Data: 19.11.98, horário 10:00 horas, “Na Trilha do Rio Guayanases”:

Era sexta-feira e me dirigi até a Delegacia-Geral para votar na eleição do  Conselho Superior da Polícia Civil. Logo que cheguei no prédio fui informado que o doutor José Guayanaz de Lima se encontra na (minha) “sala de reuniões” (o “salão do tapete vermelho” que Jorge Xavier decorou durante a sua gestão). O Delegado-Geral Jaceguay Marques Trilha havia viajado para os Estados Unidos e Lima como Corregedor-Geral era o substituto natural. Logo que cheguei e o vi sentado na mesa recordei que justamente era ele quem presidia o processo eleitoral. “Lima” estava sentado na ponta esquerda da grande mesa, tendo às mãos algumas páginas da ‘Folha de São Paulo’ de dias anteriores que costumava deixar em cima de uma das cadeiras, cujas folhas às vezes Osnelito utilizava para leitura tanto no banheiro como no seu gabinete. E logo que vou adentrando o interior da “sala” a passos largos interrompi a sua leitura:

  • Oi! Quer dizer que já podemos votar? (Felipe)

“Lima” proferiu sons inaudíveis e novamente tomei a iniciativa da palavra:

  • Estais lendo a “Folha”? Sempre deixo alguns exemplares por aí...

“Lima” (que foi meu tesoureiro-geral na época da Fecapoc) parecia ter encarnado a figura de homem forte da Polícia, da Secretária de Segurança e do próprio governo do Estado. Logo que me aproximei ele me apresentou uma célula contendo os nomes dos Delegados Especiais que poderiam ter seus nomes sufragados:  

  • Lima queria votar em ti, mas não achei o teu nome?
  • Eu desta vez estou fora, achei melhor deixar essa missão para os mais novos.

Mostrei a Lima um envelope contendo já uma cédula com os nomes assinalados e que coloquei na urna enquanto ele me indagava:

  • Tu que estais participando das reuniões já sabes quem vai ser o Secretário?
  • Olha Lima por enquanto não se sabe nada, parece que o Amin vai anunciar a relação a semana que vem.
  • Mas vocês já devem saber alguma coisa.
  • Os nomes que circulam por aí todos já conhecem: é o Heitor, o Júlio, Kurtz e o Napoleão.
  • Sim, mas quem será o provável?
  • Eu acho que nenhum deles, sinceramente? O Heitor foi o grande vencedor desse processo...
  • Sem dúvida, o Heitor foi o grande vencedor...
  • Só que ele ficou alguns anos afastado da política, e essa falta de contato pode ter prejudicado o seu projeto, já o Júlio apesar de não ter conseguido se eleger, fez vinte mil votos, foi prejudicado pela candidatura do Heitor. Enquanto ele estava batendo na Assembleia, no caso das letras, pedindo a cassação de colegas, o Heitor já estava em campanha. Mas eu acho que se o Julio viesse a ser o escolhido teria sérias dificuldades na Assembleia porque o Heitor poderia criar problemas.
  • Mas dizem que o problema maior é que o Jorge não quer que o Júlio Garcia assuma a vaga que um deputado do PFL. Nesse caso abriria se assumissem uma Secretaria de Estado, não é?
  • Lima, eu não acredito muito nisso, acho que esse problema da Segurança Pública é mais interno, é uma questão de disputa de espaços entre Júlio e Heitor.
  • É mesmo?
  • Mas uma coisa já é tida como certa o Amin vai fazer a compactação das Secretarias de Justiça e Segurança, além da Polícia Militar ter que retornar à Secretaria de Segurança.
  • Pois é, mas assim fica difícil manter um Delegado à frente do órgão?
  • Muito difícil, mas não é impossível. Mas o Amin deve estar raciocinando assim: Na época do Heitor só os Delegados é que mandavam, não deu certo. Depois, na época do Pacheco só os Coronéis mandavam, também não deu certo. Quem sabe se agora se colocar Coronéis e Delegados juntos não possa dar certo? Acho Lima que isso pode até acontecer, mas tu sabes que em política uma hora antes da posse tudo pode mudar, não é?
  • Realmente. Eu pensei que nós poderíamos ainda manter um Delegado na direção da Pasta, mas tenho que concordar que vai ser muito difícil.
  • É a lei da compensação. A Polícia Militar vai perder aquela situação que conquistaram de vinculação ao Gabinete do Governador, com isso pode pintar um Coronel no comando da Pasta com um Delegado como Adjunto, mas isso nós só vamos saber depois da semana que vem. Mas,  Lima,  lembrei que tenho que te dar um exemplar daquele meu Estatuto da Polícia Civil, agora tenho já a edição 1998, fiz alguns exemplares...
  • Ah, sim...

E fui até o armário e peguei um dos exemplares que já tinha reservado para ele e disse:

  • Olha aqui na capa, esta é uma edição histórica.
  • Ôpa!
  • Vou fazer uma dedicatória, é para a Corregedoria-Geral. Nesta edição especial eu registrei documentos históricos como esse aqui do art. 9°., que data de 1842, quando o nosso primeiro Chefe de Polícia, o Desembargador Severo Amorin do Valle  nomeou os primeiros cidadãos para cargos de Juízes de Direito, Promotores e Delegados. É um documento histórico e que localizei por sorte, olha aqui.
  • Puxa, mas como é que tu conseguistes isso?
  • É pesquisa, tudo foi consequência daquela comissão que presido, lembra? E, por isso que eu venho inserindo a nossa história no Estatuto e que a cada ano vem com mais conteúdo. Olha,  aqui no comentário ao artigo duzentos e vinte e dois consta a relação de todos os nossos Chefes de Polícia, desde o tempo das Intendências-Gerais até o momento atual.

(...)

E fiz algumas citações acerca de Juízes de Fora, Desembargadores e Chefes de Polícia. Em seguida apanhei no armário mais alguns exemplares de outros trabalhos como resultado de pesquisas históricas que vinha realizando nos últimos anos. Mostrei a Lima o trabalho acerca do DOPS, sobre a questão da imigração, dos índios e como as autoridades policiais serviram à causa dos brancos no século passado; a reedição histórica da obra de Lara Ribas como Delegado do DOPS e após fazer uma breve explanação sobre o conteúdo de cada uma delas, Lima fez a seguinte observação:

  • Puxa, mas como é rica a nossa história!
  • Pois é Lima, daí a importância desse resgate, mas infelizmente nunca se deu muita importância à questão cultural. Fizeram investimentos em prédios, viaturas e equipamentos, mas... Eu cheguei a mandar para o gabinete propostas para edição do Estatuto que é de suma importância e um dos principais símbolos de nossa soberania institucional, mas não obtive respostas e que hoje é utilizado pelo Judiciário, Ministério Público, Procuradoria-Geral do Estado.
  • Ah sim, inclusive tem aquele Juiz de Direito que cita, como é que é mesmo o nome dele...
  • Por aí você conclui...
  • É, realmente em termos culturais esqueceram...
  • Atualmente estou trabalhando num livro que procura mostrar como é que foi este ano de 1998, como está se dando toda esta transição de governo, e seus reflexos na Segurança Pública, as relações de forças criadas para se chegar ao comando da Pasta e das Polícias Civil e Militar, os conflitos de interesses, os problemas com o Concurso na Acadepol, o “Caso Maguila”, o derrame de CNHs e como tudo isso mexe com o imaginário policial. Como é que os policiais estão vendo todo esse processo de mudança de governo? Enfim, tudo isso faz parte também dos trabalhos daquela comissão que acompanha o desenvolvimento histórico da Polícia Civil. Veja bem, daqui a alguns anos se alguém quiser saber como era a Polícia Civil nesta década, como eram as pessoas e a Segurança Pública nesta época, pelo menos vão ter fontes de pesquisa. Hoje, se nós quisermos saber como era a instituição há décadas atrás, se ter uma ideia do cotidiano policial, conhecer um pouco da história vista por baixo e por cima, dificilmente se conseguiria obter grandes resultados, justamente pela falta de fontes, informações registros...
  • É mesmo!

Depois de ouvir meus argumentos, Lima abriu um sorriso de “rapozão” e com jeito sorrateiro, quase querendo mostrar os seus dentes, um olhar por cima das  lentes de fundo de garrafa e parecendo “gato morto” ficou a me observar, enquanto eu rapidamente procurei desfazer aquele clima de um misto de desconfiança e provocação:

  • Lima eu estou viajando hoje à tarde e gostaria de aproveitar a oportunidade para comunicar...

E antes que ele dissesse alguma coisa, chegaram os Delegados Acione Souza Filho, Saul Treis e Vinicius Fiamoncine, estes dois últimos Delegados de Blumenau e que também vieram votar (o primeiro lotado no DEIC). Acione veio diretamente me cumprimentar quando me viu conversando com Lima:

- Doutor Felipe Genovez!

Percebendo que já era tarde, deixei a sala rapidamente porque Gilsa estava me aguardando no cargo em frente à Delegacia-Geral para seguirmos viajem para Palmitos.

Já com o pé na estrada fiquei pensando em Lima, não como “Lima”, mas depois da sua transformação em segundo homem da Polícia Civil, do seu parecer (relator) contra a negativa do meu projeto de criação do Museu Histórico da Polícia Civil que havia apresentado ao Conselho Superior..., justamente ele que na época da Fecapoc, como tesoureiro-geral, mais parecia um manezinho tipo “Lito”, simples, humilde, amigo, sem egos, sem empáfias... e agora quase que totalmente repaginado pelos efeitos do poder, mais parecia um rio caudaloso e turvo, torrente e rápido..., enquanto eu do remanso assistia tudo aquilo meio que incrédulo.