1 INTRODUÇÃO

Há uma grande discussão, no âmbito educacional, quando o assunto são
métodos de ensino, que vem crescendo ao longo dos anos. No tocante a esse assunto, inúmeras questões surgem: um aluno alfabetizado é também letrado? O que é letramento?
No meio da busca por respostas está o professor, cuja função é, também, de formar cidadãos críticos e cientes de seu papel social, adotando uma “prática
educativa que tenha como eixo a formação de um cidadão autônomo e participativo” (PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS, 1997).
A arte literária, segundo Antônio Candido (1972), tem função
humanizadora, pois atende a necessidade do ser humano de expressar suas fantasias, contribui com o desenvolvimento da sua personalidade e atua na sua formação.
Tendo em vista que a literatura proporciona ao leitor conhecimento da realidade, do mundo, com autonomia de significado, há a possibilidade do uso da mesma pelo professor, na sua busca por novas maneiras de ensinar, ou os métodos de ensino tradicionais podem ser seguidos.
Seguindo essa linha, este artigo tem como objetivo analisar como a obra
do autor literário brasileiro, Carlos Drummond de Andrade pode ser utilizada como propiciadora da criticidade na perspectiva dos letramentos. Para tal fim, é necessário definir o que é letramento, destacar a importância de incentivar o criticismo dos estudantes através do mesmo, apontar novos letramentos e indicar de que maneira a obra de Drummond pode ser uma ferramenta na promoção da reflexão. Esse estudo se trata de uma pesquisa qualitativa do tipo bibliográfica baseada na apreciação de obras que abordam a temática proposta. Este artigo está fundamentado teoricamente nas obras dos autores Albuquerque (2007), Sant'anna (2008), Silva (2002), entre outros.
Partindo da ideia de que a literatura é um instrumento para o
letramento das pessoas, sejam elas alunas ou não, e das funções do professor, segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais, uma discussão acerca de como utilizar a primeira para alcançar objetivos da segunda, se faz válida. Pois, o mundo está em constante evolução, e a educação deve acompanhar esse processo, sempre pensando em novas maneiras de letrar, além de passar o conhecimento referente à disciplina.

2 CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE: VIDA E OBRA

Carlos Drummond de Andrade nasceu em Itabira, estado de Minas Gerais,
em 31 de outubro de 1902. Filho de proprietários rurais, estudou em um colégio interno em Belo Horizonte no ano de 1916, e em 1918 passou a frequentar outro internato em Nova Friburgo, no Rio de Janeiro. Três anos depois, começa a publicar artigos no Diário de Minas, jornal de prestígio na época. Sua primeira publicação no periódico foi um artigo sobre Tântalos, livro de contos do escritor alagoano Luís de Araújo Morais. Em 1923 ingressa na Escola de Odontologia e Farmácia de Belo Horizonte, concluindo o curso de Farmácia em 1925. No mesmo ano, casa-se com Dolores Dutra de Morais com quem tem dois filhos, Carlos Flávio e Maria Julieta Drummond de Andrade. O primeiro sobrevive apenas por trinta minutos.
Com a ajuda do também poeta Emílio Moura, e outros escritores mineiros, funda A Revista, que, apesar de não alcançar longevidade, serve como veículo de divulgação do modernismo no Brasil.
Em 1928, Drummond publica na revista de Antropofagia de São Paulo o poema No Meio do Caminho, gerando repercussão negativa por parte dos críticos que enxergavam ali uma provocação devida à redundância e repetição do poema. Ainda nesse ano, entra para o serviço público como auxiliar de gabinete da Secretaria do Interior. Então, em 1930, lança seu primeiro livro, Alguma Poesia, incluindo alguns dos seus poemas mais conhecidos atualmente como Poema de Sete Faces, Cidadezinha Qualquer, Quadrilha além do polêmico No Meio do Caminho. Esta obra emprega a ironia e o coloquialismo, além de ser caracterizada por traços pessimistas e individualistas. Para Barbosa (1988), tais aspectos marcam a primeira fase do trabalho de Carlos Drummond, conhecida pela consciência e isolamento:

E se o poeta se coloca como espectador de um mundo à sua frente, mundo que tenta descrever, ou com quem tenta dialogar – ‘Poema de Sete Faces’, ‘A Bruxa’, ‘A Música Barata’ – o referencial é sempre seu próprio eu, insatisfeito, buscando, desejando, retraindo-se (...).
(BARBOSA, 1988, p. 162)

A fim de assumir o cargo de chefe de gabinete do Ministro de Educação e
Saúde, Gustavo Capanema, o escritor mineiro transfere-se para o Rio de Janeiro em 1934. Neste mesmo ano, publica Brejo das Almas, obra que ainda conserva as características relacionadas à primeira fase.
O segundo período da produção literária de Drummond tem início com seu terceiro livro, Sentimento do Mundo (1940), e se estende em suas publicações seguintes, Poemas (1942), e A rosa do Povo (1945). Durante essa fase, passa a transmitir uma preocupação social, minimizando o individualismo fortemente registrado em seus dois primeiros livros. Sant’anna (2008) exemplifica esse aspecto coletivo usando como base os versos “Não, meu coração não é maior que o mundo./ É muito menor.”, retirados do poema Mundo grande em o Sentimento do Mundo (1940). Segundo o autor, Drummond confessa nessas linhas que “precisa de todos, quer ir para a rua, para o meio do mundo, abandonar as ilhas, porque na solidão de indivíduo desaprendeu a linguagem com que os homens se comunicam”. Sant’anna (2008 apud ANDRADE, 2008 p. 13).
O interesse pelas causas sociais acaba influenciando Drummond a pedir
demissão do seu cargo no Ministério em 1945 por conta de sua oposição à ditadura de Getúlio Vargas. Logo se emprega como funcionário do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, função que exerce até sua aposentadoria em 1962.
Segundo Barbosa (1988), durante esse período no SPHAN, o poeta abre uma nova rota na qual se pergunta sobre o sentido da vida e do homem, e faz da palavra seu campo de pesquisa. Esses questionamentos impulsionam o desenvolvimento da terceira fase de sua carreira, inaugurada em 1951 com a publicação de Claro Enigma e que se encerra com Lição de Coisas (1962). A penúltima fase é marcada por uma poesia contemplativa e metafísica, em que busca “contemplar as palavras, ser capaz de lidar com elas em estado puro, para só aí compor o poema, nomear os seres, atingindo-lhes o significado profundo, compreendendo-os (...)”. (BARBOSA, 1988, p. 169).
Apesar de se aposentar do serviço público em 1962, Carlos Drummond não
interrompe sua produção literária, dedicando seu tempo quase integralmente à escrita. A quarta, e última fase da poesia drummondiana, assume um tom reminiscente, definido pelo aprofundamento em temas como o tempo e no resgate de memórias. A trilogia Boitempo, com volumes lançados entre 1968 e 1979, além de obras como As Impurezas do Branco (1973), Discurso de Primavera (1977), Corpo (1984) estão inseridas nessa fase memorialística.
Em 1987, já com a saúde debilitada, Carlos Drummond enfrenta a perda da filha, vítima de câncer ósseo. Doze dias após o falecimento de Maria Julieta, em 17 de agosto, o escritor também vem a óbito, em decorrência de insuficiência respiratória.

3 CONCEITO DE CRITICIDADE

Segundo Silva (2002), a criticidade permite com que o sujeito abale o
mundo das certezas, elabore e dinamize conflitos, organize sínteses, enfim, combata assiduamente qualquer tipo de conformismo, qualquer tipo de escravização às ideias referidas pelos textos.
A criticidade faz com que as pessoas não fiquem aprisionadas à qualquer
tipo de mensagem passada para elas. Assim, a análise torna-se uma arma utilizada por um ser crítico.
Diferentemente do que acontece com a maioria das pessoas na sociedade, um sujeito crítico, assim chamado por Silva (2002), não é refém da mídia, nem dos meios de comunicação existentes. Na verdade, ele é um leitor autônomo, ou seja, capaz de buscar por leituras de acordo com suas mais variadas necessidades e nos mais diferentes suportes , esse sabe o que ler e o que não ler.
Um leitor crítico é aquele que busca aprofundar- se na informação e não apenas aceitar aquilo como verdade, sem nenhum tipo de averiguação. A partir disso, percebemos que a criticidade é de suma importância na sociedade, pois permite uma visão de mundo na qual é possível decidir pela própria ideologia e de forma consciente.
Seguindo essa linha de raciocínio, Freire (1989, p.13) afirma que “a leitura da palavra não é apenas precedida pela leitura do mundo, mas por uma certa forma de ‘escrevê-lo’ e ‘reescrevê-lo’, quer dizer, de transformá-lo através da nossa prática consciente”.

4 DEFININDO LETRAMENTOS

Segundo o Dicionário Houaiss (2001), letramento é “como um
conjunto de práticas que denotam a capacidade de uso de diferentes tipos de material.” Com relação a isso, é importante destacar que, muitas vezes, o letramento é confundido com alfabetização. Isso ocorre pelo fato de as pessoas considerarem um sujeito que sabe ler e escrever, capaz de interpretar tudo que lhe é passado. Desse modo, nas escolas, o ensino dado forma pessoas alfabetizadas, ou seja, capazes de decodificar letras, porém, incapazes de interpretar e fazer o uso disso no uso não-escolar.

Muitos adultos de países desenvolvidos, tendo alcançado um letramento escolar, são capazes de comportamentos escolares de letramento (ler e produzir textos escolares), mas são incapazes de lidar com os usos cotidianos da leitura e da escrita em contextos não-escolares. (SOARES, 1998 apud ALBUQUERQUE, 2007, p.18).

Dessa forma é possível destacar que o ensino passado nas escolas não tem feito com que as pessoas possuam um “letramento escolar”, implicando, assim, na falta do desenvolvimento socioeconômico-cultural. Além disso, sabemos que para formar leitores e escritores competentes, é de suma importância que estes tenham contato com diversos gêneros em diferentes situações de comunicação. Para isso, cabe aos professores utilizarem métodos diferenciados, como promover atividades que atendam ao maior número de elementos multimodais possíveis com o objetivo de instigar o aluno a buscar e querer aprender mais. Por outro lado, é necessário que o aluno desenvolva autonomia para ler e escrever seus próprios textos, porém, é certo que a escola possui o papel de, desde cedo oferecer o melhor ensino alfabético para que tal habilidade possa ser despertada na criança (ALBUQUERQUE, 2007).
É de notável importância a distinção feita por Soares (1998a) entre
alfabetização e letramento. Para ele, as duas são ações distintas, porém, não inseparáveis. O ideal seria alfabetizar letrando, isto é, o ensino da leitura e da escrita associado às práticas sociais de cada uma delas.
Além disso, vivemos em uma sociedade, na qual os recursos disponíveis para adquirir conhecimento têm aumentado. Com isso, surgiram novas formas de construção e socialização isto é, os novos letramentos. Com a era digital, crianças e adolescentes encontram-se a todo momento em contato com a leitura e escrita dos diversos gêneros textuais existentes. Segundo Xavier (2005), levando-se em consideração a geração de hoje e a de antigamente, os alunos de agora vêm entrando em contato com as múltiplas formas de textos em diversas semioses (imagem, som e palavra).
Pelo motivo de a internet ser mais atrativa que um livro, muitos alunos
acabam adquirindo o letramento digital, ou seja, eles são capazes de ler e escrever, e fazer relações com gráficos, antes mesmo de possuir o letramento alfabético por completo. Assim, percebe-se que a prática tradicional de alfabetização tem sido substituída.

5 A ARTE DE CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE COMO PROPICIADORA DA CRITICIDADE

Segundo Àvila (2008), a arte é um instrumento através do qual o ser
humano procura expressar em palavras a consciência de si mesmo e do mundo e, reinventa a realidade. É, pois, por meio dessa reinvenção, que a consciência crítica é exercida sobre a linguagem e “sobre a realidade de que ela emerge, que ela exprime, que ela denuncia, realidade que cabe ao artista auxiliar a modificar com a ação sempre renovadora da arte verdadeiramente inventiva” (Àvila, 2008, p. 23). Com isso, fica claro que a literatura contribui para a formação crítica dos indivíduos.
Como Cavalcanti e Pereira (1982) afirmam, um texto literário não deve ser visto apenas como uma ferramenta de aperfeiçoamento linguístico.

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