Data: 08.11.98, horário: 10:03, “O Conclave”:

Cheguei praticamente no horário para a nossa reunião no edifício Dona Angelina (em frente à Praça Getúlio Vargas – centro de Florianópolis).  Junto à mesa sentaram numa das pontas o Coronel Backes e ao seu lado o Coronel Ib e, ao lado deste, sentaram eu, Braga e Jorge Xavier. Pelo outro lado, sentaram os Delegados Redondo (com seus óculos escuros) e “Pedrão”.  Na outra ponta sentou o Delegado Sell e próximo dele estava dois Oficiais (fiquei sabendo depois que seriam seguranças do Senador Amin).

Antes de me acomodar na mesa resolvi dar uma saída para ir até o banheiro, pois tinha algo me incomodando (era para dar uma lustrada no meu sapato) já que tinha saído de manhã com aquilo na cabeça, só que  havia esquecido esse pequeno detalhe (não que ele estivesse sujo, mas é que em se tratando de pequenos detalhes, considerando o pessoal eclético que estava presente).  Enquanto me demorava um pouco nesse pequeno afazer lembrei que havia só cumprimentado Jorge Xavier na chegada e que o ambiente mais parecia um  conclave, só que parecendo um pouco carregado.

“Amigo da Onça?”

Quando retornei ao local de origem percebi que todos já estavam acomodados enquanto que o Coronel Backes já coordenava a reunião em clima de mais um seminário e que tudo tinha que transcorrer muito bem, com ares de se cumprir uma missão.  Entretanto, sem pegar o início da conversa, já de início ouvi “Pedrão” vociferando (com sua voz rouca e dedo em riste apontado para Jorge Xavier):

“(...)

  • A culpa é tua Jorge, a culpa é tua Jorge!  Quando eras o Delegado-Geral eu te avisei, eu te avisei!
  • Avisaste o quê Pedrão? Avisaste o quê Pedrão?  (retrucava Jorge com calma)

(...).

E como a discussão passou a ganhar aspecto de “potência crescente” e acirrando ânimos, Jorge Xavier  procurou revidar na mesma altura os impropérios reiterados por “Pedrão”, só longe do mesmo furor empregado por seu oponente, a começar porque a natureza havia o privilegiado demais (além do som da sua voz que mais parecia com aquela da família “Sus Scrofa”, seu corpo era horizontalmente grandalhão e “balofante” (apesar de não ter grande estatura era desengonçado no caminhar...; “locução minha”) e  o rosto inchado, tudo isso permeado pelo ímpeto e provocações em nível de rebaixamento presencial, o que colocava qualquer um em situação de desvantagem, sem contar ainda a impetuosidade dos gestos, a malícia no olhar e nas palavras, tudo misturado pitadas de misto de “severidade”, “censuras”, arte cênica,  experiência de vida policial operacional e de campo...  Dentro desse cenário tive que interferir, escorando-me para trás na cadeira:

  • Jorge, podemos começar a reunião?

E senti que a minha manifestação naquele momento surtiu efeito, ambos se calaram e o Coronel Ib ao meu lado ainda procurou  arremedar minha inflexão, dando a impressão que queria que aquilo se protraísse até quem sabe viesse a se transformar em quizílias de quimeras tupiniquins, tipo: disputa pelo lanche na hora do recreio (só que Ib talvez não soubesse que era muito mais que aquilo..., mas já captando um pouco da vibração de suas redes neurais já poderia imaginar que talvez quanto mais “desclassificados” esses protagonistas, melhor poderia ficar ...).  

“Um Super Secretário”:

Ouvi os Delegados Braga e Redondo fazerem referências ao “Plano de Governo” que pretendia a  nomeação de Secretários com função dupla, com o enxugamento de cargos..., enquanto Backes deixou escapar a seguinte frase:

  • Bom a Justiça é só o sistema penitenciário!
  • É, mas Felipe o Procon também é da Justiça, não é? (Braga)

Respondi afirmativamente apenas com um aceno de cabeça (estava ainda pensando no nosso “Plano” que pretendia a criação da “Superintendência Estadual de Administração do Sistema Prisional” e naquele momento Backes vinha tratar do assunto como se já tivesse tudo certo, seria da “Secretaria da Justiça”...). Enfim, depois da minha confirmação chegaram a conclusão que a “Justiça” possuía outros órgãos e Backes completou:

- Será um Super Secretário então...!

“Ações Conjuntas”:

E o nosso coordenador deu continuidade a sua explanação tecendo considerações a respeito da  importância de se preparar uma ação conjunta das Polícias Civil e Militar com vistas ao enfrentamento dos problemas na área de segurança, isso já a partir de janeiro, quando começasse o novo governo, especialmente, com vistas a criar boas condições de estadia para nosso turista. Jorge Xavier, sempre participativo e atento, interveio:

  • É como se estivéssemos planejando o 1° de janeiro...; é necessário que planejemos operações conjuntas em todo o litoral...;
  • É preciso se dar visibilidade principalmente na capital ao esquema de segurança... (Braga)
  • É uma operação conjunta... (Backes)
  • Sim, operação presença... (Jorge)
  • Essa  visibilidade pode até se dar por meio de entrega de folder que seria assinado por ambas corporações... (Braga)
  • Essa operação presença pode se dar em todas as praças... (Jorge)
  • Temos que prevenir os assaltos a bancos, os roubos neste verão... (Braga)

(...)

“Bromélias, Bonsais e efe-m(í)l(dias)”:

E do meu lado Braga sempre atendo a tudo comentou que esteve em Jaraguá do Sul recentemente e descreveu que a região está muito linda, com destaque para as bromélias,  bonsais...  O Coronel Ib parece que gostou dessa observação e da citação daquela cidade para adicionar um sopro de esperança, eis que finalmente se revelava sensível a outros universos bem contrastante com aquele pintado inicialmente por “Pedrão”:

Depois que saí da reunião, por falar em flores, enquanto aguardava o pessoal, fiquei pensando se nosso Senador Amin gostava de flores (bonsais, árvores lenhosas...) ou se estaria com sua mente totalmente contaminada desde cedo pelo universo da política, sob influência da bajulação dos politiqueiros e pelas companhias de aduladores mimetistas ou, ainda, pronto para um discurso para manés, humildes e neófitos..., sem contar a sua preocupação permanente com o poder? E pensei mais, se teria sensibilidade para sentir com profundidade o poder da natureza com primazia? Eo que dizer do sorriso de uma criança? Teria reserva neural para ler, sentir e compreender a poesia e a boa música ou seria um trovador ou contador piadas? Quando derramou sua última lágrima por uma causa perdida, a dor de uma perda? Sua mente parecia apreciar desafios políticos e mentais onde estaria em voga o jogo do poder e o destino das pessoas. Sim, a vida pública parecia o ar que respirava vinte quatro horas por dia e sua mente aparentava estar total e permanentemente focada e seletiva, sempre pronta para mergulhar na política sob todas as formas e matizes, se bem que na intimidade parecia ser um extremo brincalhão provocativo com inteligência aguçada e prodigiosa. Experiência e gosto pela história da nossa gente não lhe faltava, tudo isso mercê de sua inteligência privilegiada, estando mais para o sucessor do nosso "espadachim" que se foi. Então, e o que dizer não do nossso "Plano", mas das pessoas que estavam à frente dessas ideias? Teria sensibilidade para poder sentir quem realmente eram?