Trata-se de respostas que escrevi há algum tempo, quando havia ainda o Programa de Fortalecimento do Ensino Médio.

PROGRAMA DE FORTALECIMENTO DO ENSINO MÉDIO SISMÉDIO: ETAPA II – CADERNO II Werner Leber Resposta de “REFLEXÃO E ACÃO”. Etapa II, Caderno II, p. 44-45. Em princípio o que se pede está além de uma mera questão. Está um jogo não somente uma aula, mas um trabalho de campo completo e seus respectivos registros. Mais uma vez nosso texto vai àquele protocolo da interação, fala do outro, da interdisciplinaridade, do mundo da cultura, cito, por exemplo, esta passagem, cuja alcance está longe do problema a ser resolvido (páginas 44-45): Vai assim: Ao dialogar com Paulo Freire, podemos perceber como a escola, por vezes, mantém uma “cultura do silêncio”, ou seja, o distanciamento com relação às vivências, experiências e expectativas dos estudantes, dos grupos e comunidades nas quais se inserem. Romper com essa “cultura do silêncio”, ouvir atentamente as muitas vozes do mundo e com elas dialogar e aprender, é uma das contribuições fundamentais que as Ciências Humanas podem oferecer. Que silêncios? Não sei exatamente. Talvez o silêncio que se faz sobre a superficialidade com que se quer que as ciências humanas abordem os problemas. Talvez o silêncio preconceituoso de quem julga as ciências humanas, entre elas a literatura, destituídas de rigor, como a química, a física e a biologia porque seu objeto não é um “fato natural”. Lembro, porém, que a matemática também não lida com fatos naturais. Mas nunca vi positivistas criticarem a matemática. Por que será? A meu ver, nem se deram conta do problema. A citação abaixo, resume melhor o espaço das ciências humanas. Cito vez mais: A História, a Geografia, a Filosofia e a Sociologia, cada uma a sua maneira, têm muito a dizer ao realizarem a reflexão crítica, compreensiva e dialógica sobre as vidas que sujeitos humanos experienciaram em diversas temporalidades e espacialidades. E complementemos, têm muito a ouvir, e a aprender com os estudantes, professores e gestores com os quais convivemos nas instituições educacionais. A seguir tecemos algumas considerações sobre possibilidades de abordagens em cada um dos componentes curriculares da área de Ciências Humanas e interrelações entre eles (p. 39). Passemos brevemente ao ideário que o texto nos oferece. i) Da Geografia nos diz que o espaço geográfico e as relações entre natureza e sociedade deveriam ser um foco importante (p. 39). Depois, na página 40 sugere que o uso de mapas (cartografia) seja também um apoio à questão. Informa que as ciências naturais (ciências da natureza, p. 40) são importantes auxiliares na compreensão de aspectos físicos, químicos e biológicos. ii) Diz da filosofia que ela deveria auxiliar nas experiências conceituais.1 Informa que a leitura de textos filosóficos (não lêem nem as míseras questões do livro texto) é uma estratégia fundamental (p. 40). “Claro né, amiguinhas e amiguinhos!!”. Isso é mais ou menos o mesmo que dizer que um 1 Lembro-me de Gilles Deleuze com aquele livrinho “o que é a filosofia?”. E ele conclui: a filosofia é uma fábrica de conceitos círculo é redondo ou que a Revolução Francesa foi uma revolução acontecida na França.rararara. Ainda na página 41 nos informa que a filosofia é um “exercício da autoria” – estimular os estudantes a escrever seus próprios textos. Seria ótimo mesmo!!! Quem sabe assim não teríamos mais 510.000 alunos tirando ZERO em Redação no ENEM. É melhor tirar ZERO na escola e fazer a lição novamente que tirar ZERO no ENEM ou no emprego. Mas como fazê-lo com essa educação paternalista? Como conseguir tal cousa se o aluno é um ser, no mais das vezes, preconceituoso sobre a escola, não vendo nela o que deveria ser, mas apenas vendo nela um espaço público “que deve lhe servir”? Repito, ele vê a escola e o ensino não como um desafio, como algo que deve romper seu cordão umbilical, estraçalhar sua preguiça mental, e sim como algo que lhe deve servir, lhe paternalizar, lhe ser dócil e gentil, quase ser um amoldamento para empatar com a sua ignorância. Não há parto sem dor como não há ensino sem espanto, sem perplexidade, sem dúvida, sem sofrimento. Freud nos lembra: só há sentido naquilo que é frágil, aquilo que amanhã pode ser perdido. O que faz o conhecimento humano avançar é o temor, o espanto, o medo de desconhecido. Que medo tem nossos alunos, no mais das vezes? Estão seguros de que uma série de Portarias e Regimentos os favorecem, mesmo quando nada ou pouco fizeram pelo desenvolvimento de seu saber. Primeiro precisa-se “descobrir” o ensino. Descobrir no sentido de tirar aquilo que hoje o encobre, o paternalismo, os interesses politiqueiros, as falácias rasteiras de quem nada sabe e posa de gênio nos gabinetes, escrevendo lindos contos para quem está em sala de aula. O que chamei em outra ocasião de “cultura laudatória”. Lembremos, interesses políticos é uma coisa; a educação é um problema político, no sentido de Polis – de quem mora na Polis (cidade, sociedade), em constante enfrentamento com o outro, em constante contato com a divergências. Isso levou Aristóteles a dizer que somos “um animal político”. Ele disse “politico” e não animal “partidário” ou politiqueiro. Aliás, os politiqueiros ele chama de “bichos da fruição” que se assemelham a “animais de pasto”, logo na parte I de sua “Ética a Nicômaco”. iii) Da história nos informa que ato de contar histórias é uma prática muito antiga entre os humanos; segundo o texto, desde que adquiriram “a linguagem oral” (p. 41). Nos lembra que a histórias das ciências é pouco lembrada em nossos currículos. Afinal, as ciências têm uma história. Ou alguém acha que a biologia caiu do céu, que a física veio dos alienígenas e que a química é uma mera descrição de leis da natureza fáceis de serem identificadas cada vez que se observa uma praia ou se vê um tubo de ensaio com ácido sulfúrico? Claro que não! Elas todas são saberes humanos, demasiadamente humanos, conforme nos lembra Nietzsche. Elas são desenvolvimentos das curiosidades, das buscas, da luta pelo saber. Elas são exatamente o que a ciências humanas também são: fruto da curiosidade e buscas humanas pelo entendimento daquilo que nos cerca. Aí está! Todas as ciências são, no fundo, uma só “grande ciência”, cujas partes foram separadas para que houvesse uma melhor apreciação de cada uma delas. Agora estamos tentando dizer que devemos novamente reagrupar esses saberes, pois eles são só como partes (pedaços) de grande quebra-cabeças chamado “conhecimento”. Precisamos entender as partes e como elas operam no conjunto todo. iv) Da sociologia (p. 42) o texto nos diz que ela é uma ciência reflexiva. Seu objeto é a própria sociedade (p. 43), o que remete ao contexto interdisciplinar em que novelas e a comunicação de massa oferece uma oportunidade perceber como é organizada a sociedade, que poderes lhe são inerentes e que interesses a perpassam. REFLEXÃO E AÇÃO: CONTEXTO INTERDISCIPLINAR. TEMA: ALIMENTAÇÃO. A meu ver, sem mais delongas funcionaria assim. À biologia, à química caberiam as questões mais técnicas como por exemplo, a presença do sódio nas alimentações enlatadas. O excesso de consumo de sal branco em refeições, o valor nutricional de cada um dos vários alimentos consumidos e outras. A questão do transgênicos e sua influência na saúde das pessoas também poderia um aspecto abordado. À geografia e à sociologia caberia a investigação a respeito dos espaços físicos disponíveis no Planeta para a plantação de transgênicos e a exploração dos poderes e interesses (ideologia) que se encontram por trás dessas propostas. Verificar a relação do espaço natural com o espaço social e analisar os fatores como renda, informação e ideologia. À história caberia apontar os vários caminhos da alimentação até chegar-se aos modelos Fast Food que hoje intoxicam as nossas tripas com excessos de gordura. Perceber, por exemplo, que nem sempre as pessoas temperam suas comidas. E antes nem as cozinhavam. Quando esses hábitos surgiram? Egípcios cozinhavam ou comiam suas comidas cru? Nossos índios comem cru. Na antropologia isso divide as os povos entre “frios” e “quentes”, ou seja, entre o “cru” e o “cozido” (Claude Levy Strauss). Penso que a física, a filosofia e a matemática poderiam entrar em outra ponta. Em qual? A meu ver, esses saberes, ao contrário do que se diz, seus objetos de estudos são as reflexões, a criação de hipóteses, de teoremas, de abstrações conceituais que funcionariam como esqueleto a ser preenchido. Aqui na minha ignorância, quero sair fora desse estereótipo de “ciência exata” sempre atribuída à física.2 Ela não é nada exata. Pelo menos não, se vista por alguns aspectos. Inúmeras questões sobre a matéria, sobre a formação do universo, sobre as forças de atração e repulsão não permitem mais falar em exatidão. Rigor de pensamento (filosofia, lógica, matemática e física) não nada a ver com exatidão e dogmatismo. A matemática tem exatidão de modo abstrato. Ela é uma ciência das formas. Sua limitação, assim como a filosofia (sobretudo a lógica), é que elas são maneiras de fazer o cérebro pensar com coerência – que Platão chama de disciplinar para as questões essenciais. A matemática e a filosofia falam das formas da razão e não das coisas. Seus conceitos são sempre universalizantes e não particularizantes. Desse modo, simples assim, já teríamos uma pequena proposta de intercambiar saberes. Boa tarde todos e todas. Ainda tenho muito pela frente. São 16h20min. Preciso ir. Att., WSL 2 Cito, como exemplo o pequeno livro de John POLKINGHORNE, Teoria quântica. Ou então Ilya PRIGONINE, Ciência, razão e paixão; ou ainda de Marcelo GLEISER, A ilha do conhecimento. Todos os três abordam questões da física alinhadas com a filosofia e a matemática sem cair nos dogmatismos estreitos dessas disciplinas.