Data: 18.11.98, horário 12:05: 

Tínhamos acabado de encerrar mais um “conclave” sob coordenação do Coronel Walmor Backes no Ed. Dona Angelina (localizado no centro de Florianópolis – em frente à Praça Getúlio Vargas). Pretendia deixar imediatamente o local da reunião mas logo intuí que Jorge Xavier queria ficar um pouco mais comigo para fazer “cera”, dando a impressão que ele pretendia protrair um pouco mais a conversa com os Coronéis Backes e Ib. Nisso o Delegado Garcez se dirigiu a mim e se dizendo “neófito” perguntou por quê não conseguia acessar a “Folha de São Paulo” pela internet? Depois das explicações e orientações, Garcez também foi se despedir do pessoal enquanto eu fazia o mesmo, deixando Jorge Xavier para trás com seu cafezinho. A seguir, na companhia de Garcez, passamos a caminhar a pé utilizando o mesmo trajeto que fizemos juntos na última reunião.  Quando já estávamos vencendo a Praça Getúlio Vargas escutei ao longe Jorge Xavier vindo às pressas no nosso encalço e clamando por meu nome:

  • Felipe! Felipe! Felipe!

E ao me voltar para trás percebi não muito longe Jorge Xavier me acenando com uma das mãos para que aguardássemos a sua chegada. Depois que se juntou a nós:

  • Calma,  prá que tanta pressa? (Jorge)
  • Jorge eu tenho um compromisso em seguida. (Felipe)
  • Mas vocês não perceberam nada de estranho lá na reunião? Está tudo acontecendo a nossa volta e vocês não notaram nada de diferente? (Jorge)
  • Não sei, não vi nada! (Felipe)
  • Vocês não perceberam que da última reunião para esta o Backes mudou bastante o tom do seu discurso, está com uma postura de futuro Secretário de Segurança? (Jorge)
  • É,  ele mostrou as fotos..., falou de compactação...,  transformar tudo numa coisa só... (Felipe)
  • É isso! Pelo que eu pude notar agora quando eu falei com ele será que não poderá ser colocado um Coronel como Secretário e o Júlio como Adjunto? O Backes estava dizendo que da outra vez colocaram o Heitor Delegado como Secretário e não deu certo, depois colocaram o Pacheco Coronel e não deu certo.  E quem sabe agora se colocasse um Coronel como Secretário e um Delegado como Adjunto será que não daria certo? (Jorge)
  • Bom, essa fórmula me parece bem possível... (Felipe)
  • É Felipe, eu acho que o doutor Jorge tem razão...(Garcez)
  • Não sei, eu falei ontem à noite com o Júlio e não foi isso que ele me disse...(Felipe)
  • Mas então o que ele disse? (Jorge)
  • Ele disse que o Secretário não vai ser nenhum desses nomes que estão por aí, nem ele, nem o Heitor, nem Kurtz e  Napoleão Amarante. Ele me reiterou que vai ser um “tercius”.  (Felipe)
  • Então tá aí! Por que não o Backes e o Júlio? Eu prefiro mil vezes um Backes do que um Heitor... (Jorge)
  • É, tu podes até ter razão, mas o que será bom em qualquer cenário é o nosso projeto. (Felipe)
  • Ah, sim! Está ficando bom para no nosso “Plano”...(Jorge)
  • Eles estão com essa ideia de compactação da Secretaria de Segurança e Justiça, falaram em “unificação”... (Felipe)
  • É, mas antes do Amin ir para os Estados Unidos deve anunciar o seu Secretariado... (Jorge)
  • Vamos ter que aguardar até lá... (Felipe)

(...)

Em seguida nos despedimos de Jorge Xavier, enquanto eu e Garcez continuamos nosso percurso rumo ao centro da cidade. No caminho Garcez reiterou aquele seu ponto de vista de que a Adpesc seria um bom caminho para ajudar nos nossos projetos, inclusive, argumentou que não deveríamos esquecer de lutar para chegarmos à direção da entidade representativa dos Delegados de Polícia. Aproveitei para confidenciar que seria muito difícil assumir um cargo no futuro governo, especialmente o de Delegado-Geral, justamente porque se fosse Backes o Titular da Pasta teria que contemporizar situações políticas nas suas escolhas e decisões. Além disso, foi o próprio Amin que havia manifestado na imprensa que no seu governo evitaria a verticalização dos cargos, a criação de feudos, que um só partido mandasse... Com isso Backes teria a incumbência de aproveitar gente de todas as bandeiras, facções, de maneira a equalizar  as várias correntes políticas aliadas, impondo também ao novo Delegado-Geral submissão total às suas ordens e habilidade no tratamento de ingerências políticas, o que certamente faria com que entrássemos em rota de choque em razão das minhas resistência e fidelidade ao nosso “Plano”.

(...)

  • Pois é Felipe, mas eu acho que nós devemos ocupar espaços, até para se evitar que vulnerem ainda mais a instituição. Imagina se nós não ocuparmos determinados cargos o que poderão fazer? É preciso que nós estejamos em prontidão... (Garcez)

Acabei concordando em parte com esse argumento, só que procurei contraditá-lo afirmando que não iria aceitar nada “goela baixo” caso viesse a ser convidado para o cargo de Delegado-Geral, como aconteceu quando assumi a direção da Penitenciária Estadual de Florianópolis (1995), cujos cargos comissionados já estavam todos preenchidos, cada qual seguindo uma corrente que apoiou a candidatura de Paulo Afonso. E naquele momento lancei uma pergunta:

  • E os policiais têm reclamado muito do governo nas Delegacias? (Felipe)
  • Eles nem falam nada, nem adianta, estão “revoltadíssimos”.
  • Mas essa fixação dos mil e quinhentos reais foi demais para nós, hein Garcez?
  • Nem fala, esse filha..., pau no...
  • Garcez quem anda me procurou foi o Douglas...
  • Sim,  eu conheço...
  • De repende pode ter ouvido falar no meu nome Garcez...
  • Ah não Felipe, esse aí não, é uma pessoa...
  • Eu sei, realmente parece que ele tem problemas...
  • Não vê o Valter Claudino, o Nivaldo? São pessoas que estão noutra... Outro dia estava falando com o Nivaldo e perguntei a ele sobre a situação dos Delegados como carreira jurídica? Ele não sabe nada, precisas tu vê Felipe,  eles não sabem nada, nem querem saber, estão completamente por fora de tudo...
  • Eu sei como é, mas Garcez o que eles diriam de nos vissem falar assim..? Você não vê Garcez, as pessoas que lutam pelo bem se relacionam enquanto ambas mantém incólumes os seus princípios. Se uma delas falhar, dificilmente a outra irá continuar o relacionamento, especialmente, se envolver corrupção, agora os corruptos estão sempre unidos, isso porque um tem o rabo do outro, eles se defendem até a morte...
  • É verdade, não tenho dúvidas...
  • Por isso Garcez que o bem sempre está em desvantagem em relação ao mal...

(...)

E acabamos em frente ao Banco do BESC e convidei Garcez para almoçarmos juntos. Fomos apanhar meu veículo e nos dirigimos até a Churrascaria Pegorini (Shopping Beira Mar). Antes de entrarmos no restaurante Garcez chamou minha atenção novamente acerca da ADPESC e fez o seguinte comentário: “O importante não é saber fazer uma revolução, mas sim saber conduzi-la” (...).

E, ao sentarmos numa das mesas, passei a fazer uma breve retrospectiva sobre a minha trajetória profissional...

(...)

  • ...A gente tem se engajar politicamente, tu tivesses muita sorte, mas na tua trajetória foi importante a vinculação política, diferentemente de mim. Antes eu era muito de esquerda, era muito ortodoxo nas minhas ideias, agora é que eu mudei...
  • Pois é Garcez, mas eu também sempre tive pensamento de esquerda, bom de centro mais à  esquerda, só que sempre procurei ser pragmático...
  • Eu não entraria num partido político sem conhecer o seu programa, vai contra os meus princípios, primeiro eu tenho que conhecer as propostas...
  • Claro, é uma questão de coerência, só que a gente não pode ficar a vida toda levando pau...
  • Olha Garcez a luta começou em 1977, quando tomei contato com a Polícia Civil. Foram três anos de aprendizado, depois em 1980 fui candidato à vice-presidência da ACAPOC. Nessa época éramos oposição e fomos derrotados...Depois, me dispus a ajudar gratuitamente o Presidente Acy Evaldo Coelho entre 1982 até 1986... Veja bem, eu um Delegado auxiliando um Comissário, não dava para entender e foi aí que recebi pressão de muitos delegados que chegavam a dizer com ironia que eu deveria continuar como policial de nível médio, já por parte dos policiais havia  desconfiança em razão de eu ser um “Delegado”, o que nunca tinha acontecido anteriormente. Nessa época era assinante da revista “Visão”, estava em discussão a Assembleia Nacional Constituinte e eu era Delegado em Blumenau. Em razão disso formei opinião de que deveríamos ter um  candidato a Deputado Federal Constituinte, era preciso se dar uma resposta aos policiais civis de que naquele momento histórico nós teríamos um candidato... e eu não me omiti, sacrifiquei minha família e seu patrimônio (meus pais alienaram dois imóveis...), muito embora não  consegui me eleger.
  • Olha Felipe tu pensas que o nossos policiais reconhecem isso?
  • Eu sei que não, mas na época eu tinha que acreditar nos meus ideais,  rejeitei a proposta de Pedro Ivo de não sair candidato pelo PMDB e procurei o PFL que na época era rejeitado por todos... e saí candidato... Naquela época todo mundo queria ser PMDB, como agora que todo mundo quer ser Esperidião Amin, PPB...

É, mas eu insisto que devemos assumir a Adpesc, não digo tu porque o teu nome tem resistências por causa da Fecapoc, mas como eminência parda,  ficas por trás, mas a tua participação é decisiva, principalmente pela tua experiência...

  • É Garcez, infelizmente esse meu trabalho classista marcou muito, de um lado eu era criticado pelos Delegados que achavam que eu não tinha deixado de ser um Comissário...
  • É, porque a Acapoc era mais uma associação representativa dos policiais civis em geral...
  • Sim, mas representava todos e o projeto Fecapoc veio justamente ao encontro disso, à potencialização de todo policial...
  • E os policiais civis o que diziam de ter um Delegado no comando da entidade?
  • Olhavam com desconfiança porque achavam que eu estava ali para enganá-los.
  • E foi por isso que eu acho que tive sucesso, não só pelo engajamento político, mas principalmente porque defendi ideias, corri riscos, soube enfrentar os perigos.
  • É Felipe, mas sem o engajamento político...
  • Sim, eu não estou dizendo que ele não é importante...

(...)

E solicitei a Garcez que indicasse cinco Delegados para fazer parte de um grupo de trabalho para propor um plano de governo:

(...)

  • Eu indicaria, apesar de ser substituto, o Sena...
  • Quem?
  • O Sena, ele é Delegado Substituto, mas está acima da média, é um intelectual...
  • Tudo bem Garcez, mais quatro nomes...
  • Bom o Paulo Matte, apesar daqueles problemas dele, mas talvez desse para contar...
  • Quem mais Garcez, faltam três...
  • Tem aquela Mota da Sexta Delegacia ...
  • Sei, a Ana.
  • Tem o Krieger, ele é bom...
  • Esse nem se cogita, já faz parte do nosso grupo, eu estou falando de fora...
  • Não interessa, ele entraria no grupo.
  • Ah, não Garcez, aí não.
  • Bom tem o Lipinski.
  • Sim, ele é  bom.
  • Quem mais, deixa eu ver...
  • Tem gente suficiente, não pode ser mais que cinco, cinco já é de bom tamanho...

(...)

Já de retorno para o centro na Bocaiúva encontrei o Delegado Krieger e comentei:

  • Vistes quem vai ali na nossa frente?
  • Pois é!
  • É o Krieger, é o carro dele...

E resolvi ligar via celular para ele Krieger:

  • Onde é que tu estais indo? (Felipe)
  • Estou indo para o centro, estou vindo de uma aula.
  • E daí como é que estão as coisas?
  • Tudo bem. Ah, é tu Genovez?
  • Sim, estais subindo a Trompowsky ou seguistes em frente, pela Bocaiúva?
  • Estou subindo.
  • Nós também, estou aqui com o Garcez
  • Não teve mais daquelas reuniões?
  • Viemos de uma, foi de manhã.
  • Ah, é? Quando vai ser a próxima?
  • Quinta-feira da semana que vem. Vê se vai, né?
  • Sim, eu vou.
  • Vai ser as dez horas.
  • No mesmo horário.
  • Bom, a gente se fala, certo?
  • Certo.
  • Um abraço.

Depois de estacionar meu carro naquela avenida, seguimos a pé para o centro. No caminho ainda encontramos Werner Sprigman, amigo da minha família de muitos anos e apresentei Garcez para ele:

  • Olha Werner esse daqui é um amigo Delegado.
  • Certo, está trabalhando onde, no Primeiro?  (Werner)
  • Não. No terceiro. (Garcez)
  • Sim. (Werner)
  • Werner ele é mais filósofo. (Felipe)
  • Filósofo? (Werner)
  • É na Polícia ou se acaba filósofo ou maluco. (Garcez)

(...)”.

E em seguida me despedi de Garcez, agradecendo a oportunidade de um almoço...