RESENHA SOBRE O TEXTO REFERÊNCIAS SOBRE PRÁTICAS FORMATIVAS EM EDUCAÇÃO PROFISSIONAL: O VELHO TRAVESTIDO DE NOVO FRENTE AO EFETIVAMENTE NOVO

Os autores Doriedson do Socorro Rodrigues e Ronaldo Marcos de Lima Araujo, a partir de abordagem marxista, com enfoque histórico, questionam o pragmatismo utilitário da educação profissional, voltada para práticas pedagógicas centradas nas esferas produtivas de mercado. Como contraponto, propõem projeto ligado à filosofia da práxis, visando à educação emancipadora dos cidadãos em sua integralidade.

O texto dicotomiza a educação profissional dos bancos internacionais da educação necessária de transformação social, contrária à conformação do trabalhador ao mercado, tendo em vista que o ensino centrado apenas no capital segrega a capacidade de pensar dos indivíduos. O modelo Tayloristas se mostra criticado, explicando a ideia de que reduz o conhecimento em sua amplitude, seleciona os trabalhadores e instrui os selecionados, pratica a obediência e promove incentivo manipulador. O padrão Toyotista, método japonês de produtividade, também se apresenta contestável em sua automação reducionista ao mercado e na flexibilização formativa. Os dois métodos, assim, separam a educação da educação profissional, o que não contribui para a formação plena dos cidadãos.

Muitas críticas se apresentam na dissertação a partir, sobretudo, de propostas de valorização da educação, como educação formativa do trabalhador pautada em seu interesse e integração entre trabalho corporal e intelectual, objetivando fugir da conformação e produzir a transformação, segundo explica Marx na filosofia da práxis. Isso requer o rompimento teleológico, ou seja, a mudança da causa final, que deve ser a valorização humana, em vez de ser a valorização do mercado de trabalho. Para tanto, deve-se trabalhar a ruptura da lógica capitalista por intermédio da consciência dos sujeitos do processo de ensino e aprendizagem, inclusive capacitando o trabalhador para o conhecimento de seu poder coletivo de negociação.

No projeto do capital, nota-se o discurso acrítico da competência individual, do adestramento acomodado, da empregabilidade e do cidadão mínimo, reduzido à mão de obra disponível, sem a formação integral defendida por Gramsci, que defende uma educação voltada para o conhecimento e a transformação da natureza e o conhecimento dos direitos e deveres civis e políticos, na omnilateralidade do cidadão, dentro da societa rerum (ciências naturais) e societas hominum (ciências sociais).

O trabalho explica a institucionalização da educação profissional no Brasil, o sistema S e as séries metódicas ocupacionais. Informa-se que, em 1930, institucionaliza a educação profissional, e, em 1942, as mudanças nas leis orgânicas de ensino surgem como resposta aos empresários pela demanda de formação do trabalhador. Senai, Senac, Senat, Sebrae e Sescoop compõem o sistema S.

A rede federal também constitui a série metódica de ofício, voltada para conhecimento comprovado, aplicação e transferência de conhecimento, dentro da ideologia do empresário industrial. Nessa perspectiva de pedagogia tecnicista, ocorre um enquadre intelectual no modelo de acumulação, na assimilação sequencial, hierarquizada e cartesiana dos conteúdos, focada apenas no saber-fazer do trabalhador, sem autonomia sobre os saberes.

A velha institucionalidade se apresenta em saber-fazer, demonstrar disciplina, ser obediente, mostrar-se concentrado e saber memorizar, ou seja, um operário-padrão preparado para a emergencialidade do trabalho. Essa relação capitalista nega a existência de um homem completo em sua convivência.

Já a pedagogia das competências surge como uma renovação do velho, defendendo um homem plenamente desenvolvido, com saberes técnicos e tácitos, experiências socioculturais e comunicativas, isto é, um saber-ser.

A referência racionalista da pedagogia das competências apregoa uma ciência cognitiva da racionalidade, com eficiência em controle e autocontrole. Trata-se de corrente tecnicista de teoria do capital humano, travestida de neotecnicismo, no discurso de controle de qualidade, de utilização de novas tecnologias e organização do currículo em módulos, com ações pontuais, de curta duração, pensando apenas no emergencial da empregabilidade, a partir de avaliações racionalistas das competências demandadas, sem ensinamentos sobre aprender a aprender, totalmente descontextualizadas socioculturalmente, uma vez que padroniza e uniformiza os resultados.

Outra questão abordada no estudo se refere à individualização da pedagogia das competências, a qual tira o foco do social, coletivo, por meio de cursos individualizados. Essa educação enfraquece a coletividade, estimula a competitividade na concorrência e justifica a desigualdade salarial como originária nos resultados individuais.

A referência neopragmatista da pedagogia das competências centra-se no utilitarismo imediato, na adaptabilidade ajustável do trabalhador às mudanças, no sentido de sempre buscar o aperfeiçoamento justaposto entre atributos e situações, dentro de um status quo de dominação através de educação fragmentada nas demandas mercadológicas de mais-valia. Trata-se, portanto, de uma ideologização do processo educativo.

Essa noção de competências ainda se faz pouco entendida pelos docentes e gera dificuldade na organização dos currículos e na estratégia de ensino e avaliação focados na demanda do mercado de trabalho, o que prejudica o desenvolvimento do ser na sua integralidade coletiva de luta de classe. O princípio da totalidade educativa fica abandonado no ensino tradicional da velha institucionalidade da memorização e trabalho especializado, ainda que irrealizável por conta das constantes reciclagens demandadas nos processos formativos.

Já Gramsci, diferentemente, defende uma educação voltada para a omnilateralidade humana, um projeto contra-hegemônico, como apregoa Marx, tendo em vista a inviabilidade de o estado garantir o pleno desenvolvimento do cidadão. Portanto, torna-se necessário unir os trabalhos intelectual e produtivo na articulação entre o pensar e o executar e na integração do trabalho com a educação nas atividades socioculturais e políticas de formação dinâmica e coletiva de dirigentes da sociedade na luta de classe, com cultura geral, humanista, formativa, manual e intelectual, de modo harmônico e equilibrado, por meio da conscientização do homem como produto histórico.

A educação, em vista disso, não pode ser dividida em educação para os proprietários e educação para os não proprietários. Deve, assim, superar esse estigma dualista e promover um ensino focado no interesse coletivo da sociedade, dentro de uma formação política e intelectual libertadora, valorizando saberes científicos, socioculturais e políticos na formação plena da cidadania.

Dério José Faustino Júnior

Jean Carlos Neris de Paula