Vários juristas fazem coro sobre a atipicidade das faltas disciplinares. Acerca do poder discricionário nas decisões disciplinares, ensina Hely Lopes Meirelles: “Embora não se aplique ao poder disciplinar o princípio da pena específica, que domina inteiramente o direito criminal comum, ao afirmar a inexistência da infração penal sem prévia lei que a defina e apene: ‘nullum crimen, nula poena sine lege’. O administrador , no seu prudente critério, tendo em vista os deveres do infrator em relação ao serviço e verificando a falta, aplicará a sanção que julgar cabível, oportuna e conveniente, dentre as que estiverem enumeradas em lei ou regulamento para a generalidade das infrações administrativas (...). Conforme a gravidade do fato a ser punido, a autoridade escolherá entre as penas legais, a que consulte ao interesse do serviço e a que mais bem reprima a falta cometida. Neste campo é que entra o discricionarismo disciplinar. Isto não significa, entretanto, que o superior possa punir arbitrariamente ou sem se ater a critérios jurídicos (...)” (in Direito Administrativo Brasileiro, ibidem, págs. 109/110). Sobre enquadramento disciplinar, ensina Maria Sylvia Zanella Di Pietro: “Ao contrário do direito penal, em que a tipicidade é um dos princípios fundamentais, decorrente do postulado segundo o qual não há crime sem lei que o preveja (nullum crimem, nulla poena sine lege), no direito administrativo prevalece a atipicidade” (in Direito Administrativo, Atlas, 3a ed., 1992, SP, pág. 349). No mesmo sentido, doutrina Egberto Maia Luz: “Não importa a existência ou não da tipicidade do fato, pois, repetimos, a infração estatutária pode ser atípica, mas de comprovado e bem caracterizado interesse administrativo (...). Os pressupostos da conduta irregular do servidor público não estão descritos na tipicidade legal exclusivamente, mas existentes nos interesses administrativos morais, básicos, sem os quais não pode subsistir o serviço público em sua desejada perfeição (...). O Direito Administrativo Disciplinar, que impõe também a regra de moral caracterizada pela conduta a ser exigida pelo servidor público, não é atípico totalmente, embora não guarde similitude  absoluta quanto ao Direito Penal Substantivo, mesmo porque se a este se aplica o princípio de que ‘nullum crimen, nulla poena sine lege’, no Direito Administrativo encontra-se, apenas, o enquadramento das regras de conduta tidas como deveres a serem exigidos dos servidores e, perfeitamente articuladas várias modalidades das suas proibições. Assim tanto deveres como proibições não se exaurem como acontece na lei penal pois, muito embora a imputação deva ser concreta, para a necessária chamada à responsabilidade, ela, a imputação  deva ser concreta, para a necessária chamada à responsabilidade, ela, a imputação, pode existir perfeitamente sem que esteja enumerada no elenco tanto das proibições quanto dos deveres, mas perfeitamente definida em face do superior interesse do Estado e da moal administrativa afetada” (in Direito Administrativo Disciplinar – Teoria e prática – RT, 2a ed., 1992, pág.. 154).

Com a preponderância da atipicidade das infrações disciplinares, para efeito de exemplificação, um policial que viesse a se envolver em acidente de trânsito com uma viatura, caso venha a ser responsabilizado (imperícia, imprudência, negligência) por causar dano ao patrimônio público, poderia vir a ser punido desde com a repreensão como com a demissão qualificada. O princípio da tipicidade das faltas administrativas constituem uma segurança para o servidor público sempre em desvantagem em relação ao Estado e os governantes, a começar que a constituição de advogados deve ser custeada pelo servidor para se contrapor a sanha punitiva dos órgãos correcionais.

 

JURISPRUDÊNCIA:

Atipicidade – dolo/culpa – impossibilidade:

“(...) Muito embora, no direito administrativo, se possa falar em atipicidade, não havendo necessidade de tipificação estrita que subsuma rigorosamente a conduta à norma, mesmo assim, a capitulação do ilícito administrativo não pode ser tão aberta a ponto de impossibilitar o direito de defesa’” (apud Celso Ribeiro Bastos, in Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva, 2o vol., págs. 265/8), tanto que recomenda a doutrina que, surgindo fato novo no correr da sindicância, deve ser aditada a Portaria que a instaurou. O princípio da ampla defesa, consagrado constitucionalmente, tem importância  ímpar no ordenamento jurídico brasileiro, posto que visa assegurar a igualdade das partes no transcorrer do processo” (Apel. Cível n. 97.015815-7, Timbó, Rel. Des. Vanderlei Romer, DJ n. 10.441, p. 17).

“Portaria de instauração do PAD não precisa especificar os fatos imputados, mas pode limitar-se a indicar o número do processo de origem do qual o acusado teve ciência” (PrecedentesSTF, MS 23490; RMS 25105; MS 22373).

“É sabido e consabido que a portaria de instauração do processo disciplinar prescinde de minuciosa descrição dos fatos imputados, sendo certo que, tão-somente, na fase seguinte - o termo de indiciamento - que se faz necessário especificar detalhadamente a descrição e a apuração dos fatos. No caso, o termo de indiciação, acostado às fls. 11/19, é claro em descrever as condutas atribuídas ao servidor, de forma detalhada e minuciosa, o que lhe possibilitou a defesa quanto aos fatos pelos quais foi demitido” (STJ, MS 14.371/DF, 3ª Seção, DJe 21/05/2012).

“Na linha da jurisprudência desta Corte, a portaria inaugural do processo disciplinar está livre de descrever detalhes sobre os fatos da causa, tendo em vista que somente ao longo das investigações é que os atos ilícitos, a exata tipificação e os seus verdadeiros responsáveis serão revelados.” (STJ, MS 16.815/DF, 1ª Seção, DJe 18/04/2012).

“O objetivo da portaria inaugural de processo administrativo disciplinar é dar publicidade à constituição da Comissão Processante, sendo, assim, por óbvio, já que naquele momento não foram ainda iniciados os trabalhos apuratórios da referida comissão, inexigível uma descrição pormenorizada dos fatos ocorridos (que serão oportunamente verificados), bem como a capitulação do mesmo com indicação dos dispositivos legais que possam ter sido supostamente afrontados. 2. A descrição pormenorizada dos fatos a serem apurados tem, como momento próprio, o eventual indiciamento do servidor (Precedentes da Corte).” (STJ, MS 14.869/DF, 3ª Turma, DJe 23/04/2012).

“Portaria de instauração do PAD e a Notificação Inicial não precisam descrever os fatos minuciosamente, pois, só após a instrução, com o indiciamento, é que se terão os fatos imputados bem especificados” (PrecedentesSTJ, RMS 22134; MS 12983; MS 9668).

STF: RMS 24.129/DF, 2ª Turma, DJe 30/04/2012: “Exercício do direito de defesa. A descrição dos fatos realizada quando do indiciamento foi suficiente para o devido exercício do direito de defesa. Precedentes: MS 21.721; MS 23.490”.

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