PROJETO DE PROFISSIONALIZAÇÃO DOS CATADORES DE LIXO

Autores: Piero Oliveira Barbacovi e Renan Melo Aragão T. M. M. Furtado

 

Resumo:

Os “catadores de lixo” em Fortaleza vivem e trabalham em condições subumanas, sem nenhum tipo de apoio governamental, apesar de exercerem uma atividade de suma importância para a sociedade em geral: a separação dos lixos não recicláveis dos recicláveis. Assim, procurar-se-á investir na profissionalização deles, homens e mulheres que realizam a coleta seletiva de modo informal, para que, por meio de um trabalho que envolverá alunos e professores, seja possibilitado o aumento da renda familiar desse grupo profissional, bem como se procurará fornecer para esses trabalhadores treinamentos de capacitação para autogerenciamento e cursos sobre riscos e prevenção, por meio de contatos com a Administração Pública, e organizações, tais quais SESI e SENAI, a fim de que forneçam seu apoio e subsídio.

Palavras-chave: catadores; lixo; profissionalização; Administração Pública; qualidade de vida.

Introdução

Em péssimas condições de trabalho, os catadores de lixo de Fortaleza se veem sem perspectiva acerca de seu futuro. Nessa jornada diária, quem lucra com sua atividade laboral são as empresas que recebem seu material devidamente recolhido. Esses trabalhadores informais vendem sua matéria-prima por um preço ínfimo, pois se sujeitam aos valores pagos pelo mercado, enquanto as grandes empresas realizam o processo de recuperação do lixo e conseguem revende-lo por um preço muito maior.

Em vista disso, este trabalho visa a valorizar o profissional da coleta seletiva informal (catador de lixo), preocupando-se com o seu bem-estar e com a eficiência de seu trabalho. Busca-se fornecer meios de tirá-los da informalidade, dando-os mais segurança físico-financeira e assegurando seus direitos.

Dessa forma, será possível reduzir os impactos ambientais provocados pelo descarte dos resíduos por parte da população, realizado majoritariamente de maneira incorreta, além de estimular a conscientização cidadã no que diz respeito à temática “lixo, cidadania e sustentabilidade”. Ademais, intenta-se promover uma mudança de comportamento na sociedade por meio da coleta seletiva, em busca do desenvolvimento sustentável local, contribuindo para recuperar a dignidade dos catadores de lixo e para aumentar a sua qualidade de vida, proporcionando-os mais segurança, saúde e renda.

A reciclagem e sua importância

No processo de reciclagem, materiais usados e descartados retornam ao ciclo de produção ao serem transformados em novos bens de consumo. Por isso, é fundamental que a sociedade esteja motivada a reduzir a quantidade de lixo que produz, evitando o desperdício e separando os resíduos recicláveis. Por meio da coleta seletiva e da reciclagem é possível: a) gerar emprego e renda, comercializando os resíduos recicláveis; b) reduzir a quantidade de lixo despejada em lixões e aterros a céu aberto; c) prolongar a vida útil dos aterros sanitários; d) reduzir os gastos com os serviços de limpeza urbana; e) diminuir a exploração de recursos naturais; f) conter o consumo de energia; g) reduzir a poluição do ar, das águas e solo e dificultar a proliferação de doenças.

Nas três últimas décadas, com o aumento da produção de embalagens e produtos descartáveis, a produção de lixo atingiu índices gigantescos[1]. A procura por matérias primas de baixo custo fez que o lixo perdesse o caráter pejorativo e começasse a ser considerado um resíduo reaproveitável e de valor intrínseco. No processo de reciclagem, materiais usados e descartados retornam ao seu ciclo de produção ao serem transformados em novos bens de consumo. A coleta seletiva faz a separação prévia do material reciclável e do material orgânico, o que torna mais fácil e eficiente a recuperação dos resíduos.

O processo de reciclagem contribui de forma significativa para a qualidade de vida da população, principalmente a das grandes cidades, pois, quanto mais se recicla, menos impactos ambientais negativos são causados. Por exemplo, alguns materiais, como o plástico e o metal, demoram mais de 100 (cem) anos para se decompor completamente e, quando ficam expostos, podem contaminar a vegetação, o solo e diversos animais.

Além disso, cerca de 50% de todo o material descartado como lixo pode ser reaproveitado ou recuperado como matéria-prima para fabricação de novos produtos ou para a sua reutilização. Assim, é possível, por meio da reciclagem, reduzir-se a exploração de recursos naturais. Soma-se a isso o fato de que o lixo jogado a céu aberto, sem nenhum cuidado prévio, ocasiona poluição e facilita a proliferação de várias doenças, como cólera, disenteria, febre tifoide, leptospirose, peste bubônica, entre outras. O lixo espalhado na cidade pode ainda entupir bueiros, aumentando a incidência de enchentes. Por sua vez, a queima do lixo lança no ar dezenas de produtos tóxicos, que podem variar de fuligem (a qual pode afetar os pulmões) às cancerígenas dioxinas (resultantes da queima de plásticos).

O catador de lixo

Com o aumento da quantidade de lixo despejado diariamente nas ruas, o número de pessoas que ganham a vida como catadores cresceu consideravelmente nas grandes cidades. Em Fortaleza, por exemplo, este número cresceu desordenadamente, sendo inclusive objeto de reclamação da população fortalezense o fato de ter sempre alguém revirando o lixo de sua casa, deixando, muitas vezes, odor desagradável, em virtude do lixo rasgado, e passando uma sensação de insegurança aos moradores, que se consideram ameaçados pelos catadores, fato que comprova a marginalização e o preconceito sofrido por referidos trabalhadores.

Estima-se que a cidade de Fortaleza possui atualmente cerca de 8 (oito) mil catadores de lixo, segundo Lídia Valeska Pimentel. Calcula-se que existem de 300 (trezentos) mil a 1 (um) milhão de catadores em atividade no País e, no final de 2006, registrava-se 450 (quatrocentos e cinquenta) cooperativas formalizadas  e aproximadamente 35 (trinta e cinco) mil catadores em seus cadastros[2]. Apesar dos números consideráveis, investe-se pouquíssimo nessa profissão, mormente em Fortaleza, a quinta maior capital do Brasil, com mais de 100 (cem) bairros, mas apenas 5 (cinco) com coleta seletiva implementada[3].

Com a população brasileira gerando diariamente toneladas de lixo de consumo, (excluindo dejetos industriais e empresariais), percebe-se claramente que os projetos de coleta seletiva no Brasil e em Fortaleza não estão sendo capazes de comportar a demanda da reciclagem do lixo. Não fossem os catadores, esta quantidade de lixo acabaria integralmente em aterros sanitários e lixões, quiçá nas próprias ruas das cidades. Na cidade de São Paulo, por exemplo, cerca de 20 (vinte) mil catadores desviam dos lixões oito mil quilos de materiais diariamente[4].

Projeto

Diante disso, busca-se fornecer a esses trabalhadores informais melhores condições laborais, por meio de sua profissionalização e da formação de cooperativas. Para atingir tal mister, deve ser cobrada junto ao governo a “articulação entre as diferentes esferas do poder público, e destas com o setor empresarial, com vistas à cooperação técnica e financeira para a gestão integrada de resíduos sólidos[5]”. Desse modo, com o fomento à formação e à “capacitação técnica continuada na área de resíduos sólidos[6]” (neste caso, nas cooperativas), os desenvolvedores dessa atividade essencial ao meio ambiente equilibrado gozariam de vantagens para a sua realização, proporcionadas pela Administração Pública, como incentivos fiscais e dispensa de licitação[7]. Assim, revela-se a responsabilidade governamental de incentivar e desenvolver as cooperativas, descritas na Lei 12.305/10[8], além de dar prioridade à contratação das cooperativas compostas por pessoas de baixa renda[9] e de proteger o direito fundamental da dignidade da pessoa humana[10].

Desse modo, deve ser proposta perante à Administração Pública uma parceria com os catadores, para que eles tenham treinamentos de capacitação em autogerenciamento, a fim de que possam criar cooperativas e cursos sobre riscos e prevenções acerca de seu trabalho, visto que as cooperativas possibilitam maior poder de barganha dos recicladores com a indústria e com o próprio poder público, pois criam um canal de venda direta à indústria, com a obtenção de melhores preços e a eliminação da figura do intermediário (que se aproveita da frágil estrutura organizacional dos catadores e abocanham quase 75% do faturamento gerado pela reciclagem[11]. Com isso, os lucros são maiores, trazendo maior garantia de estabilidade econômica aos catadores (renda salta de 0,5 para 1,5 salário mínimo)[12]. “Grupos ou redes de cooperativas podem possibilitar o acúmulo de maior volume de recicláveis, obtendo melhores preços do que cada cooperado atuando de forma isolada[13]”. O papel das instituições privadas e do poder público no fomento e apoio às cooperativas de catadores é de suma importância, uma vez que se sabem as dificuldades enfrentadas por estes, principalmente em virtude de sua baixa escolaridade e de seu histórico de exclusão social. Essas instituições devem ajudar na organização das cooperativas, pois os catadores têm dificuldade de estabelecer vínculos e compromissos com organizações formais de trabalho[14].

Desse modo, esses profissionais terão seu trabalho reconhecido e seus direitos à vida de qualidade, à moradia, ao lazer, previsto no art. 6º da Constituição Federal de 1988, garantidos, a partir do momento em que terão melhores condições laborais e uma maior estabilidade financeira para proverem seu sustento.

Por fim, o processo de profissionalização do catador pode contribuir para remover o estigma de marginalização social vivido por estes indivíduos, aproximando-os da população de um modo amplo e concreto.

Conclusão

Mostra-se deveras relevante a valorização do trabalho dos catadores de lixo, mormente dentro do contexto da sociedade atual e do interesse de um desenvolvimento ambiental equilibrado. Assim, deve-se firmar a dignidade desses trabalhadores e promover ações que os valorizem e os integrem com todos os setores da sociedade, retirando-os do lugar comum que, para muitos, infelizmente, ainda é o da marginalização.

 

Referências

Constituição da República Federativa do Brasil de 1988

Decreto 7.404/2010

Estudo de Blauth Grimberg – 2005.

FREIRE, Mariana. Lixo: coleta seletiva começa em 5 bairros. O Povo. 02 jun. 2012. Disponível em: <http://www.opovo.com.br/app/opovo/fortaleza/2012/06/02/noticiasjornalfortaleza.2851224/coleta-seletiva-começa-em-5-bairros.shtml> Acesso em: 20 nov.2013

Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE

Instituto Municipal de Pesquisas, Administração e Recursos Humanos – IMPARH

Instituto Polis - http://empresasefinancas.hsw.uol.com.br/framed.htm?parent=cooperativas-catadores.htm&url=http://www.polis.org.br/ Acesso em: 20 nov. 2013

Lei 11.445/07

Lei 8.666/93

MEDINA, M. Scavenger cooperatives in Asia and Latin America, 2000.

Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis – MNCR

Revista Em Discussão http://www.senado.gov.br/NOTICIAS/JORNAL/EMDISCUSSAO/revista-em-discussao-edicao-junho-2010/noticias/cooperativa-de-catadores-e-alternativa-de-renda.aspx Acesso em: 20 nov. 2013

[1] O Brasil gera cerca de 150.000 toneladas diárias de resíduos – Grimberg, 2005.

[2] Dados do Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis - MNCR

[3] FREIRE, Mariana. Lixo: coleta seletiva começa em 5 bairros. O Povo. 02 jun. 2012. Disponível em: http://www.opovo.com.br/app/opovo/fortaleza/2012/06/02/noticiasjornalfortaleza.2851224/coleta-seletiva-começa-em-5-bairros.shtml Acesso em: 20 nov.2013

[4] Dados do Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis - MNCR

[5] Lei 12.305/2010 – Art. 7º São objetivos da Política Nacional de Resíduos Sólidos: (...) VIII - articulação entre as diferentes esferas do poder público, e destas com o setor empresarial, com vistas à cooperação técnica e financeira para a gestão integrada de resíduos sólidos.

[6] Lei 12.305/2010 – Art. 7º (...) - IX - capacitação técnica continuada na área de resíduos sólidos.

[7] Art. 24.  É dispensável a licitação: (...) XXVII - na contratação da coleta, processamento e comercialização de resíduos sólidos urbanos recicláveis ou reutilizáveis, em áreas com sistema de coleta seletiva de lixo, efetuados por associações ou cooperativas formadas exclusivamente por pessoas físicas de baixa renda reconhecidas pelo poder público como catadores de materiais recicláveis, com o uso de equipamentos compatíveis com as normas técnicas, ambientais e de saúde pública.

[8] Art. 8o  São instrumentos da Política Nacional de Resíduos Sólidos, entre outros: (...) IV - o incentivo à criação e ao desenvolvimento de cooperativas ou de outras formas de associação de catadores de materiais reutilizáveis e recicláveis;

[9] Decreto 7.404/2010 - Art. 11.  O sistema de coleta seletiva de resíduos sólidos priorizará a participação de cooperativas ou de outras formas de associação de catadores de materiais reutilizáveis e recicláveis constituídas por pessoas físicas de baixa renda.

[10] Decreto 7.404/2010 – Art. 43.  A União deverá criar, por meio de regulamento específico, programa com a finalidade de melhorar as condições de trabalho e as oportunidades de inclusão social e econômica dos catadores de materiais reutilizáveis e recicláveis.

[11] Instituto Polis - http://empresasefinancas.hsw.uol.com.br/framed.htm?parent=cooperativas-catadores.htm&url=http://www.polis.org.br/ Acesso em: 20 nov. 2013

[12] Revista Em Discussão - http://www.senado.gov.br/NOTICIAS/JORNAL/EMDISCUSSAO/revista-em-discussao-edicao-junho-2010/noticias/cooperativa-de-catadores-e-alternativa-de-renda.aspx Acesso em: 20 nov. 2013

[13] MEDINA, M. Scavenger cooperatives in Asia and Latin America, 2000.

[14] Art. 44.  As políticas públicas voltadas aos catadores de materiais reutilizáveis e recicláveis deverão observar: (...) II - o estímulo à capacitação, à incubação e ao fortalecimento institucional de cooperativas, bem como à pesquisa voltada para sua integração nas ações que envolvam a responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos.