PRISÃO DO DEVEDOR DE ALIMENTOS
Publicado em 21 de outubro de 2009 por lucio correa cassilla
ARTIGO
PRISÃO DO DEVEDOR DE ALIMENTOS
A obrigação moral de alimentar pode gerar entendimentos preconceituosos e até mesmo injustos.
Alimento, no entendimento jurídico, tem abrangência
muito maior do que apenas comida. Inclui tudo que se entende por necessário
para a manutenção de um indivíduo como vestuário, saúde, habitação, educação,
lazer etc.
Por sua vez, a prisão, instituto opressivo do Direito
Penal, é de tamanha intensidade, que só se aplica a quem fere bens jurídicos
dos mais relevantes, dentro de uma disciplina do Direito já considerada de
intervenção mínima, o Direito Penal. A prisão
civil por alimentos não serve para punir e sim coagir o devedor a quitar sua
dívida, tanto que o cumprimento da prisão não isenta o devedor do pagamento da
dívida.
Nossa Constituição Federal de 1988 autoriza
expressamente, como restrição aos direitos e garantias fundamentais, a prisão
civil em casos específicos. Porém, deve-se interpretar de forma adequada a
Constituição quanto à possibilidade de prisão civil do devedor de alimentos. A
maneira como é feita hoje desrespeita uma série de princípios jurídicos,
morais, sociais e humanos impostos ao destinatário desta coerção. A
Constituição autoriza, mas não exige a prisão.
Falácia social
A obrigação de alimentar, da maneira apresentada,
constrói, na sociedade, uma série de entendimentos dogmáticos, preconceituosos
e falaciosos. Em sociedades como a nossa, os ascendentes alimentam os
descendentes e vice-versa, respeitadas as possibilidades e necessidades de cada
envolvido.
A obrigação moral de alimentar, quando determinada e
quantificada pelo juiz, institui a obrigação judicial. Só então sua
inadimplência é passiva de prisão. Neste momento, abre-se um portal para a
má-interpretação, para o autoritarismo que garante valores materiais em
detrimento de valores morais, sociais, psicológicos, familiares e outros que
ferem a dignidade da pessoa humana. A exemplo disso, estão casos de credores
que executam o devedor, mesmo sem precisarem dos alimentos, apenas por vingança
ou desafeto por qualquer outro motivo; há também casos como a decisão de um
juiz de São Paulo em manter o devedor preso, já que dos quase R$ 4.000,00 que
este pagou da dívida, ficaram faltando R$ 0,72 (setenta e dois centavos).
Sustento na miséria
As mazelas de uma economia sofrível agridem o
cidadão, seja por má distribuição de renda, seja por uma globalização
desajustada. Essas condições são responsáveis por um número sem fim de cidadãos
à margem da sociedade, mas que mantêm sua formação familiar de forma heróica.
Há um número incontável de famílias que sobrevivem em situação de miséria.
Chefes de família são expostos a todo tipo de
privação, vítimas da má administração de recursos brasileiros. Entretanto, não
é razoável mandar para a cadeia cidadãos que não conseguem alimentar, educar,
dar saúde, lazer e tantas outras necessidades a seus filhos por serem ou
estarem pobres. Em alguns casos, a melhor opção para conseguir alimentação é
estar na cadeia sob tutela do Estado.
Ciência humana
A doutrina e a
jurisprudência pouco têm se manifestado nesse campo. As normas que determinam
prisão civil para o devedor de alimentos são aplicadas de maneira mecanicista,
irracional, em desacordo com situações fáticas e humanas. Os dogmas legais
devem ser discutidos com certa periodicidade, já que o Direito não é uma
ciência exata como a matemática.
Na Comarca de Poços de Caldas, através de parecer do
promotor responsável pela área de família e aceitação do juiz, tem-se
determinado uma nova modalidade de audiência, a “audiência de justificativa”.
Com fundamento em uma interpretação extensiva do Código de Processo Civil, os
devedores têm a oportunidade de apresentar suas justificativas ou compor suas
dívidas com o credor em audiência com teor conciliatório. O procedimento
inovador tem-se apresentado ótima ferramenta na contenção de litígios e solução
pacífica das execuções, evitando a pena de prisão ao devedor de maneira
indiscriminada.
Os credores sensatos não querem ver os devedores
presos, mas querem seus créditos quitados. Outras coações podem ser impostas
aos devedores de alimentos ao invés da privação de sua liberdade. Que outros
operadores do Direito tenham o mesmo bom senso, afinal, o Direito existe em
função da sociedade e não a sociedade em função do Direito.
Lúcio Corrêa Cassilla*
* Pedagogo; Advogado; Pós-graduando
FERRAMENTA DE COAÇÃO
Prisão é um instituto severo que não pode ser usado
como coação civil. Nem mesmo a moderna doutrina do Direito Penal considera
prisão um instrumento de punição, mas de recuperação. Quando muito, prisão tem
teor protetivo à sociedade, afastando temporariamente o indivíduo desajustado
do convívio social.
A jurisprudência e a doutrina têm caminhado quanto à
impossibilidade de prisão civil para depositário infiel, porém, quando
determinada ao devedor de alimentos, são realmente cegas, já que acredita-se
que a possibilidade de qualquer prisão civil tende-se a extinguir.
FILHOS NÃO-ALIMENTADOS
Quantos brasileiros deveriam estar na cadeia por não
suprir suas obrigações alimentares? Isso
não ocorre pela exigência de um pré-requisito na aplicação da prisão civil do
devedor de alimentos: o título judicial determinando obrigação legal. Os que
têm direito legal a alimentos não teriam a mesma necessidade daqueles que tem
direito moral aos alimentos? Certamente, porém, outro pré-requisito é
necessário para a imposição de prisão civil do devedor de alimentos,
especialmente no caso de obrigação entre genitor e prole: a separação, o
divórcio, a ausência de união estável geram o pedido de obrigação alimentar.
O indivíduo que vive em comunhão familiar pode não
alimentar os filhos ou cônjuge, seja por dificuldades financeiras ou por
motivos diversos. A desunião é fator fático necessário para requisição da
obrigação alimentar. A Lei 6515/77(Lei do Divórcio) tem seção específica
determinando fixação de alimentos. Nesse
diapasão, é preciso que o técnico do Direito e o aplicador desse, intensifiquem
sua atenção para evitar que motivos alheios à obrigação alimentar gerem
injustiças.