Data: 21.12.98, horário: 18:00 horas:

O Delegado Ademar Rezende resolveu dar uma chegadinha até a “sala de reuniões” da Delegacia-Geral, sempre andando na frente e parecendo meio precavido com o que iria falar, aliás, esse é um dos seus traços marcantes. Ademar sabia em que chão iria pisar, poucos tinham essa receita de vida longa no âmbito profissional, lembrando aquele ditado: “Experiência não se transfere, se adquire”. E estava ali uma pessoa cheia de experiências e que sabia demais pelos bastidores (não dava para esquecer a “Queda de Jorge Xavier...”), e também tinha aquele seu sangue espanhol que não deixava esconder certo conteúdo de furor quando tocado para os mais íntimos e de efervescência diante de determinadas situações, de quem lutava obstinadamente por aquilo que queria conquistar. Ademar sabia de tudo a sua volta e participava ativamente dos acontecimentos pelos bastidores, esse era o "maçônico" Ademar Rezende com toda a sua energia pessoal:

  • Como é, já saiu o nome do Delegado-Geral, é o Moreto, né? (Ademar dando a impressão que queria colher um feedback...)
  • É, eu só estranhei Ademar.
  • Foi anunciado hoje.
  • Pois é, como eu ia dizendo, fui tomado de inopino, não esperava que Moreto aceitasse isso, ele que tinha saído porque estava estressado.
  • Mas é bom que o Delegado-Geral seja escolhido dentre aqueles com tempo para se aposentar, assim não tem como retornar, do contrário, uma vez exonerado o que ele vai ser, apenas um Delegado Especial, não é?
  • É o Braga é que estava pretendendo também o cargo e ele que já tem tempo para se aposentar...

E interrompi a conversa para dar a Ademar um exemplar de meu Estatuto da Polícia Civil – Anotado, edição 1998 que já havia prometido. Depois disso:

  • Escuta, tu não sabes se tem algum decreto que fala que o Corregedor- Geral é o substituto do Delegado-Geral? O Bahia disse que parece que tem... (Ademar já mostrando que estava trabalhando para “Moretto”)
  • Olha Ademar você me pegou meio de surpresa, posso até dar uma olhada.
  • O Bahia é que falou, disse que tem um decreto, mas vem cá tu não acha que o Corregedor-Geral é que tem que aplicar penas a todos os policiais no Estado inteiro,  e ele tem que ser um Delegado Especial?
  • É até uma questão de lógica.
  • Sim, é uma questão de lógica, se ele é o substituto do Delegado-Geral.
  • Mas Ademar eu nessa questão entendo que todos os cargos de direção deveriam ser ocupados por Delegados Especiais.
  • Sim, eu também, apesar de que um Diretor de Polícia do Litoral..., mas também entendo assim, mas será que não tem algum decreto?
  • Olha, é o 4141, apesar de ser antigo está em vigor, é isso aí!

(...)”.

Horário: 23:30 horas, “A alma Para o Diabo”:

Já havia recebido o recado de que o Delegado Natal queria muito conversar  comigo e iria telefonar mais tarde. Logo que cheguei em casa, depois da costumeira caminhada, fiz a ligação:

  • Alô!
  • Tudo bem doutor?
  • Tudo bem Natal...
  • E como é que foi de viagem?
  • Fui bem!
  • Deu para dar uma relaxada com o pai, isso é muito bom, também com um carro daqueles?
  • Valeu, foi bom, deu tudo certo, ele merecia, havia meses que já planejávamos essa viagem e agora é que deu certo, mas melhor é se fosse com um Pajero.
  • O quê? Um carro beberrão daqueles...
  • Mas poderia ser a diesel.
  • Diesel? Não sei até quando o governo vai subsidiar e o pessoal passeando com carro a diesel, nenhum país funciona assim.
  • É, mas quem já comprou...
  • Eu entendo, tem direito adquirido...
  • É como já aconteceu no passado...
  • Alguma novidade?
  • A novidade todo mundo já sabe, o Moreto vai ser o Delegado-Geral...
  • O que quê é isso?
  • É o jogo do poder, saiu um time e entra outro.
  • Brincadeira, parece que também ficou definido o nome do assessor especial do Secretário, é o Paulo Koerich.
  • Nem sem quem é, não conheço, sei que é lá de Blumenau.
  • Ele é da turma do Alex, deve ser substituto também.
  • É mesmo?
  • Sim, e o que acha desse Secretário?
  • Não sei, o caso do Moreto foi indicação da maçonaria, a surpresa para mim ficou por conta dele ter aceitado, tem tempo para se aposentar e uma vez em que eu conversei com ele lá na Delegacia-Geral ele reclamou que estava muito estressado, não aguentava mais aquilo, não conseguia ler nada, não tinha capacidade alguma de memorizar qualquer coisa que lia.
  • É, mas eu estou pensando em falar com ele, dá outra vez que ele foi o Delegado-Geral perdi a Delegacia Regional só porque se tratava de um irmão de um Deputado Federal, o que quê é isso? Aí fui falar com o Moreto e ele disse para mim que não sabia que eu estava pleiteando a Delegacia Regional: “a Natal tu deverias ter falado comigo antes...”, então para evitar que ele venha com essa novamente vou me antecipar, vou telefonar para ele, o que acha doutor?
  • Olha Natal, esse é o jogo do poder, conversa com ele, eu como não estou pleiteando nada, como você sabe trabalhei por um projeto e hoje vejo que ele está praticamente inviabilizado, e de mais a mais, dependemos do Julio, inclusive, hoje ainda vou telefonar para ele.
  • É verdade doutor.
  • Mas quanto a esse negócio de cargos, essa corrida maluca, eu entendo que na segurança pública existe aqueles que amam a instituição, possuem ideais, convicções, valores, ética e abrem mão do interesse pessoal em razão de uma causa maior. Mas há também aqueles que amam o poder,  fazem de tudo para assegurar cargos, ficam cegos, vendem a alma para o diabo, acho que é por isso que estamos tão atrasados, perdidos no tempo, outras instituições já superaram esse estágio há muito tempo e nós Delegados Especiais deveríamos nos posicionar em bloco, mas...

(...)

  • E o pai está bem? A viagem foi boa?
  • Sim Natal, deu tudo certo, chegamos bem.
  • É uma viagem dessas é muito importante, faz bem.
  • É isso, mas então tá.
  • Um abraço doutor.
  • Outro Natal.

Depois da ligação fiquei pensando se havia falado de mais para Natal, ainda mais que estava muito querendo o cargo de Delegado Regional de Chapecó? Teria ficado chateado com minha franqueza?