PROGRAMA MAIS MÉDICOS E IMPLICAÇÕES NA FORMAÇÃO: UMA REVISÃO INTEGRATIVA

Sander Paulo Carneiro Flôr[1]

 

RESUMO

Trata-se de uma revisão integrativa, onde realizou-se a busca das publicações nas seguintes bases de dados: SciELO e BVS, que integrou as bases LILACS e MEDLINE. Optou-se por utilizar a palavra-chave programa mais médicos entre aspas como estratégia de busca. Foram selecionados sete artigos a partir dos critérios de inclusão e exclusão. Verificou-se que destes a maior parte foi publicado no ano de 2014. Em relação ao periódico, evidenciou-se que foram publicados em sete periódicos diferentes. Em relação ao tipo de estudo, observa-se que a maioria é estudo reflexivo, em que predominou-se o nível 6 de evidência. A partir da análise dos estudos selecionados, constatou-se que a adoção das medidas possibilitadas pelo Programa Mais Médicos, viabilizam importantes mudanças para a formação médica no País e a efetivação do Estado como ordenador da formação dos recursos humanos na saúde.

Palavras-chave: Programa Mais Médicos; Formação Médica; Atenção Primária em Saúde.

 



INTRODUÇÃO

 

A expansão do número de postos de trabalho e de cobertura assistencial da Atenção Básica, produzida pela progressiva implantação do Sistema Único de Saúde, além da alta rotatividade dos profissionais de saúde, em especial a categoria médica, sobretudo na Atenção Básica, tornou-se uma questão de saúde pública, uma vez que estas fragilidades comprometem a continuidade do cuidado prestado aos usuários e consequentemente a qualidade dos serviços de saúde ofertados1.

Na busca de se superar ou pelo menos amenizar uma destas fragilidades, em 22 de outubro de 2013, é promulgada a lei nº 12.871 que institui o Programa Mais Médicos2, uma das estratégias brasileiras de provimento e de fixação de médicos, além do reconhecimento da necessidade de se investir no processo de formação médica no e para o SUS1.

A Lei do Mais Médicos e suas respectivas ações evidenciam uma importante mudança na formação médica brasileira, orientada às reais necessidades de saúde da população e do SUS, executadas por medidas interministeriais, por meio do Ministério da Educação com apoio e participação do Ministério da Saúde3. Tais mudanças necessitam envolver todos os atores para que os mesmos tenham a consciência dos objetivos que se desejam alcançar e que se comprometam com os processos de mudança, assumindo a ideia e trabalhando o ambiente, interno e externo, para alcançar os resultados sobre alicerces firmes e sólidos4.

Neste sentido, a mudança na formação médica, poderá solucionar permanentemente o problema da falta de profissionais. Assim, foram implantadas diversas ações para essa mudança na formação médica, tais como: estágio curricular obrigatório de formação em serviço em regime de internato, sendo que uma parte da carga horária do mesmo deve ser cumprida na Atenção Básica; os cursos deverão apresentar Programa Permanente de Formação e Desenvolvimento do seu corpo docente; deverão ser definidos indicadores de avaliação e valorização do trabalho docente; os cursos deverão desenvolver ou fomentar a participação dos profissionais da rede de saúde em “Programa Permanente de Formação e Desenvolvimento”, visando melhorar o processo de ensino-aprendizagem nos diversos cenários de práticas do SUS e a qualidade da assistência aos usuários dos serviços públicos de saúde3.

Acreditamos que o conhecimento acerca da influência do Programa Mais Médicos na formação médica possa fomentar discussões sobre a formulação de políticas e programas eficazes para amenizar e/ou sanar a carência desses profissionais, sobretudo em localidades interioranas, possibilitando uma melhor qualidade dos serviços prestados aos usuários do SUS.

Assim, ao se refletir sobre a formação médica no Brasil, julgou-se importante investigar a conjuntura atual da produção científica a respeito do Programa Mais Médicos e a formação, a fim de contribuir com o reconhecimento de possíveis fragilidades e/ou potencialidades que possam ser evidenciadas. Nesse sentido, o presente estudo objetivou descrever o conhecimento científico produzido sobre a relação entre o Programa Mais Médicos e a formação em saúde nas publicações.

 

METODOLOGIA 

            Este estudo é uma revisão integrativa que possibilita a síntese do conhecimento de um determinado assunto e evidência lacunas do conhecimento que precisam ser preenchidas com a realização de novos estudos5.

            Nesta revisão integrativa foram seguidas as seguintes etapas: elaboração da pergunta norteadora; busca ou amostragem na literatura por meio do estabelecimento de critérios de inclusão e exclusão das publicações; coleta de dados; análise crítica dos estudos incluídos; discussão dos resultados; e apresentação da revisão integrativa6.

            Neste sentido, para conduzir esta pesquisa, utilizou-se a seguinte pergunta norteadora: Quais os reflexos do programa mais médicos para a formação médica no país?

            Realizou-se em maio de 2016 a busca das publicações indexadas nas seguintes bases de dados: na biblioteca eletrônica Scientific Electronic Library Online (SciELO) Scielo, na Biblioteca Virtual da Saúde (BVS), que integrou as bases de dados Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS) e MEDLINE.

Optou-se por utilizar a palavra-chave programa mais médicos entre aspas como estratégia de busca. Além disso, utilizaram os seguintes filtros: “disponível” e “português” para seleção dos estudos. Em seguida, as publicações foram pré-selecionadas para comporem a amostra desta revisão. Assim, foram analisadas a partir dos seguintes critérios de inclusão: artigos publicados na íntegra em português; artigos que abordassem à temática do programa mais médicos na perspectiva da formação.

Em seguida, realizou-se a seleção dos estudos, de acordo com a questão norteadora e os referidos critérios de inclusão. Todos os estudos encontrados até esta etapa foram analisados por meio da leitura dos títulos e resumos, a fim de restarem os artigos que integraram a amostra para análise desta revisão. Tais artigos foram selecionados, a partir dos seguintes critérios de exclusão: estar repetido nas bases de dados; ser dissertação; não abordar o programa mais médicos e o aspecto da formação; e ser manual.

Elaborou-se ainda um instrumento para a coleta dos dados composto pelos seguintes componentes: autores, título, periódico, ano de publicação, local de origem da pesquisa, objetivo do estudo e principais resultados. Além disso, para análise dos estudos incluídos optou-se pela proposição da hierarquia de evidências a partir do delineamento da pesquisa: Nível 1: evidências resultantes da meta-análise de múltiplos estudos clínicos controlados e randomizados; Nível 2: evidências obtidas em estudos individuais com delineamento experimental; Nível 3: evidências de estudos quase-experimentais; Nível 4: evidências de estudos descritivos (não-experimentais) ou com abordagem qualitativa; Nível 5: evidências provenientes de relatos de caso ou de experiência; e Nível 6: evidências baseadas em opiniões de especialistas7.

Os artigos selecionados para o estudo foram lidos na íntegra e discutidos a partir da literatura, possibilitando a análise deste estudo.

 

RESULTADOS

 

Foram encontrados cinquenta artigos por meio da estratégia de busca utilizada, dos quais quinze estavam repetidos nas bases de dados, nove não abordavam a temática formação e o programa mais médicos, dezessete eram dissertações e dois eram manuais. Assim, após a utilização dos critérios de inclusão e exclusão e a leitura de seus resumos elencaram-se sete artigos para a amostra deste estudo.

O Quadro 1 apresenta a síntese dos estudos incluídos nesta pesquisa, e representam a essência para a sistematização dos resultados e discussões que serão apresentados.

Verificou-se que a maior parte dos artigos foi publicado no ano de 2014, correspondendo a um total de três (43%). Em relação ao periódico, evidenciou-se 7 periódicos diferentes, não repetindo-se em nenhuma das vezes. Em relação ao tipo de estudo, observa-se que dentre os estudos selecionados majoritariamente a amostra é composta de estudos reflexivos, o que consequentemente interfere no nível de evidência dos estudos, onde predominou-se o nível 6.

 

Quadro 1. Artigos selecionados para a revisão integrativa. Sobral, 2016.

AUTOR

TÍTULO

REVISTA

ANO

CENÁRIO

OBJETIVO

TIPO DE ESTUDO

Nível de Evidência

Santos, L.M.P.; Costa, A.M.; Girardi, S.N.

Programa Mais Médicos: uma ação efetiva para reduzir iniquidades em saúde8

Ciência & Saúde Coletiva

2015

Brasília

-

“Opinião”

Nível 6

Cyrino, E.G.; Pinto, H.A.; Oliveira, F.P.; Figueiredo,A.M.

O Programa Mais Médicos e a formação no e para o SUS: por que a mudança?9

Escola Ana Nery

2015

Rio de Janeiro

-

Editorial

Nível 6

Pinto, H.A.; Sales, M.J.T.; Oliveira, F.P.; Brizola, R.; Figueiredo, A.M.;  Santos, J.T.

O Programa Mais Médicos e o fortalecimento da Atenção Básica10

Divulgação em Saúde para Debate

2014

Rio de Janeiro

Analisar e sistematizar informações e estudos relacionados às questões sociais tomadas como objeto do Programa Mais Médicos, quais sejam, a insuficiência de médicos no País para atender às necessidades da população e a inadequação, na perspectiva do Sistema Único de Saúde, do modelo de formação médica vigente, e estuda o contexto que possibilitou a criação do Programa.

Ensaio

Nível 6

Kamikawa, G.K.; Motta, I.D.

Direito à saúde e estudo da política pública doprograma “mais médicos”11

Revista Jurídica Cesumar  - Mestrado

2014

-

Relacionar o Programa Mais Médicos com as características, eficácia dos direitos e das políticas públicas.

Ensaio

Nível 6

Di Jorge, F.M.

Estudo Jurídico Do Programa Mais Médicos12

Acta JUS

2013

-

-

Ensaio

Nível 6

Rodrigues, P.H.A.; Ney, M.S.;  Paiva, C.H.A.; B.M.

Regulação do trabalho médico no Brasil: impactos na Estratégia Saúde da Família13

Physis Revista de Saúde Coletiva

2013

Rio de Janeiro

Discutir medidas recentes do Ministério da Saúde que flexibilizaram a carga horária de trabalho dos médicos na Estratégia Saúde da Família

Revisão Bibliográfica

Nível 6

Morais, I.A. et al.

Jornais folha de São Paulo e correio braziliense: o que dizem sobre o programa mais médicos?14

Rev. esc. enferm.

2014

São Paulo

Analisa as publicações relacionadas ao Programa Mais Médicos de julho a setembro de 2013 e sua repercussão no Correio Braziliense e Folha de São Paulo.

Estudo descritivo

Nível 4

Fonte: Própria.

 

DISCUSSÕES

 

Desde sua instituição o Programa Mais Médicos (PMM) teve como um dos principais eixos de esforço a implementação de políticas para o fortalecimento e ampliação da formação médica do país e no SUS, inclusive elencando ações para a operacionalização de tais objetivos.

Para atingir o propósito do programa estabeleceu-se 3 ações principais, a reordenação da oferta de cursos de Medicina e de vagas para residência médica, priorizando regiões de saúde com menor relação de vagas e médicos por habitante e com estrutura de serviços de saúde em condições de ofertar campo de prática suficiente e de qualidade para os estudantes; o estabelecimento de novos parâmetros para a formação médica no País; a  promoção, nas regiões prioritárias do SUS, de aperfeiçoamento de médicos na área de Atenção Básica em Saúde, mediante integração ensino-serviço, inclusive por meio de intercâmbio internacional; porém não excluiu outras ações2.

A universalização do direito à saúde, consagrada pela Constituição Brasileira, é uma conquista da população, oriunda de uma mobilização conhecida como Movimento da Reforma Sanitária. Um dos empecilhos para resolver a má distribuição de médicos e a consolidação do SUS como política de Estado foi, e continua sendo, a formação dos profissionais de saúde. Desde 1976 se discute o desafio de formar os profissionais compatíveis às necessidades de saúde da população15.

Em 2007, uma pesquisa de Neilton de Oliveira16 constatou que os currículos das faculdades de Medicina não preparam os profissionais sequer para pesquisa/iniciação científica e nem para a atuação em comunidade, grandes necessidades de nossa população. Destacou ainda que diante da pouca abordagem pedagógica acerca de saúde pública, os acadêmicos de Medicina no Brasil não possuem interesse em trabalhar no SUS.

De acordo com Cyrino et al.9 o PMM desencadeou a revisão das Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) para a graduação médica, em 2014, afirmando a centralidade da formação na Atenção Básica, a perspectiva de formação na rede de atenção à saúde no SUS, o aprimoramento da integração ensino-serviço-comunidade, fortalecendo a perspectiva da indissociabilidade entre formação, atenção em saúde e participação popular. As DCN estão desenhadas a partir de eixos integradores: Atenção à Saúde; Gestão em Saúde; Educação na Saúde, que permeiam o processo formativo, indicando metodologias que privilegiam a participação do estudante na construção do conhecimento e propondo a formação de docentes e preceptores para conhecimento, reconhecimento e desenvolvimento destes eixos durante o curso.

Os cursos de graduação em Medicina, de modo quase generalizado, não demonstram preocupação com a saúde pública e os profissionais pouco se relacionam na perspectiva da integração ensino-serviço, dentre outras deficiências, evidenciou Oliveira16. Após amplo debate, que envolveu pela primeira vez o Conselho Nacional de Saúde, elas foram instituídas em junho de 2014 por meio da Resolução de nº 3 do Conselho Nacional da Educação.

As novas DCN identificam, três áreas que devem articular conhecimentos, habilidades e atitudes para a formação do futuro médico, sendo elas a “atenção à saúde”, a “gestão em saúde” e a “educação em saúde”. Na primeira, a formação deverá considerar as dimensões da diversidade biológica, subjetiva, étnico-racial, de gênero, orientação sexual, socioeconômica, política, ambiental, cultural, ética e demais aspectos que compõem o espectro da diversidade humana que singularizam cada pessoa ou cada grupo social17. O que é amplamente considerado um avanço significativo em relação ao superado modelo exclusivamente biológico da biomedicina. A segunda e a terceira apontam para um médico que seja capaz de compreender os princípios, as diretrizes e as políticas do sistema de saúde e participar de ações de gerenciamento e administração para promover bem-estar da comunidade17. Dentre outras coisas as novas DCN buscam contribuir na formação médica no sentido de formar profissionais mais compromissados com o SUS e principalmente com a AB.

Para Morais et al14 o PMM retoma, sobretudo nos meios de comunicação, esses históricos problemas. Reacende a discussão sobre a oportunidade de mudar o interior das escolas médicas, a formação de profissionais capazes de atuar no SUS, com prioridade da Atenção Básica à Saúde, no âmbito de sua estratégia central: a Saúde da Família. Reacende, principalmente, a necessidade de inverter o modelo de formação médica vigente no país, cujas características se sustentam na: (a) dissociação entre o ensino das ciências biomédicas (anatomia, fisiologia, bioquímica, farmacologia, bacteriologia) nos primeiros anos do curso e as disciplinas de clínica; (b) pouca ênfase nos aspectos de prevenção e promoção da saúde e concentração nos aspectos da atenção médica individual; (c) enfoque na doença sem que seja visualizado o sujeito em suas singularidades; (d) valorização da aprendizagem no ambiente hospitalar, desconhecendo a realidade e o espaço social onde as famílias e comunidades estão inseridas; (e) especialização precoce; (f) enorme descompasso entre as instituições de ensino superior, os serviços de saúde e as comunidades; (g) desconsideração do ambiente de trabalho como princípio pedagógico.

As novas Diretrizes Curriculares aproximam o processo de formação de profissionais das necessidades de saúde da população e ao modo de operação do SUS. Entretanto, muitas Instituições de Ensino Superior (IES) não compatibilizavam os currículos acadêmicos com as diretrizes, comprometendo a inserção de novos profissionais no sistema público de saúde. Outros autores reforçam este ponto, pois como Paim18 afirma: a crise da saúde pública no País é também uma crise de formação, pois os cursos na área de saúde, sobretudo de medicina, não conseguem formar profissionais capazes de compreender o SUS em toda a sua complexidade; o SUS passou a ser o espaço desprestigiado – não enfatiza-se aqui os seus problemas, que são graves – mas a um juízo prévio por parte dos estudantes e de seus professores.

Portanto, a PMM intervém na qualificação profissional, com abertura de novas vagas em Cursos de Medicina sob a égide das novas Diretrizes Curriculares obrigatórias, as quais mudam o peso das disciplinas e prevêm a inserção precoce do estudante de medicina no SUS. A partir da lei que institui o PMM, os cursos serão localizados de acordo com os vazios de médicos no território nacional, em municípios nos quais haja redes de atenção à saúde do SUS adequadas para a oferta do curso de Medicina, incluindo: atenção primária; urgência e emergência; atenção psicossocial; atenção ambulatorial especializada e hospitalar; e vigilância em saúde19-21. O resultado dessas mudanças se traduziu na autorização de novas vagas em 81 municípios de 24 estados e no Distrito Federal. Foram autorizados, até 2015, 47 novos cursos de Medicina, sendo mais da metade (24) cursos oferecidos em instituições federais. Esses novos cursos foram responsáveis pela expansão de 3.256 vagas que, somadas às 1.832 novas vagas dos cursos já existentes, resultaram numa expansão de 5.088 vagas – 65% delas em cidades que não são capitais3.

Esta mudança de cenário corrobora com Pinto et al.10 quando este destaca que o Brasil, até 2012, tinha e formava poucos médicos, sendo que tanto os médicos quanto as escolas estavam muito mal distribuídos, havia importante déficit no resultado da subtração de médicos formados por novos postos de trabalho e era um dos países mais restritivos do mundo à atuação de médicos formados no exterior, fossem eles brasileiros ou estrangeiros.

Outro resultado importante apontado pelo Ministério da Saúde (MS) relacionado à redução das desigualdades regionais, refere-se às regiões Norte e Nordeste, sabidamente com mais necessidade social e com menor capacidade de atrair e fixar profissionais, amargavam uma proporção de vagas por 10 mil habitantes historicamente menor que as regiões Sul e Sudeste, o que agravava ainda mais o problema de distribuição. Até 2002 o número de vagas por habitantes do Nordeste era a metade (50%) da Região Sudeste. Essa diferença tem sido reduzida lentamente nos dez anos que se seguiram chegando em um patamar de dois terços. A partir do ano do lançamento do PMM, 2013, ela reduziu ainda mais rapidamente e chega neste momento a uma proporção de quase um para um3.

Apesar do foco no aumento do número de profissionais médicos, consequentemente do aumento do número de atendimentos e melhor distribuição destes pelo território nacional o PMM busca integrar o aumento do número de profissionais na AB sem descuidar da formação destes, visto que de acordo com Pinto et al.10 o aperfeiçoamento dos médicos ocorre na modalidade integração ensino-serviço, portanto, há sempre uma atuação assistencial na AB, e pode ganhar formas que articulem ensino, pesquisa e extensão, desde uma especialização, passando por outras modalidades de aperfeiçoamento que envolvam diferentes itinerários de formação, desenvolvimento de competências e implantação de melhorias no serviço de saúde, até um mestrado profissional. O médico que realiza o aperfeiçoamento profissional supervisionado deve, necessariamente, passar a compor uma equipe multiprofissional, a Estratégia Saúde da Família, e conta com a orientação de supervisores e tutores médicos. Para todos esses profissionais são previstas bolsas e garantidos todos os direitos previstos na legislação. Todos os médicos do programa contam, ainda, com o apoio clínico e pedagógico do Telessaúde e têm acesso ao Portal Saúde Baseada em Evidências.

Ainda de acordo com o MS em 2015, as ofertas educacionais eram realizadas por 11 instituições públicas de ensino superior por meio da rede da Universidade Aberta do SUS (UNA-SUS); e por ações de educação permanente por meio de integração ensino-serviço ofertadas por 74 instituições supervisoras que aderiram ao projeto, entre universidades públicas, escolas de governo de saúde pública e programas de residência médica, garantindo hoje um contingente de mais de 200 tutores responsáveis pelo acompanhamento de mais de 2 mil supervisores, responsáveis por visitas periódicas in loco para todos os profissionais que atuam no projeto3.

Outro aspecto importante para formação médica no país proposta pelo PMM são referentes a mudanças na Residência Médica (RM), que começam por exigir que ao fim de 2018 haja número de vagas equivalente ao número de egressos dos cursos de graduação em medicina do ano anterior. Ou seja, a proposta do PMM aponta para a RM universal e disciplina o acesso aos programas, fazendo o Estado assumir um papel de coordenação da formação de médicos especialistas, que era predominantemente desempenhado por associações científicas privadas22. Ela define uma RM central – a de medicina geral de família e comunidade (MGFC) –, que passará a ser a entrada de todas as demais, excetuando nove, entre elas: genética médica, medicina do trabalho e legal, patologia, radioterapia.

A RM de MGFC terá duração mínima de dois anos e deverá contemplar, além de uma formação clínica geral e integral em todos os ciclos de vida, atuações na área de urgência, Atenção Domiciliar, saúde mental, educação popular e saúde coletiva. Configurando-se como uma especialidade que prepara o médico para cuidar da maioria das necessidades de saúde das pessoas e dos grupos, inseridos em seus territórios de vida, e desenvolve nos mesmos competência para atuar com variadas e complexas tecnologias de cuidado no contexto dos diversos serviços do SUS.

Assim, a partir de 2018, para fazer as chamadas especialidades raízes, como clínica médica, pediatria, ginecologia e obstetrícia, cirurgia geral, psiquiatria e medicina preventiva e social, será necessário fazer, no mínimo, um ano em RM em MGFC. Para as demais especialidades, com exceção das de acesso direto, serão necessários um ou dois anos. Outro dispositivo importante que a Lei obriga a ser criado é uma avaliação específica para curso de graduação em medicina, bianual, com instrumentos e métodos que avaliem conhecimentos, habilidades e atitudes. A lei também estabeleceu o prazo de dois anos para ser instituída uma avaliação específica anual para os Programas de Residência Médica. Todavia, não localizamos menção nos estudos componentes de nossa amostra se já operacionalizaram-se tais proposições.

Nesse momento, cabe mencionar todos os avanços possibilitados pelo Pró-Residência e a criação de vagas de Residência Médica após a Lei do PMM com a evolução do número de novas vagas ofertadas que passaram de 785 em 2010, para 6.535 vagas em 2015, de acordo com o MS. Mais do que o resultado da expansão é importante destacar como ela ocorreu com maior ênfase nas regiões que possuíam menos oferta de programas de residência, ou seja, nas regiões Nordeste e Norte em que houve um maior aumento proporcional da oferta de vagas de residência em decorrência de ações como as do Pró-Residência23.

Pinto et al.10 considera que finalmente, o Brasil parece apontar, tanto na graduação quanto na RM, para a formação de um médico apto a cuidar integralmente da pessoa e não só da doença, com competência para cuidar da maioria dos problemas de saúde que uma pessoa apresenta ao longo da vida, e não ter foco restrito a uma especialidade. Será uma novidade extremamente benéfica para a saúde da população brasileira contar com grande número de profissionais especialistas em MGFC e dispor dos demais especialistas que, mesmo que sejam ‘superespecialistas’, tenham antes conhecido e atuado em algum momento como MGFC nos serviços do SUS.

Para Santos et al.8 o PMM não é um equívoco conceitual e, além de bem fundamentado em evidências das necessidades da população, é concernente aos princípios constitucionais do SUS. Diagnosticada a escassez, o Programa incide sobre a falta de médicos a curto e médio prazo, ao associar o provimento à ampliação e mudanças na formação do profissional.

Cyrino et al.9 corrobora, destacando que o PMM constrói medidas estruturantes  para aprimorar a formação médica e universalizar o acesso da população aos serviços e responde à legislação do SUS que ordena novas práticas. Estas demandam inovações e mudanças na formação dos profissionais da saúde nos diferentes níveis de formação, no ensino na saúde, na produção de conhecimento, na educação permanente e no modelo de atenção ofertado.

 

Considerações Finais

 

A partir do contexto apresentado, constatou-se que a adoção das medidas de curto, médio e longo prazos, possibilitadas pelo Programa Mais Médicos, viabilizam importantes mudanças para a formação médica no País e a efetivação do Estado como ordenador da formação dos recursos humanos na saúde.

No contexto geral, os resultados evidenciaram as relevantes contribuições do PMM para a formação médica no país e consequente melhoria dos serviços de saúde ofertados pelo SUS.  As publicações analisadas discutiram ainda sobre a inserção de estratégias inovadoras de ensino-aprendizagem na formação, mostrando a necessidade de se discutir sobre novas formas que potencializem a integração ensino-serviço.

Além disso, reconhece-se a fundamental importância do envolvimento de todos os atores do processo do ensino-aprendizagem, sendo estes profissionais do serviço, estudantes e docentes das Instituições de Ensino Superior, uma vez que como pode-se evidenciar a partir da análise o PMM integra ações que envolvem todos esses sujeitos.

 

REFERÊNCIAS

 

1 Carvalho MS, Sousa MF.. Como o Brasil tem enfrentado o tema provimento de médicos?. Interface (Botucatu). 2013; 17 (47): 913-26.  

 

 

2 BRASIL. LEI Nº 12.871, DE 22 DE OUTUBRO DE 2013. Institui o Programa Mais Médicos, altera as Leis no 8.745, de 9 de dezembro de 1993, e no 6.932, de 7 de julho de 1981, e dá outras providências.

 

 

3 Ministério da Saúde. Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde. Programa mais médicos – dois anos: mais saúde para os brasileiros. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2015.

 

 

4 González AD, Almeida MJ. Movimentos de mudança na formação em saúde: da medicina comunitária às diretrizes curriculares. Physis Revista de Saúde Coletiva. 2010; 20(2): 551-570.

 

 

5 Polit DF, Beck CT. Using research in evidence-based nursing practice. In: Polit DF, Beck CT, editors. Essentials of nursing research. Methods, appraisal and utilization. Philadelphia (USA): Lippincott Williams & Wilkins; 2006. p.457-94.

 

 

6 Souza MT, Silva MD, Carvalho R. Revisão integrativa: o que é e como fazer. Einstein. 2010; 8(1):102-6.

 

7 Stetler CB, Morsi D, Rucki S, Broughton S, Corrigan B, Fitzgerald J, et al. Utilization-focused integrative reviews in a nursing service. Appl Nurs Res. 1998;11(4):195-206.

 

8 Santos LMP, Costa AM, Girardi SN. Programa Mais Médicos: uma ação efetiva para reduzir iniquidades em saúde. Ciência & Saúde Coletiva. 2015; 20(11):3547-3552.

 

9 Cyrino EG, Pinto HÁ, Oliveira FP, Figueiredo AM. O Programa Mais Médicos e a formação no e para o SUS: por que a mudança? Esc Anna Nery. 2015;19(1):05-10.

 

10 Pinto HA, Sales MJT, Oliveira FP, Brizola R, Figueiredo AM, Santos JT. O Programa Mais Médicos e o fortalecimento da Atenção Básica. Divulgação em Saúde para Debate. 2014; 51:105-120.

 

11 Kamikawa GK, Motta ID. Direito à saúde e estudo da política pública doprograma “mais médicos”. Revista Jurídica Cesumar  - Mestrado. 2014; 14(2):341-367.

 

12 Di Jorge FM. Estudo Jurídico Do Programa Mais Médicos. Acta JUS. 2014; 1(1):24-34.

 

13 Rodrigues PHA, Ney MS, Paiva CHA, BM. Regulação do trabalho médico no Brasil: impactos na Estratégia Saúde da Família. Physis Revista de Saúde Coletiva. 2013; 23(4):1147-1166.

 

14 Morais IA, Alkmin D, Lopes J, Santos M, Leonel M, Santos R, Rosa W, Mendonça A, Sousa M. Jornais folha de São Paulo e correio braziliense: o que dizem sobre o programa mais médicos? Rev Esc Enferm USP.

2014; 48(Esp2):112-120.

 

                           

15 Amancio A, Quadra AAF. Saúde, saber médico e recursos humanos. Saúde em Debate. 1976; 1:48-49.

 

16 Oliveira NA. Ensino médico no Brasil: desafios e prioridades, no contexto do SUS: um estudo a partir de seis estados brasileiros [tese]. Rio de Janeiro (RJ): Instituto Oswaldo Cruz; 2007.

 

 

17 Resolução nº 3, de 20 de junho de 2014. Institui diretrizes curriculares nacionais do curso de graduação em medicina e dá outras Providências. Brasília, DF: Ministério da Saúde e da Educação; 2014.

 

 

18 Paim J. Se depender dos governos o SUS não avança. Revista MUITO, Jornal A Tarde. 2013; 28:9-13.

 

 

19 Pinto HA, Sales MJT, Oliveira FP, Brizolara R, Figueiredo AM, Santos JT. O Programa Mais Médicos e o fortalecimento da Atenção Básica. Divulg. saúde debate. 2014; 51:105-120.

 

 

20 Lei nº 12.871, de 22 de outubro de 2013. Institui o Programa Mais Médicos, altera as Leis no 8.745, de 9 de dezembro de 1993, e no 6.932, de 7 de julho de 1981 e dá outras providências. Diário Oficial da União, 23 out 2013. 

 

 

21 Estação de Pesquisa de Sinais de Mercado (EPSM). Dados Estatísticos sobre o impacto do Programa Mais Médicos no cenário de escassez de médicos em atenção primária no Brasil. Belo Horizonte, BH: Estação de Pesquisas de Sinais de Mercado; 2015.

 

 

22 Feuerwerker L. Mudanças na educação médica e residência médica no Brasil. Interface, Botucatu. 1998; 2(3):51-71.

 

 

23 Alessio MM. Análise da implantação do Programa Mais Médicos [dissertação]. Brasília (DF); 2015.