Às vezes penso que sou atrasado, que fiquei parado no tempo e não acompanhei a evolução da espécie humana. Às vezes sou, confesso, um saudosista de mão cheia, do tipo que admira e aprecia a música de décadas atrás.
Parece-me que hoje o que prevalece é o ganhar dinheiro a qualquer custo, deixando de fazer o que se gosta, ou se acredita. Tenho a impressão que os músicos de antigamente compunham por prazer, escreviam e musicavam com a alma, tanto que o resultado é que muitos se imortalizaram e sempre quando são tocados, arrancam suspiros dos amantes da boa música. Ao passo que hoje o que se vê é uma produção em série de letras e arranjos descartáveis, que agora nos impregnam os ouvidos e amanhã ninguém se lembra mais.
O mesmo acontece com os craques do futebol, dava gosto quando se falava o nome de um jogador e se podia relacioná-lo a determinado time, ele tinha a identidade do time. Hoje não se dá tempo sequer do garoto se tornar ídolo, salvo raras exceções. Não existe mais o amor à camisa, à torcida. Mais uma vez entra a produção em série, o Brasil é o maior produtor de craques do mundo, mas quantos craques hoje jogam no país? O que vejo é o rapaz saindo cada vez mais cedo e depois de vinte anos voltando para encerrar a carreira num time de segunda divisão.
Esses dois exemplos serviram de abertura para o tema que pretendo abordar, tal qual a música e o futebol, que foram seduzidos pelo mundo capitalista, onde a quantidade está substituindo a qualidade numa velocidade assustadora, percebo que outra coisa está sendo banalizada e ignorada a um segundo plano: o amor.
Vocês já pararam para pensar o quanto o amor desvalorizou? Se alguém tivesse investido alguns milhões na bolsa de valores no amor, com certeza teria perdido quase tudo, tão vertiginosa foi a queda dessa commodity.
Como eu disse no início, sou muito saudosista do tempo em que havia romance e as conquistas eram demoradas, de modo que era necessário valorizar o escasso tempo de que se dispunha para cortejar uma garota. Tenho saudade das cartas de amor, do namoro na praça, dos beijos roubados.
As coisas estão tão descontroladas hoje em dia que primeiro o casal se beija, vai para cama e depois se apresentam, isto é, se a transa tiver sido boa, pois do contrário, cada um se levanta, se veste e segue seu caminho, como se fossem animais ou robôs programados para executarem aquela função.
Não sou moralista! Não sou contra o sexo! Não sou contra as pessoas transarem quando tiverem vontade. Sou contra a banalização de tudo isso. Sou contra o vazio que acometem as pessoas depois de uma noite dividida com um estranho, isso não faz sentido para mim.
Onde estão os homens gentis? Onde estão as mulheres que seduzem com olhar? Não se encontra mais e sabem por quê? Por que não está dando tempo desses homens e mulheres amadurecerem, ainda são crianças quando dão o primeiro beijo. Ainda são crianças quando estão pensando em sexo e mal têm noção do que estão fazendo. Só o fazem porque os estímulos e apelos sexuais à disposição são tantos que não se pode fugir.
O que será então do amor, que tanto prezo?
O que será dos meus filhos quando crescerem?
Estarão eles prontos para se apaixonar ou o amor será produzido em série e distribuído por aí como fast-food?
Talvez eu esteja sendo muito catastrófico, podem pensar alguns de vocês. Outros tantos podem achar que estou ?por fora? e mal sei do que estou falando. Mas numa coisa vocês todos terão que concordar comigo: imaginem um filho nascido de uma dessas ?ficadas? onde o casal mal se conhece.
Suponham que esse casal se una, mediante pressão dos pais para criarem a criança. Será que eles terão como suportar a pressão de terem que abrir mão de sua liberdade para cuidarem de um filho? Suportarão trabalhar o mês inteiro para mal conseguirem pagar as contas do dia-a-dia?
Eu acho que não! E o resultado todos sabemos: a criança será criada pelos avós, enquanto seus pais continuaram ?ficando? com outras pessoas ?descoladas? por aí. O que, então poderemos esperar desses filhos? Será que quando crescerem terão referências de um lar? Terão referência do que é o amor?
Sou careta. Agora percebi. Lendo tudo que escrevi acima, cheguei à conclusão que sou um super careta.
Passei dois anos lutando para conquistar a garota que amava.
Lhe escrevi muitos poemas e cantei inúmeras canções à beira de sua janela.
Mandei flores. Comprei bombons. Assumi compromisso.
Fiquei noivo. Me mantive fiel. Casei.
Construí uma relação estável e hoje sou pai.
É estranho. Sou careta, mas sou feliz.
Sou saudosista, mas sou feliz.
Sei que ainda existem muitos românticos inveterados espalhados por aí, procurando encontrar a alma gêmea, mas são artigos de luxo.
Pronto.
Foi meu desabafo, não podia continuar vendo a banalização de tantas coisas importantes sem me pronunciar. Pode ser que eu seja vaiado quando este artigo vir a público, pode ser que eu seja taxado como um ?mané?. Não me importo, dentro do que pude, fiz alguma coisa para alertar.
Agora, vou ouvir uma música boa, junto com minha família. Vou olhar para trás e constatar que eu construí minha história. Que eu não fui vítima das produções em série. Que eu fiz a diferença.
Eu amei.