As oligarquias ficaram felizes com a implantação da República no Brasil. Mas não só de oligarquia um país é feito.

Não foram só maravilhas, os primeiros tempos da República. Pelo contrário, ocorreram duas guerras regionais: Canudos e Contestado, movimentos messiânicos; revoltas na cidade: chibata e vacina, contra a truculência do poder público, além de crescer o movimento operário ao ponto de ocorrer uma grande greve em 1917. Sem contar com o cangaço, um movimento de cunho popular.

Canudos (1893-1897: a pobreza caracterizava o interior nordestino quando apareceu o beato cearense Antônio Conselheiro. Havia desistido de estudar para ser padre e depois de ter exercido várias atividades passou a peregrinar pelo interior de Pernambuco, Sergipe. Pregador Popular, era seguido pelos pobres dos lugares por onde passava. Ajudava-os na articulação social e em colheitas coletivas, construção de açudes e igrejas. Em 1893 instalou-se com os seguidores em Canudos, uma localidade nas margens do rio Vaza-Barris, no interior da Bahia. Sua popularidade incomodou os coronéis que viam nele um perigoso adversário, pois sua vila (e sua influência) cresceu ao ponto de ter aproximadamente 30 mil moradores.

A pedido dos coronéis, Canudos foi atacado pelo exército, em 1896. Canudos resistiu ao três primeiros ataques. Somente foi destruído (pois da batalha final dessa guerra não houve sobreviventes) em 1897 quando os últimos cinco combatentes (dois velhos, dois homens e um menino) foram mortos por cerca de 5 mil soldados, como nos informam “Os Sertões” de Euclides da Cunha.

O Contestado (1912-1916): No sul do Brasil as coisas não eram diferentes. Além de uma antiga rivalidade entre Paraná e Santa Catarina, pela demarcação da divisa, os moradores da região eram vítimas dos fazendeiros que lhes tomavam as terras. A situação se agravou porque uma companhia (do mesmo empresário que comandou a construção da Madeira-Mamoré, em RO) resolveu desapropriar terras para construir uma ferrovia, ligando o Rio Grande do Sul a São Paulo.

As multidões e seus sofrimentos passaram a acompanhar o monge José Maria que anunciava o fim do mundo. Evidentemente fazendeiro e governantes viam nisso um perigo, pois a memória de Canudos ainda era recente. Por esse motivo, logo vieram tropas do exército e chacinaram os camponeses, matando José Maria.

Mas aos sobreviventes juntaram-se outros e todos acreditavam que o monge logo ressuscitaria e isso os irmanava em várias cidades santas. Entretanto, diferentemente de Canudos, aqui os camponeses reivindicavam terra para dela tirar o sustento (reforma agrária?).

Em reação o exército veio com tudo: milhares de soldados, canhões e aviões, contra camponeses e suas enxadas, espingardas e facões.

Fim do conflito: Cerca de 20 mil mortos e a satisfação dos fazendeiros e empresários.

Nestes dois casos, o pano de fundo foi, de um lado a concentração de riquezas por parte das oligarquias (fazendeiros e empresários) e do outro lado a situação de pobreza que levou ao seguimento daquele líder messiânico que anunciava a esperança e apoiava a resistência. Mas, como sempre, a força do mais forte, se sobrepôs aos grupos que lutavam pela vida.

O Cangaço: (1870-1940) Enquanto no Contestado e em Canudos as famílias se agrupavam em nome de uma esperança, os cangaceiros eram homens solitários que se uniam em grupos armados desprovidos de esperança em mudanças sociais. O motor de sua vida era alguma vingança e a sensação de liberdade por não ter que se sujeitar a um coronel truculento.

Não formavam famílias, mas bandos que assaltavam as fazendas e, em muitos casos, partilhavam seus saques com outros pobres. O grupo mais conhecido foi o de Lampião e Maria Bonita, mas outros tantos grupos percorreram os sertões do nordeste.

Vacina (1904) e Chibata(1910)Nas cidades também ocorreram revoltas. Duas delas são mais conhecidas e ocorreram no Rio de Janeiro, capital do Brasil na época: revolta da Vacina e da Chibata.

Várias situações estavam ampliando o descontentamento popular: desemprego, falta de moradia, várias epidemias… Tentando enfrentar as enfermidades foi aprovada a obrigatoriedade da vacinação contra a febre amarela e varíola.

A população não foi esclarecida a respeito dessa obrigatoriedade. Foram espalhadas notícias falsas de que as vacinas provocariam mais mortes, pois através daquelas agulhas seriam injetadas as enfermidades que se queria combater (hoje sabemos que esse é o principio para criação de anticorpos contra a enfermidade combatida pela vacina). Acrescida de outros problemas, a população se revoltou. Mas foi duramente reprimida.

Já a revolta da chibata foi organizada por um grupo mais específico. Os marinheiros que desejavam se livrar de maus tratos e castigos físicos. Liderados pelo Almirante Negro (João Cândido), revoltaram-se exigindo a suspensão dos castigos e igualdade de condições para ascensão na marinha. Inicialmente o presidente concordou com tudo que os marinheiros desejavam mas, tão logo eles encerraram o movimento, mandou prender e expulsar os revoltosos.

Em todas essas e outras revoltas, um panorama se apresenta como única paisagem: o poder dos coronéis, dos fazendeiros, dos empresários, dos caudilhos… e seus representantes nos palácios da politica não pode ser posta em cheque, nem questionada por um punhado de pobretões.

Em síntese, aquilo que em 2008, Rogério Rosa Rodrigues, em sua tese doutoral diz a respeito do término oficial da guerra do Contestado, pode ser estendido aos demais conflitos, ao longo da nossa história: “O destino dos sobreviventes foi selado por meio de arranjos políticos delineados pelos velhos inimigos do povo: os mandões locais que viram seus poderes questionados.

[…]. Não era prioridade zelar por melhores condições de vida para as pessoas da região, mas evitar o prolongamento da disputa entre Paraná e Santa Catarina pelas fronteiras territoriais, porque a querela poderia respingar na política nacional.”

Olhando pelas entranhas dos movimentos populares, de ontem e de hoje, podemos nos perguntar quão respingada de suor, lágrima e sangue do povo, estão os ternos e gravatas dos que mandam no país…?

Neri de Paula Carneiro

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador.

Rolim de Moura – RO