pintado com lápis branco. Pude sentir que trazia consigo bons fluídos, sempre mantendo seu equilíbrio emocional ao falar e ao sorrir, bem fáceis de serem notados, reveladores de um temperamento típico de quem era impingido absorver muitos impactos no dia a dia policial, o que certamente reduzia sua resistência em termos de saúde, tudo bem escamoteado pelo seu jogo de habilidades. Também, percebi que todas aquelas impressões ficavam muito evidenciadas por meio das “bolhinhas” que surgiam em seus lábios, o seu olhar caído, a queda de seus cabelos. Lembrei também do Delegado Ostetto que foi uma espécie de "Lancelot"... e dos tempos de "Nádia" com toda a sua exuberância, vivendo o seu melhor. Deixei essa abstração de lado e voltei minhas atenções para Osnelito, depois de mirar aquele corpo ainda tão bem delineado:

Na parede da sala do Gerente Osnelito havido surgido o quadro do Governador Paulo Afonso, razão porque lancei a seguinte pergunta:

  • Então tá aí o Paulo Afonso, botaram aí na tua parede, bem atrás de ti, com aquele sorriso e jeito de exibido, heim? E o nosso salário, ó! (Felipe)
  • Esse daí é outro c., s. , é como eu sempre te disse... (Osnelito)

(...)”.

Horário: 15:30 horas:

Estava no centro da Capital e encontrei o Comissário de Polícia Acy Evaldo Coelho (aposentado). Já fazia tempo que não conversávamos e ele estava com suas barbas brancas, um pouco envelhecido para quem tinha só quarenta e oito anos. Acy havia se aposentado precocemente e se fazia acompanhar da filha Ludmila que conheci quando ainda era pequena e agora feita mulher,  fazendo curso de Computação. Nos momentos em que ficamos conversando pudemos recordar os tempos de associação,  os velhos tempos que marcaram para nossas vidas na Polícia:  

“(...)

  • O Paulo Afonso desde a época de faculdade já era assim..., o Blasi era um estudioso, um intelectual, o homem talhado... e tá aí, agora nem chegou a se eleger... (Acy)
  • É verdade...
  • O Paulo Afonso fez um monte de obras, precisas ver, lá perto de casa construíram uma Delegacia que é a coisa mais linda, no governo dele se fez um monte de obras e tem essas maiores como o túnel, a via expressa..., que ele poderia inaugurar, mas botou tudo a perder, não deveria ter atrasados os salários dos servidores...
  • Olha Acy sinceramente, o pessoal está revoltado realmente é por causa dos  salários, tu que sempre fosses um peemedebista sabes disso, atrasar salários...
  • Tu vê até as minhas férias eles pagaram e agora retiveram o dinheiro porque disseram que eu não tinha direito,  perdi por causa disso um mês de férias,  já estou ingressando com o filho do Luiz Darci com uma ação, não vou deixar assim...

(...)”.

Horário: 17:30 horas:

Recebi uma ligação do Investigador Policial “Marquinhos”:

  • Alô!
  • Marquinhos?
  • Oi, olha eu falei com o homem lá sobre o terreno, ele quer a vista.
  • É mesmo?

(...)

  • O Doutor Lima esteve aqui na GEAP e disse para todo mundo ouvir que vai ser o DGPC, é verdade?
  • Ele falou isso para ti?
  • Sim, mas não tem nada certo, não é?
  • Claro.
  • Ele disse assim: “o teu amigo vai ser o Delegado-Geral” e eu perguntei “amigo?” e ele disse: “é o nosso amigo, o Felipe”.
  • Ninguém sabe nada, isso aí é tiro no escuro Marquinhos, não tem nada certo...
  • Olha tem a última casa da rua, sabe aquela em frente a casa da Juíza,  tem dois pisos, ela está a venda também, o cara quer quarenta e cinco mil e eu tenho o telefone dele aqui, quer?
  • Não. Marquinhos fala com ele e vê se ele parcela isso, pode ser uns quinze mil de entrada e o resto em parcelas de cinco mil, dá seis de cinco, ok?
  • Tá, eu vou ver.
  • A Nadiria quer falar contigo.
  • Nadíria? Que Nadíria Marquinhos?
  • Não lembra dela, estava em Laguna, agora ela está trabalhando aqui.
  • Escuta tu dissestes que estais falando comigo no telefone?
  • Sim.
  • Olha seu fresco, vou ter que desligar então.
  • Mas então tá, eu vou ver o negócio do terreno lá e telefono.
  • Isso, eu vou viajar, mas tu ligas no meu celular.
  • Então tá, eu vou desligar, depois eu explico.  Um abraço.
  • Outro, aguardo o telefonema.

Data: 5.12.98, “Decameron”:

Era sábado e iniciei, finalmente, uma viagem que há meses vinha planejando fazer com meu pai, com início a partir de uma estadia em Curitiba, depois passando por Ponta Grossa e Londrina (Paraná), na sequência indo a Campinas (São Paulo), passando por Borda da Mata e Poços de Caldas (Minas Gerais). No retorno a ideia era voltar por Curitiba e Foz de Iguaçu e   oeste do Estado de Santa Catarina. Isso só não foi possível anteriormente em razão principalmente do retardamento no processo de encaminhamento da venda de um imóvel na cidade de Tubarão. Mas havia chegado o momento,  enfim, pé na estrada para experimentar dez dias de festa. Quando retornasse talvez já saberia das novidades que tanto ansiávamos nos últimos dias, tinha como quase certo que naquele decêndio definitivamente teríamos as respostas e eu sairia do contexto, deixando outros nomes ocuparem o devido espaço, até saber quem iria triunfar... Enquanto eu, mais para “Decameron”, me distanciando do centro... e de todos.

Data: 6.12.98, “Alça de Mira”:

Estava em Curitiba e ao comprar o jornal  “A Notícia” de Joinville me deparei com algumas manchetes dignas de anotações:

Antonio Neves

(...)

Influência

O deputado estadual eleito João Rosa (PSDB), delegado de Polícia de carreira, deverá indicar o futuro titular da DRP, a regional de Joinville. Há alvoroço no setor. O PPB também quer a DRP.

(Jornal ‘A Notícia’, 6.12.98, pág. A-6)

Essa nota me reportava à época em que o Delegado Antonio Abelardo Bado havia assumido a Chefia da Polícia Civil, quando ainda era denominada de “Superintendência” (1987). Naqueles tempos o dirigente da Polícia Civil me confidenciou que o Delegado João Rosa havia sido indicado pelo diretório do PMDB de Joinville (para o cargo de Diretor da Polícia Civil) e que teve que aceitar essa determinação política. Da minha parte, sempre tive um bom relacionamento com João Rosa (nossas salas eram vizinhas), entretanto, era forçoso reconhecer que sua personalidade denotava um pouco de individualismo, como se vivenciasse um mundo só seu onde ele reinava absoluto. Quase todos à sua volta reclamavam de seu estilo, de sua maneira de agir, especialmente, por o considerarem ser uma pessoa estrategista,  calculista. No meu caso não poderia nem de longe referendar essas impressões, esses julgamentos porque nunca tive qualquer problema como no nosso relacionamento profissional e, também, não tive conhecimento de que em algum momento tivesse procurado me prejudicar, ao contrário de muitos que bajulavam o Superintendente Bado, agiam pelos bastidores para minar espaços de colegas... João Rosa nunca agiu dessa maneira. Outro detalhe importante de se anotar é que a esposa de João de Rosa (Inspetora de Polícia) sempre se relevou uma pessoa discreta, reservada, meiga e simpática, apesar desse seu jeito contrastar com o jeito de seu marido, porém, digamos, que pessoas com cargas opostas se atraem... Para concluir, algumas assembleias da Fecapoc que realizei em Joinville a esposa do João Rosa sempre se fazia presente, intuindo que isso era uma forma de se manter por dentro do que estava sendo realizado na minha gestão e, acima de tudo, uma forma de  prestigiar nosso trabalho, enquanto a esmagadora maioria sequer comparecia a esses eventos.

Outra verdade que entendi por registrar era que João Rosa lutou e conquistou seu espaço político com muita engenhosidade e o fez sem usar da estrutura da Polícia Civil, ao contrário de outros.