PRESCRITIBILIDADE DO DIREITO EM DEMANDAS INDIVIDUAIS

Ícaro Carvalho Gonçalves

Inicialmente, destaca-se a súmula 150 do STF, que possui como enunciado: “Prescreve a execução no mesmo prazo de prescrição da ação”. A primeira turma do STJ, utilizando-se de analogia, reconhece que o prazo quinquenal para a propositura de Ação Popular também deve ser aplicado às Ações Civis Públicas.

Inclusive, ainda que o prazo prescricional utilizado para o ajuizamento de ações civis públicas tenha sido o vintenário, o prazo para as execuções individuais da sentença proferida ainda será o de cinco anos, de acordo com decisão em acordo com o voto do Ministro relator Sidnei Beneti, em julgamento da Segunda Turma do STJ.

Entretanto, estes prazos são considerados em situações em que possa se encontrar a normalidade. No que tange a violação de direitos humanos fundamentais, o STJ, em reiteradas decisões, julgou a favor não aplicação da prescritibilidade:

ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. PERSEGUIÇÃO POLÍTICA. DITADURA MILITAR. PRETENSÃO INDENIZATÓRIA. IMPRESCRITIBILIDADE. DIREITOS HUMANOS FUNDAMENTAIS. INAPLICABILIDADE DO ART. 1.º DO DECRETO N.º 20.910/32. REDUÇÃO DISPOSITIVOS DA LEI N. 10.559/2002. INCIDÊNCIA DA SÚMULAS 282 e 356/STF. 1. A jurisprudência do STJ é firme no sentido de que a prescrição quinquenal disposta no art. 1º do Decreto 20.910/1932 é inaplicável aos danos decorrentes de violação de direitos fundamentais, por serem imprescritíveis, principalmente quando ocorreram durante o Regime Militar, época na qual os jurisdicionados não podiam deduzir a contento as suas pretensões. Precedentes. 2. O argumento referente à afronta ao Princípio da Reserva de Plenário foi trazido, tão-somente, nas razões do agravo regimental ora analisado, o que configura patente inovação da tese. 3. O art. 16 da Lei nº 10.559/02, bem como a tese a ele vinculada que "é impossível cumular as indenizações concedidas com base na Lei n. 10559/02" (e-STJ fl. 640), não foi objeto de debate pela instância ordinária, e o recorrente nem sequer provocou a questão via embargos de declaração. Incidência das Súmulas 282 e 356/STF. 4. Agravo regimental não provido.

(STJ - AgRg no AREsp: 302979 PR 2013/0051940-2, Relator: Ministro CASTRO MEIRA, Data de Julgamento: 28/05/2013, T2 - SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 05/06/2013)

Jurisprudência esta que está em acordo com os seguintes precedentes:

ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL - INDENIZAÇÃO - REPARAÇÃO DE DANOSMORAIS - ATIVIDADE POLÍTICA - PERSEGUIÇÕES OCORRIDAS DURANTE OPERÍODO MILITAR - NÃO-INCIDÊNCIA DA PRESCRIÇÃO QUINQUENAL - ART. 1º DO DECRETO Nº 20.910/1932 - IMPRESCRITIBILIDADE. 1. O argumento de que o art. 1º da Lei 20.910/32, que regula a prescrição a ser aplicada nas ações contra a Fazenda Pública, nãopoderia ter sido afastado a menos que fosse pelo Órgão Especial da Corte é questão nova na lide, trazida apenas no agravo regimental. 2. Não é possível em agravo regimental inovar a lide, invocando questão até então não suscitada. 3. A alegação de que o vício teria surgido apenas na decisão que negou provimento ao agravo não procede, tendo em vista que não houve inovação decisória. O decisum ora agravado apenas confirmou o que ficara decidido no aresto proferido pelo Tribunal de origem. 4. A prescrição quinquenal disposta no art. 1º do Decreto 20.910/1932 é inaplicável aos danos decorrentes de violação de direitos fundamentais, por serem imprescritíveis, principalmente quando ocorreram durante o Regime Militar, época na qual os jurisdicionados não podiam deduzir a contento as suas pretensões.Precedentes. 5. É despicienda a análise em torno do momento inicial para a contagem do prazo prescricional, na espécie em análise, tendo em vista a orientação desta Corte no sentido da imprescritibilidade. 6. Agravo regimental não provido.

(STJ AgRg no Ag 1392493 RJ 2011/0003509-8 ,Relator: Ministro CASTRO MEIRA, Data de Julgamento: 16/06/2011, T2 - SEGUNDA TURMA)

e, ainda:

ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL – INDENIZAÇÃO – REPARAÇÃO DE DANOS MATERIAIS E MORAIS – TORTURA – REGIME MILITAR – NÃO-INCIDÊNCIA DA PRESCRIÇÃO QUINQUENAL – ART. 1º DO DECRETO N. 20.910/1932 – IMPRESCRITIBILIDADE. 1. A jurisprudência do STJ é firme no sentido de que a prescrição quinquenal não se aplica aos casos de reparação de danos causados por violações dos direitos fundamentais que são imprescritíveis, principalmente quando se fala da época do Regime Militar, quando os jurisdicionados não podiam buscar a contento suas pretensões. Precedentes. 2. Ademais, o argumento referente à afronta ao Princípio da Reserva de Plenário foi trazido, tão-somente, nas razões do agravo regimental ora analisado, o que configura patente inovação da tese. "É vedado à parte inovar em sede de agravo regimental." (AgRg no Ag 875.054/SP, Rel. Min. Denise Arruda, julgado em 7.8.2007, DJ 6.9.2007). Agravo regimental improvido

(STJ AgRg no REsp 893725 PR 2006/0219140-9, Relator: Ministro HUMBERTO MARTINS, Data de Julgamento: 23/04/2009, T2 - SEGUNDA TURMA)

           

Desde já, observa-se que a jurisprudência aqui exposta não trata exclusivamente da imprescritibilidade em ações de reparação de danos causados por atos de perseguição e tortura na época da ditadura militar, pois acabam adentrando no mérito da possibilidade de se desconsiderar a prescrição em casos de danos decorrentes de qualquer violação de direitos fundamentais.

Por se tratar de jurisprudência do Superior Tribunal d Justiça, que, de acordo com o seu próprio código de conduta, possui a seguinte missão de “Processar e julgar as matérias de sua competência originária e recursal, assegurando a uniformidade na interpretação das normas infraconstitucionais e oferecendo ao jurisdicionado uma prestação acessível, rápida e efetiva.”, entende-se que como intencional a falta de termos de especificidade dos julgados apresentados, demonstrando interesse do órgão julgador de reconhecer a possibilidade de não se aplicar a prescritibilidade a qualquer tipo de dano sofrido por violação a direitos fundamentais.

A Lei Federal de nº 11.520/2007 dispõe sobre a concessão de pensão especial às pessoas atingidas pela hanseníase que foram submetidas a regime de segregação compulsória e autoriza o Poder Executivo a conceder a pensão especial, mensal, vitalícia e intransferível, a título de indenização especial, correspondente a R$ 750,00, a quem foi internado e isolado compulsoriamente, por força do diagnóstico de hanseníase, em hospitais-colônia até 31 de dezembro de 1986.

Art. 1o  Fica o Poder Executivo autorizado a conceder pensão especial, mensal, vitalícia e intransferível, às pessoas atingidas pela hanseníase e que foram submetidas a isolamento e internação compulsórios em hospitais-colônia, até 31 de dezembro de 1986, que a requererem, a título de indenização especial, correspondente a R$ 750,00 (setecentos e cinqüenta reais).

     O que se buscou reparar com a Lei 11.520/2007 foi o equívoco cometido pelo próprio Poder Público de ter promovido os valores discriminatórios contra os hansenianos predominantes na sociedade naquela quadra da história, atitude comprovada pelo caráter de compulsoriedade das internações. Como observado especificamente nos casos de internações compulsórias no Hospital Aquiles Lisboa, aqui na capital Maranhense, os pacientes eram retirados de suas famílias e isolados no Hospital para tratamento hospitalar extensivo.

Embora extensiva a quantidade de peças que toquem no assunto da referida lei, é imprescindível que no presente parecer se discorra brevemente sobre o seu contexto histórico no Brasil para que se possa demonstrar os direitos fundamentais violados.

 A hanseníase é uma doença milenar, conhecida por lepra desde os tempos bíblicos, que carrega a pesada marca do preconceito, discriminação e exclusão social desde o seu surgimento. É uma doença infecto-contagiosa de evolução crônica, cujas manifestações clínicas têm predominância na pele e/ou nervos periféricos.

Seu agente causador é o Mycobacterium leprae, um parasita intracelular, que se instala nas células cutâneas ou nas células de nervos periféricos podendo se multiplicar. O início da doença ocorre, na maioria das vezes, com sensações parestésicas de extremidades e/ou por manchas hipocrômicas ou eritemato-hipocrômicas, com alterações de sensibilidade (térmica, dolorosa e táctil). O quadro neurológico ocorre apenas nos nervos periféricos, quando a extensão da própria lesão cutânea compromete os troncos nervosos, na maioria das vezes, por metástases bacilares.

O Mycobacterium leprae ataca as fibras do sistema nervoso periférico sensitivo, motor e autônomo. Durante as reações (surtos reacionais), vários órgãos podem ser acometidos, tais como olhos, rins, suprarenais, testículos, fígado e baço.

Atualmente a hanseníase tem cura e seu tratamento é feito ambulatorialmente. A Organização Mundial da Saúde-OMS recomenda, desde 1981, uma poliquimioterapia (PQT) composta de três medicamentos: a dapsona, a rifampicina e a clofazimina. No entanto, a sociedade brasileira de outrora, não sabendo como tratar, optou pela completa marginalização dos pacientes. Em verdade, desde muito tempo, o exílio sanitário foi a única forma de enfrentamento social da doença

O estigma se efetivou a partir do isolamento social que envolveu a doença, e nos dias atuais é evidenciado através do claro preconceito que acomete os indivíduos portadores da moléstia, que preferem se manter calados a respeito do diagnóstico e ocultar seu corpo, na tentativa de esconder a doença, para evitar a rejeição e o abandono.

Entendendo que as posturas da época assumidas pela sociedade frente à hanseníase, no caso a construção de asilos-colônia que tinham o objetivo de separar a parcela ‘sã’ da sociedade dos ‘doentes’, são reflexo de antigas crenças, mitos, tradições e de uma herança cultural.

Os hansenianos sofreram toda espécie de ofensa à sua dignidade. Tiveram cerceada sua liberdade de ir e vir, foram tratados com absurda desigualdade sem qualquer critério razoável para a discriminação e, posteriormente, foram “devolvidos” à sociedade, já marcados pelo calvário da exclusão, e com extrema dificuldade para reconstituir seus laços sociais e familiares.

Quando considerados livres de situações de risco, ao invés de serem devolvidos às suas famílias, eram obrigados, pelo próprio Estado, a permanecer dentro dos arredores do hospital Aquiles Lisboa, na denominada Vila do Bonfim. Por este motivo, a denominação hospital-colônia.

É dessa postura de “conivência com o preconceito” que o Estado pretendeu se redimir ao criar a pensão especial em foco. Casos de condução coercitiva de hansenianos ocorreram. A prática da vigilância da entrada e saída dos estabelecimentos de saúde também era implementada, inclusive, na Colônia do Bonfim. Porém, essas circunstâncias representam níveis mais graves de violação à dignidade humana.

O diploma normativo em exame institui como requisito para a concessão do benefício a comprovação do isolamento e internação compulsórios em hospitais-colônia devido ao Mal de Hansen, desde que ocorrido até o dia 31/12/1986. Este isolamento compulsório nada mais é do que a expressa violação aos direitos fundamentais da dignidade da pessoa humana, liberdade e isonomia.

CONCLUSÃO:

Em análise aos precedentes jurisprudências acerca da temática da imprescritibilidade do direito em demandas individuais, identifico a possibilidade de se considerar como imprescritível o pedido de reparação de danos causados por qualquer tipo de violação de direitos fundamentais, tanto em demandas individuais, quanto em demandas civis públicas, enquanto estas últimas são utilizadas como instrumentos processuais de proteção e defesa de direitos coletivos, difusos, e individuais homogêneos, inclusive, se considerando o caráter de ações civis públicas de se evitar decisões contraditórias em ações com demandas iguais.

 Destaca-se por fim que, considerando-se imprescritível a busca pela satisfação desses direitos na judicialização de Ações Civis Públicas, havendo sentença, não há de se falar em prazo quinquenal para as execuções judiciais desta sentença.