PRODUÇÃO CIENTÍFICA NO CAMPO DAS CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS: O QUE MUDA COM A RESOLUÇÃO Nº510/16?

Jennifer Galvão Cezar, Maria das Graças de Oliveira,..... Marta I. C. Estigarribian

Resumo

O objetivo deste artigo é apresentar uma discussão sobre as mudanças decorrentes da Resolução nº510/16 no âmbito da pesquisa científica envolvendo seres humanos. O objetivo específico dessa pesquisa foi: comparar as Resoluções nº466/12 e nº510/16, apontando os avanços e inovações. Trata-se de um estudo de base bibliográfica realizado a partir de documentos oficiais e artigos pertinentes ao tema. Pela análise realizada foi possível perceber que a publicação dessa Resolução constitui um marco relevante para a comunidade científica, tendo em vista que somente após vinte anos desde a Res.nº196/96 é dado à Ciências Humanas e Sociais o devido status.

Introdução 

Nos últimos anos tem se intensificado as discussões sobre a ética e a responsabilidade no fazer científico e, nesse entorno, a preocupação com as especificidades das pesquisas advindas do campo das Ciências Humanas e Sociais ocupa espaço central.  

Essa preocupação coloca o Brasil à frente de muitos países e, como documentos fundamentais para a realização de pesquisas, a Resolução nº466/12 e os CEP – Comitê de Ética em pesquisa – são indispensáveis quando se trata de seres humanos, independentemente da área do conhecimento.

A grande discussão é que a Resolução nº196/96 que, até então, orientava o fazer científico não atendia às especificidades das pesquisas da área de Ciências Humanas e Sociais. Após uma revisão, essa Resolução foi revista em vários tópicos e revogada, passando a vigorar a Resolução nº466/12. Em decorrência desse processo, a Resolução nº466/12 já sinalizava sobre a necessidade de se formular uma resolução que pudesse atender, de maneira específica, às Ciências Humanas e Sociais – CHS –, fato que se concretizou no dia 07 de abril de 2016 com a publicação da Res. Nº510.

Nesse cenário, o objetivo específico deste trabalho consistiu em comparar as Resoluções Nº466/12 e Nº510/16, apontando os avanços e inovações. Trata-se, portanto, de um estudo de base bibliográfica realizado a partir de documentos oficiais e artigos pertinentes ao tema. 

Metodologia 

Para realização desse trabalho, foi feito um levantamento bibliográfico. Recuperamos, num primeiro momento, as literaturas disponíveis sobre ética em pesquisas com seres humanos, investigando ao longo da história os avanços no tocante à regulamentação das pesquisas voltadas aos princípios éticos e o respeito à dignidade humana. Nesse contexto, definiu-se como foco as regulamentações específicas para as áreas de Ciências Humanas e Sociais e tivemos por base as três resoluções que regulamentam as pesquisas com seres humanos. Após a revisão de literatura pertinente, traçamos um comparativo entre a Resolução nº466/12 e a Resolução nº510/16 apontando avanços e inovações.

Na seção seguinte, apresentaremos um breve panorama acerca do percurso que vem sendo traçado em relação às discussões sobre a ética nas pesquisas científicas.

Ética nas pesquisas científicas: breve panorama histórico 

     Princípios éticos em pesquisas com seres humanos se desenham como pauta de discussões desde quando ainda não haviam procedimentos metodológicos sistematizados ou reguladores que impusessem limites às pesquisas com seres humanos.   A dissecação anatômica do cadáver humano foi oficialmente autorizada por Clemente VII, em 1537, uma vez que fazê-lo anteriormente era considerado um sacrilégio, a menos que se tratasse de um homem e, possivelmente, de um criminoso. (KOTTOW, 2008).

     A partir de então se deu o início da ciência experimental. Para muitos autores tem início com Galileu Galilei (1564-1642) como precursor, o qual postulava sempre que a verdade deveria ser buscada na experimentação e na observação (HOSSNE, 2002).

 No início do século XX, em 1901, Walter Reed já apontava alguns requisitos fundamentais para haver um mínimo de ética em pesquisa, como o consentimento dos participantes e o pagamento por sua participação  nos estudos (DINIZ; GUILHEM; SCHUCKLENK, 2005).

Com o advento da Segunda Grande Guerra Mundial (1939-1945), atrocidades vieram a conhecimento público. Médicos alemães utilizaram prisioneiros em seus experimentos, desconsiderando por completo o respeito à dignidade humana. Fato de evidente horror causou tão forte impacto histórico que suscitou a necessidade mundial de normatizar e impor limites às pesquisas científicas que utilizam seres humanos como objeto de estudo.

Esse movimento deu origem à aprovação do Código de Nuremberg em 1947, um marco na história científica universal. No entanto, esse código não sensibilizou os médicos que continuaram realizando experimentos clínicos com humanos. Em artigo publicado por Henrry K. Beecher, que denunciou o fato após analisar 22 pesquisas em que ocorriam maus-tratos a seres humanos, suscitou-se a necessidade de se criar uma entidade reguladora, o que aconteceu em 1964 com a instituição da Declaração de Helsinki, definindo princípios éticos que viriam fornecer orientações aos médicos e outros participantes em pesquisas clínicas envolvendo seres humanos.

Algumas emendas foram efetivadas à Declaração de Helsinki visando atualizar e avançar em questões éticas, sempre objetivando garantir o direito à dignidade da vida humana.

Esse breve histórico nos contextualiza sobre o cuidado com a vida humana e as consideráveis influências dos acontecimentos citados na formulação de legislações e códigos regionais, nacionais, internacionais e mais especificamente nas resoluções elaboradas pelo Conselho Nacional de Saúde (CNS).

Atualmente, a CONEP é a responsável por desempenhar a função que, em 1947, cabia ao Código Nuremberg. A CONEP – Comissão Nacional de Ética em Pesquisa – é uma comissão do Conselho Nacional de Saúde – CNS –, instituída a partir da Resolução 196/96.  A CONEP tem a função de implementar as normas e diretrizes a fim de regulamentar as pesquisas envolvendo seres humanos. Atua de forma conjunta com uma rede de Comitês de Ética em Pesquisa – CEP – organizados nas instituições onde as pesquisas se realizam.

Desde o ano de 1996 com a elaboração da Resolução nº196 tem-se evidenciado a necessidade de produzir resoluções específicas para as áreas de Ciências Humanas e Sociais. Além do caráter contextual da citada resolução, reforçava-se ainda a necessidade de revisões periódicas nas áreas tecnocientífica e ética além de ressaltar que cada área temática de investigação e cada modalidade de pesquisa devam “também” cumprir com as exigências setoriais e regulamentações específicas.

Após 16 anos sendo referência na regulamentação de pesquisas com seres humanos, a Resolução nº196/96 foi revogada pela Resolução nº466, de 12 de dezembro de 2012, ressaltando pontos considerados como avanços ou inovações na regulamentação de pesquisas para a área das Ciências Humanas e Sociais. Esse movimento de atualização e atendimento às novas demandas mais uma vez se mostrou necessário, com a publicação da Resolução nº510 de 07 de abril do corrente ano, nosso foco de análise e cenário de investigação.

Para Guerriero e Minayo (2013) é preciso que as diretrizes brasileiras sobre ética em pesquisa com seres humanos cumpram sua função primordial, que é proteger os participantes, em especial nas situações de vulnerabilidade e de evidentes conflitos de interesses.

A Resolução nº 510/16

Nos dias 06 e 07 de abril de 2016, o Plenário do Conselho Nacional de Saúde na 59ª reunião aprovou a minuta sobre ética nas pesquisas nas ciências Humanas. A minuta que havia sido produzida pelo GT (Grupo de Trabalho) de “Ética em Pesquisa do Fórum das Associações de Ciências Humanas, Sociais e Sociais Aplicadas”, sob coordenação do professor Luiz F.D. Duarte – titular do Programa de Pós-graduação em Antropologia Social/UFRJ –, passou por algumas alterações após uma reunião realizada entre o GT e a CONEP – Comissão Nacional de Ética em Pesquisas.

É importante assinalar que essa Resolução já ocupava o centro de debates desde 2014, sob a forma de consultas públicas e discussões nos ENCEP – Encontros Nacionais de Comitês de Ética – concretizados nos anos de 2014 e 2015.

Era com expectativa que a comunidade científica aguardava essa Resolução por se tratar de uma solicitação antiga dos pesquisadores das áreas das Ciências Humanas e Sociais, considerando que a Resolução nº466/12 que regulamenta as pesquisas envolvendo seres humanos reconhece as especificidades desse campo, mas não estabelece as normatizações adequadas a essas especificidades.  A seção XIII que trata das Resoluções e das Normas Específicas, no inciso 3, já sinalizava que as especificidades éticas das pesquisas nas Ciências Humanas e Sociais seriam contempladas em resolução complementar por utilizarem perspectiva teórico-metodológica própria.

Nesse contexto, após quatro anos da publicação da Res.nº466/12, a comunidade científica ganha o devido reconhecimento.

Serão apresentados, na seção seguinte, quais são o elementos diferenciais entre as Res.nº466/12 e a Resolução nº510/16.

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