Primeiras reuniões kabbalistas

As primeiras reuniões de qualquer grupo novo são um misto de excitação, caos e disciplina. No plano externo, as pessoas são mantidas unidas pelo tutor e pelo Ensinamento. Na Kabbalah o foco está sempre sobre a Árvore sefirótica, embora os grupos possam chegar até ela por diferentes caminhos. Alguns, por exemplo, trabalharão sobre textos clássicos, como o Zohar, que é uma série enciclopédia de textos contendo muita informação em meio a longas dissertações sobre a Bíblia. O original foi escrito no obtuso aramaico, para que apenas os versados neste idioma tivessem acesso ao original, embora existam várias traduções incompletas. Muitos estudam comentários alternativos, ou escritos menos conhecidos sobre a visão kabbalística da existência, que se estendem do estudo do alfabeto hebraico e seu simbolismo até a contemplação do diagrama da Árvore. Este último método é o que vem sendo considerado o modo de transmissão mais consistente, porque o padrão geométrico dos sefirot e seus caminhos é o menos tumultuado pela especulação dos séculos, e é o Ensinamento em sua forma mais límpida.

No grupo que imaginamos, a Árvore básica é desenhada em um rolo de lona de cerca de um metro de comprimento por sessenta centímetros de largura. Esta lona foi preparada, primeiramente, sendo pintada com uma emulsão de tinta branca para proporcionar um campo de trabalho, e, então, desenhada com tinta impermeável indiana, a fim de marcar os círculos dos sefirot e dos caminhos. O fundo é pintado de preto ou azul-escuro, e as tríades coloridas com as tintas impermeáveis. As cores tradicionais são o vermelho para a face inferior da Àrvore; o roxo para a tríade da alma e para as laterais; o azul no grande triângulo da face superior; e o branco para a tríade divina. Os tons de cada cor podem variar, a fim de diferenciar as subtríades, como as funções do pensamento, do sentimento e da ação. Algumas pessoas fazem a tríade do despertar em amarelo. O texto deve ser acrescentado depois, para demonstrar os nomes dos sefirot e o funcionamento de cada tríade. A mesma técnica é aplicada ao extenso diagrama da Escada de Jacob, com o vermelho para o mundo mais inferior, púrpura para a Formação, azul para a Criação, e branco para o mundo superior da Emanação. Os rolos podem ser presos com tachinhas nas suas extremidades superiores e inferiores em pedaços de madeira de cerca de três centímetros de espessura, e uma fita seria fixada no topo, para que possam ser enrolados e amarrados quando não estiverem em uso.

Os dois rolos devem ser pendurados em um lugar onde todo o grupo veja e o tutor possa apontar o que está sendo discutido, ou exercitado, em termos dos sefirot ou dos vários mundos. Isto é vital para que o grupo venha a usar gradualmente o diagrama como ponto de referência, e aprender seus termos, criando uma espécie de linguagem que todos compreenderão. Esta criação de uma forma de comunicação comum a todos é muito importante, pois reduz os mal-entendidos. A maioria das pessoas tem seu próprio modo de expressar sobre as coisas, em especial as que ocupam de assuntos esotéricos, e muitas chegam a um grupo kabbalístico com uma terminologia de outras tradições que professaram ou leram. Isso pode confundir os outros e irritar aqueles que não compreendem porque o resto do grupo não entende o seu jargão específico. Deixar os velhos termos fora do grupo, e aprender um novo conjunto de símbolos requer um pouco de tempo, a finalidade disso se torna aparente, enquanto as pessoas começam a expressar instantaneamente por exemplo, o estado em que se encontravam, dizendo que estavam yesódicas, o que, nessa altura, terá se tornado uma condição do ego reconhecível por todos do grupo.

Os primeiros encontros de um novo grupo são particularmente excitantes, porque tudo é novo, e para as pessoas que nunca encontraram na vida comum tal profundidade e dimensão cada encontro é uma experiência de expansão da mente que, às vezes, superestimula os processos mentais e os sentimentos. Algumas pessoas, depois da sua primeira reunião, não podem dormir durante horas após chegarem a suas casas, e outras passam o tempo todo livres, lendo e pensando sobre os tópicos discutidos, porque pela primeira vez possuem explicações reais para alguns dos mistérios da Existência. Outras, ainda, se encontram tão comovidas pelo que escutaram e viram nas reuniões, que ficam emocionalmente excitadas e não podem descer até o nível mundano. Em sua vida diária permanecem em um estado eufórico de choque, no qual têm muito pouco contato com a terra. Pessoas mais experientes sabem melhor, e tentarão explicar que há um grande trabalho a ser feito antes que estas idéias e práticas tenham qualquer significado real, mas este conselho é raramente escutado, porque ninguém entra pela porta do Caminho sem este primeiro acesso de êxtase. Ao término de cada reunião, o período social serve para descarregar um pouco desta excitação, porque a energia não pode ainda ser contida.

O caos das primeiras reuniões nem sempre está aparente no plano externo, mas se manifestará em comentários paralelos que não tem qualquer relação com o que está acontecendo, porque a pessoa demonstra já saber tudo, ou descobre, agora que veio, não ser este o grupo adequado para ela. Também haverá confusão, porque as pessoas não estão acostumadas à rotina formal da noite. Esquecerão do momento de ficar em silêncio, ou entenderão a sequência errada. Felizmente, isto, com a familiaridade, se cura por si mesmo. Outra razão para a confusão é que algumas pessoas esperam que as reuniões sejam de outra forma, e não conseguem ajustar a imagem que interiormente possuíam; isto é comum aos que sabem pouco sobre a Kabbalah, e têm uma idéia determinada de como deveria ser; ou que já participaram de outro grupo, onde procediam de modo diferente. Cada grupo tem o seu modo próprio de funcionar, e não há uma f´rmula ideal, exceto no folclore kabbalístico; e quem tenha estado na Tradição por algum tempo aprende que até mesmo os rabinos mais ortodoxos têm maneiras bem diferentes de fazer as coisas. Por exemplo, no período clássico do Segundo Templo da Palestina, as duas grandes escolas rabínicas, Hillel e Shamai, sempre divergiam em atitudes e métodos. O único critério verdadeiro é se o grupo trava contato com os mundos superiores. O templo perfeito, o local de reunião, a vestimenta apropriada, os rituais e teorias corretas não garantem que alguma coisa irá acontecer, enquanto o grupo heterogêneo, que se reúne na sala de cima de um bar, pode muito bem ser visitado pelo Espírito Santo, porque todas as pessoas estão verdadeiramente presentes.

No começo, a disciplina é aplicada exterio0rmente pelo tutor. As regras de conduta do grupo são muito rigorosas no início, de modo a transmitir que enquanto a reunião está em curso, o pessoal deve assumir o segundo lugar. As regras de um grupo são planejadas não só para proporcionar uma certa coordenação coletiva, mas também para instruir. Da mesma forma, a regra de esperar alguém acabar de falar é a implementação da disciplina do ego, ou yesódica. Na verdade, um aforisma kabbalístico é “Tornar o tagarela silencioso e o mundo falante”. Isto indica a criação de um certo equilíbrio dentro do grupo, assim como as pessoas dinâmicas aprendem a ser passivas e vice-versa. A disciplina também atua como um método de trabalho. Muitas pessoas chegam à Kabbalah com extrema abundância de pensamentos e sentimentos sobre a vida do Espírito, com freqüência expressões desorganizadas e desarticuladas. A disciplina cria um instrumento para aplainar o extrínseco, e certas idéias ainda confusas, dentro da estrutura precisa representada pela Árvore. Assim, o estágio elementar da teoria e da prática da Kabbalah é diretamente engajado no momento em que se entra no trabalho de grupo.

Durante as primeiras semanas, ocorrerão várias alterações nas reuniões. Algumas pessoas partirão, e outras chegarão. Umas podem partir porque não é o que esperavam, ou por discordarem da maneira que o grupo está sendo dirigido; outras partirão sob o argumento de que não obterão o que esperam. Por exemplo, alguns indivíduos aparecem porque acham que aprenderão magia. Cedo descobrem, se for um verdadeiro grupo kabbalístico, que a Kabbalah se ocupa com o Caminho do Espírito, e não com a aquisição de poder oculto. Muitas vezes, pelo menos metade do grupo parte nesses primeiros dias, por motivos diversos, tanto reais como falsos. O tipo mais astuto de mago, contudo, às vezes permanece, a fim de ver o que pode ganhar, porque reconhecem que a magia usa princípios kabbalísticos. Muitos dos que comparecem a esses primeiros estágios partem em seguida, pois não obtém resultados rápidos. Não são capazes de manter nenhum rumo, e perambulam de grupo em grupo, sem aprender nada além do mais superficial vislumbre da disciplina. Com muita freqüência, são bastante prolixos nas primeiras reuniões e partem depois de fazer brilhantes floreios, onde sua superficialidade é exposta a pessoas que são, talvez, menos informadas, mas que penetram mais profundamente em suas observações experimentais. Tais criaturas acham muito difícil enfrentar a realidade, embora declarem sempre ser isto o que procuram.

Durante o primeiro período, “X”, o tutor, não só deve administrar um enorme conjunto de personalidades, como também lidar com suas próprias dificuldades, pois assumir um novo grupo, e em especial pela primeira vez, é uma tarefa apavorante. Além da pesada carga de responsabilidade que cai sobre o tutor, e dos problemas que acontecem antes das reuniões começarem a correr serenamente, “X” deverá lutar com seu próprio mundo interior. O tutor experiente está habituado às forças superiores e inferiores que se focalizam em qualquer pessoa sentada na cadeira. Ele tem a experiência e a orientação interior para conduzi-los a um correto relacionamento. Quem é tutor pela primeira vez não só tem esses fatores para combater, mas também temas bastante pessoais, como a autoconfiança, além de estabelecer um relacionamento com o grupo e com o guia espiritual do grupo. Em tal posição, o tutor se sente muito só, e assim deve ser realmente, a fim de testar e fortalecer a sua integridade, Deste modo, apesar de anos de treinamento, cada pequeno sucesso ou fracasso é roubado pelo ego yesódico, até Tiferet do self estabelecer a sua supremacia, o que pode demorar muito tempo. Na verdade, a excitação, o caos e a disciplina dentro do grupo é, com freqüência, um reflexo direto do que está se passando com o tutor. Um tutor experiente tem problemas diferentes, porque um grupo logo reconhece, e responde bem, à liderança amadurecida. “X”, contudo, deve ainda aprender a dirigir, e nenhum tutor, de qualquer calibre, conseguiu evitar essa provação. É um teste de ordem primária, porque força cada fibra do Ser do tutor a estender o conhecimento além de seus limites, e tenta cada fraqueza que Satã possa explorar. Alguns chamam o próximo período do grupo de período de “lua-de-mel”, mas isto é só para o estudante. Para o tutor, é assunto bem diferente.