Este artigo tem por objetivo entender a importância dos conceitos de prazer e dor, enquanto elementos existenciais, a partir de um diálogo entre a filosofia nietzscheana, a psicanálise freudiana e a filosofia clínica, entendendo como ambos os conceitos estão imbricados, para Nietzsche e Freud, e como a filosofia clínica aborda esta temática, motivação que leva muitos partilhantes a procurar a clínica filosófica em busca de lenitivo para suas dores e angústias existenciais. O propósito deste artigo é de aplicar na clínica filosófica os conhecimentos oriundos desta reflexão, respeitando os princípios éticos que regem a prática da clínica filosófica, à luz de fundamentos desta abordagem, como a historicidade e os exames categoriais.

INTRODUÇÃO

Uma das questões que me despertou para estudar Filosofia Clínica foi buscar compreender mais profundamente como as pessoas vivenciam dois elementos fundamentais na existência: a dor (ou o desprazer) e o prazer.
Por que algumas pessoas sucumbem diante da dor, enquanto outras usam-na como força motriz para o seu desenvolvimento? Que mecanismo pode nos ajudar a entender como um acontecimento pode ser irrelevante, na vida de uma pessoa, enquanto que o mesmo acontecimento, na vida de outra pessoa, pode causar uma dor que a desestrutura?
Por que algumas pessoas tem uma relação imediatista e compulsiva com o prazer, se entregando a hábitos existencialmente destrutivos (como drogas, cigarros, bebidas, ingestão de alimentos nocivos, e compulsões autodestrutivas), mesmo sabendo que, assim agindo, poderão colocar em risco sua saúde, seu emprego, sua família e, não raras vezes, sua própria existência, enquanto outras são capazes de retardar satisfações e gozos imediatos em prol de um bem maior, em longo prazo?
Esse artigo é um esboço de um projeto maior que almejo, de analisar o papel do prazer e do desprazer (dor) como importantes elementos existenciais, capazes de mudar a visão de mundo de um indivíduo, com consequências relevantes em sua vida.
Ademais, percebi, ao iniciar a prática da clínica filosófica, que a dor é um dos principais elementos que servem de motivação para muitos partilhantes procurarem a clínica filosófica em busca de lenitivo para suas dores e angústias existenciais.
O propósito deste artigo é de compreender mais profundamente como se dá a vivência desses elementos (dor e prazer) nas pessoas, de forma a possibilitar uma melhor compreensão da natureza humana e permitindo a prática de uma clínica filosófica mais eficiente e eficaz, respeitando e levando em conta os princípios fundamentais que regem a prática da clínica filosófica, como a historicidade, os exames categoriais, a estrutura de pensamento, de forma a compreender que não é possível enquadrar a pessoa nesta ou naquela fórmula, pois cada uma reage à sua maneira diante das questões existenciais.
Para refletir sobre essas questões, faremos, neste artigo, um diálogo entre filosofia, a psicanálise freudiana e a Filosofia Clínica, a partir de conceitos como prazer, dor, vontade e desejo.

1. O CONCEITO DE PRAZER

Segundo o Dicionário Aurélio (1986), prazer significa "sensação ou sentimento agradável, harmonioso, que atende a uma inclinação vital; alegria, conte3ntamento, satisfação deleite". O Vocabulário Técnico e Crítico da Filosofia (1996) fornece uma definição mais técnica, segundo a qual prazer significa gozos sensuais, distrações, divertimentos, não devendo ser confundido com alegria nem com felicidade.
O prazer é uma sensação de bem-estar, sendo, geralmente, atingido de várias maneiras (cf. Wikipédia), dentre as quais podemos citar a prática de exercícios físicos, comida <https://pt.wikipedia.org/wiki/Alimenta%C3%A7%C3%A3o>, relações sexuais <https://pt.wikipedia.org/wiki/Rela%C3%A7%C3%A3o_sexual>, música <https://pt.wikipedia.org/wiki/M%C3%BAsica>, leitura <https://pt.wikipedia.org/wiki/Leitura>, conversa <https://pt.wikipedia.org/wiki/Di%C3%A1logo>, trabalh <https://pt.wikipedia.org/wiki/Trabalho>o, dentre outras.
Embora geralmente pensamos a dor <https://pt.wikipedia.org/wiki/Dor> como o oposto ao prazer, ela pode servir como fonte de prazer para algumas pessoas, seja pelo prazer de sentir a dor (masoquismo <https://pt.wikipedia.org/wiki/Masoquismo>) ou pelo prazer obtido ao infringir a dor a outras pessoas (sadismo <https://pt.wikipedia.org/wiki/Sadismo>).
É necessário distinguir prazer, desejo, vontade e necessidade, como alerta Chaui (1995, p. 351):
A necessidade diz respeito a tudo quanto necessitamos para conservar nossa existência (alimentação, bebida, habitação, agasalho, proteção contra as intempéries, relações sexuais para a procriação, descanso etc.). A satisfação das necessidades é fonte de satisfação. O desejo parte da satisfação de necessidades, mas acrescenta a elas o sentimento de prazer, dando às coisas, às pessoas, e às situações novas qualidades e sentidos. No desejo, nossa imaginação busca o prazer e foge da dor pelo significado atribuído ao que é desejado ou indesejado.

A maneira como imaginamos a satisfação, o prazer, o contentamento que alguma coisa ou alguém nos dão transforma esta coisa ou este alguém em objeto de desejo e o procuramos sempre, mesmo quando não conseguimos possuí-lo ou alcançá-lo, conforme defende Chaui (1995, p. 351):
O desejo é, pois, a busca da fruição daquilo que é desejado, porque o objeto do desejo dá sentido à nossa vida, determina nossos sentimentos e nossas ações. Se, como os animais, temos necessidades, somente como humanos temos desejo. Por isso, muitos filósofos afirmam que a essência dos seres humanos é desejar e que somos seres desejantes: não apenas desejamos, mas, sobretudo desejamos ser desejados pelos outros.
A vontade difere do desejo por possuir três características que este não possui: 1. o ato voluntário implica um esforço para vencer obstáculos, que podem ser materiais (uma montanha que surge no meio do caminho), físicos (fadiga, dor) ou psíquicos (desgosto, fracasso, frustração). A tenacidade e a perseverança, a resistência e a continuação do esforço são marcas da vontade e por isso falamos em força de vontade;
2. o ato voluntário exige discernimento e reflexão antes de agir, isto é, exige deliberação, avaliação e tomada de decisão. A vontade pesa, compara, avalia, discute, julga antes da ação;
3. a vontade refere-se ao possível, isto é, ao que pode ser ou deixar de ser e que se torna real ou acontece graças ao ato voluntário, que atua em vista de fins e da previsão das consequências. [...] O desejo é paixão. A vontade, decisão. O desejo nasce da imaginação. A vontade, se articula à reflexão. O desejo não suporta o tempo, ou seja, desejar é querer a satisfação imediata e o prazer imediato. A vontade, ao contrário, realiza-se no tempo; o esforço e a ponderação trabalham com a relação entre meios e fins e aceitam a demora da satisfação. Mas é o desejo eu oferece à vontade os motivos interiores e os fins exteriores da ação. À vontade cabe a educação moral do desejo. Na concepção intelectualista, a inteligência orienta a vontade para que esta eduque o desejo. Na concepção voluntarista, a vontade boa tem o poder de educar o desejo, enquanto a vontade má submete-se a ele e pode, em muitos casos, pervertê-lo.
Consciência, desejo e vontade formam o campo da vida ética: consciência e desejo referem-se às nossas intenções e motivações [qualidade da atitude interior ou dos sentimentos internos ao sujeito moral]; a vontade, às nossas ações e finalidades [qualidade da atitude externa, das condutas e dos comportamentos do sujeito moral].

1.1 TIPOS DE PRAZER

1.1.1 Alívio da tensão dolorosa

Conforme defende Fromm (1974, p. 158-159) um tipo de prazer que Freud e outros conceberam como a essência de todo prazer é a sensação que acompanha o alívio da tensão dolorosa. Fome, sede, a necessidade de satisfação sexual, sono e atividade física - são coisas enraizadas na química do organismo. A necessidade objetiva e física de satisfazer essas exigências é percebida subjetivamente como desejo, e caso permaneçam insatisfeitas por certo tempo sente-se uma tensão dolorosa:
Se essa tensão for liberada, o alívio será sentido como prazer ou, como proponho denominá-lo, satisfação. Esse termo, oriundo de satis-facere = fazer suficiente, parece ser mais apropriado a esse tipo de prazer. É da própria natureza de todas essas necessidades fisiologicamente condicionadas, que sua satisfação acabe com a tensão provinda das modificações fisiológicas ocorridas no organismo. Se estamos com fome e comemos, nosso organismo - e nós - ficam fartos a certa altura, a partir da qual comer mais seria bem desagradável. A satisfação de aliviar a tensão dolorosa é o prazer mais comum e o mais fácil de obter psicologicamente; pode ser também um dos mais intensos prazeres se a tensão tiver durado bastante e, por isso, se tiver tornado, ela mesma, suficientemente intensa.

[...]