PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO EM SALA DE AULA

João Paulo Nogueira de Souza

 

          A seguinte revisão de literatura faz uma análise das práticas de letramento realizadas nas escolas, sobretudo em turmas das séries iniciais do ensino fundamental, onde o processo ocorre em seu estágio com maior frequência, buscando compreender o universo que rodeia o processo de aquisição da leitura e da escrita pelas crianças, para, a partir daí procurar explicações para o desenvolvimento ou não dos estudantes nessa etapa inicial de sua vida estudantil.

          É do conhecimento de todos, o olhar diferenciado que os governantes tem dado ao processo de alfabetização, o que se por um lado tem trazido melhorias no ensino tanto nas turmas de educação infantil, que passou a ser obrigatório com a LDB de 1996- Lei 9394/96, como nas séries iniciais do fundamental, através de investimentos no aluno e no professor, por  outro lado aumentou a responsabilidade das escolas em relação a preocupação em se chegar a esses resultados.

           Outro ponto que merece destaque e que será um dos pilares dessa revisão de literatura é a visão que se tem sobre a alfabetização nos dias atuais que em muito se difere da forma como essa etapa da educação era vista a alguns anos, principalmente com a inserção do termo letramento como componente necessário ao processo de alfabetização.

          Ao se fazer uma retrospectiva do ensino a algumas décadas, quando havia a predominância do tradicionalismo escolar, é perceptível o fato de que o aprendiz era considerado um ser vazio e que o adentrar a escola iria adquirir os conhecimentos das letras e números, recebendo do meio externo o suporte necessário à aprendizagem, Morais (2012).    Nesse cenário, o processo de alfabetização se baseava na memorização e na repetição           Por muito tempo perdurou que está alfabetizado era saber as letras, juntar sílabas e formar palavras, nessa época se aprendia as letras através da repetição de sons e era comum o uso das cartilhas nas escolas, eram o que se chama atualmente de método sintético, principalmente utilizando a fonação e a soletração.

            As cartilhas que durante as décadas de 70, 80 e até meados de 90 fizeram parte do processo de alfabetização eram livros com leituras restritas que partiam de palavras-chave, principalmente substantivos e que priorizavam os métodos acima citados.

             Percebendo a ineficácia dos métodos utilizados, surgiu a necessidade de uma nova forma de alfabetizar, que unisse o que de melhor tivesse nos que eram utilizados, mas favorece aspectos que até então eram deixados de lado. Esse método é o de notação, que colocava a aprendizagem em prevalência ao ensino (FERRERO e TEBEROSKY, 1986).

            O que se tem de certo é que o conceito de pessoa alfabetizada hoje se diferencia muito de anos atrás e preenche vários requisitos que até algum tempo passava despercebido. Soares (2003) considera que alfabetização é a aprendizagem da técnica, domínio da escrita, da leitura e da relação que existe entre grafemas e fonemas, assim como dos diferentes instrumentos de escrita. Ou seja, é um processo que vai muito além de decodificação de letras e sílabas.

            Dessa forma, pretende-se que o aluno ao aprender a ler e a escrever aprenda também a questionar o mundo que o cerca, tornando-se cidadão ativo na sociedade e buscando melhorias para sua vida e daqueles com quem convive. Para que isso ocorra, é necessário muito mais que decorar sílabas soltas, é necessário compreender o que está sendo lido, e, muito mais que isso, discordar se preciso for do que lhe é apresentado, esse é o principal motivo da implementação do letramento junto a alfabetização.

            No sentido ainda mais amplo que o de Magda Soares, acima descrito, a UNESCO descreve alfabetização como:

...conhecimento básico, necessário a todos num mundo em transformação; em sentido amplo, é um direito humano fundamental. Em toda a sociedade, a alfabetização é uma habilidade primordial em si mesma e um dos pilares para o desenvolvimento de outras habilidades. Existem milhões de pessoas, a maioria mulheres, que não têm a oportunidade de aprender (...) a Alfabetização tem também o papel de promover a participação em atividades sociais, econômicas, políticas e culturais, além de ser requisito básico para a educação continuada durante a vida (UNESCO, 1999, p. 23).

            Nesse sentido, a UNESCO coloca como a alfabetização é primordial para as pessoas e como esse processo implica nas mudanças não somente individuais, mas sociais e interferem diretamente na sociedade.

             Surge então um novo conceito a ser unificado ao de alfabetização, que é o termo letramento, amplamente utilizado nas escolas nos dias atuais e que agregou um sentido maior ao processo. Já não basta apenas saber que as letras e as palavras existem, é necessário dar significados a elas. A respeito desse assunto, Soares (2003) enfatiza que para que o aluno compreenda o mundo da escrita e da leitura é necessário o domínio de duas técnicas, que a autora chama de passaporte, sendo um deles o domínio da tecnologia da escrita e de competências do uso desse sistema ortográfico, ou seja, utilizar a escrita em contextos diferentes quando necessário.

             Corroborando com o que a autora supracitada relata, Freire (1989), deixa claro a importância social da leitura e da escrita, quando diz que “Não basta saber ler ‘Eva viu a uva’, já que é necessário conhecer a posição de cada um dos elementos da frase no seu contexto social”, ou seja, é preciso se preocupar não somente com a decodificação do texto, mas com o que ele representa para  estudante.

              Percebendo o processo através desse cenário, o professor, grande responsável por fazer com que o mesmo aconteça deve se apropriar de técnicas e metodologias que possibilite ao aluno o conhecimento da leitura e da escrita de forma que, além de aprender o que o sistema nota, perceba também a importância da utilização no seu dia a dia.

               Há que se pensar contudo que ainda há muitas dúvidas, inclusive por parte de professores, em relação aos termos alfabetização e letramento. Não é tão raro encontrar docentes que ainda acreditam que esses conceitos são sinônimos e que basta ensinar as letras para está letrando, se apropriando ainda hoje de pseudotextos na sala de aula, o que não permite a interação entre o estudante e o material oferecido. Há ainda os que acreditam Castanheira, Maciel, Martins (2009) que os dois processos devem acontecer em sequência e não de forma simultânea e que primeiro o aluno deve ser alfabetizado para depois se tornar letrado, enquanto outros pensam o contrário, trabalhando a interação das crianças com os textos, contudo, ignorando de certa forma os aspectos específicos da escrita e leitura.

             Em relação ao processo de alfabetização e letramento e da forma como muitas vezes está sendo encarado nas escolas (Soares 2003, p. 05), afirma que:

A alfabetização, como processo de aquisição do sistema convencional de uma escrita alfabética e ortográfica, foi, assim, de certa forma obscurecida pelo letramento, porque este acabou por frequentemente prevalecer sobre aquela, que, como consequência, perde sua especificidade.

              O pensamento da autora pode ser comprovado quando, mesmo ainda com tantos desafios em torno do alfabetizar letrando o que se percebe é que já há no panorama escolar o que Soares (2003) denomina de “desinvenção da alfabetização”, o que, se por um lado tem mostrado outra forma de compreender o processo, de certa forma não tem dado os resultados esperados, já que ainda temos um grande número de crianças que não conseguem aprender a ler e escrever na idade certa, gerando graves consequências para o restante do percurso escolar.

              Soares (2003) cita que não é possível dissociar alfabetização e letramento, uma vez que esses conceitos se complementam no processo de aquisição da leitura e da escrita e ocorrem ao mesmo tempo, ou seja, enquanto a criança aprende a ler e escrever também deve aprender a usar esses componentes aos seus benefícios, adquirindo habilidades sociais. A autora completa relatando que:

Não são processos independentes, mas interdependentes, e indissociáveis: a alfabetização desenvolve-se no contexto de e por meio de práticas sociais de leitura e de escrita, isto é, através de atividades de letramento, e este, por sua vez, só se pode desenvolver no contexto da e por meio da aprendizagem das relações fonema–grafema, isto é, em dependência da alfabetização.

                Como forma de responder perguntas como: O que as crianças leem e como leem, diversas teorias foram e são formuladas por parte de quem se preocupa com o assunto e busca entender os mistérios que cercam o processo de alfabetização. Morais (2012), ao adentrar esse tema explica que para quem está iniciando o aprendizado da língua escrita, as regras de como esse sistema funciona ainda não estão prontas em sua mente. Esse pensamento diverge do que é praticado por alguns professores em sala de aula quando ainda hoje trabalham as letras isoladamente como se as crianças já soubesse o que elas notam ou significam, o que provoca efeitos muitas vezes perversos à aprendizagem.

            A respeito da compreensão do sistema de escrita, Russo (2012), cita que apesar das crianças compreenderem esse sistema de forma diferente, todas formulam teorias próprias ao entrarem em contato com a escrita, através de um processo que imaginam ser sua língua e que acreditam ser compreensível aos outros. Portanto, há de se ter cuidado em valorizar a escrita dos alunos, mesmo que ainda através de símbolos que para os adultos não parecem ser escrita alfabética, pois é através dessas demonstrações que o processo de conhecimento da escrita tem início.

            Há que se perceber ainda que a relação alfabetização-letramento é benéfica ao processo de ensino-aprendizagem e que hoje pensar em alfabetizar uma criança ou até mesmo adulto sem que seja letrando é correr um grande risco de fracassar. Soares (2010), diz que a alfabetização se desenvolve através de práticas sociais de leitura e escrita, u seja, através do letramento, enquanto que o letramento se desenvolve de forma dependente da alfabetização.

            O que acontece na realidade é que o termo letramento veio completar o sentido do processo de alfabetização, dando sentido ao que acontecia nas salas de aula e que até algum tempo não passava de tentativas sem sucesso, não que já se tenha atingido os objetivos que se almeja nessa etapa da vida escolar, mas já se pode perceber mudanças na maneira como as crianças aprendem a ler e escrever. Soares (2000), ao adentrar o assunto que ela mesma conhece tão bem expõe que letrar é dar prazer a apropriação da escrita, é vivenciar a leitura de várias formas e trazer dela benefícios a sua vida. Nesse contexto, a autora enfatiza o quanto importante é uma criança aprender de forma significativa e prazerosa, sem que seja “obrigada” a absorver algo que ela mesma não compreende o porquê de está estudando.

            A respeito do mesmo tema, Freire (1989) conseguiu conceituar a alfabetização de forma muito próxima ao sentido de letramento, quando diz que se trata de uma prática sociocultural que se transforma com o passar do tempo e que pode ser opressora ou libertadora. Contudo, Soares (2003), como já foi citado nessa revisão deixa claro a indissociabilidade existente entre alfabetização e letramento, apesar de terem objetivos complementares.

            O que se precisa fazer e em caráter de urgência se possível for é buscar compreender melhor esses conceitos tão importantes, e como diz Soares (2010), interligados e concomitantes, para, dessa forma, colocar na prática de forma ainda mais consistente, através de novas metodologias por parte do professor que insira o que de melhor esses conceitos trazem, como forma de transformar o cotidiano escolar e favorecer a aprendizagem das crianças, tanto na aquisição da leitura e da escrita como na prática social da leitura e escrita. Agindo assim, teremos a cada dia alunos aprendendo melhor e por consequência maior desenvolvimento social.

 

FERREIRO, E.; TEBEROSKY, A. Psicogênese da língua escrita. Tradução de Diana Myriam Lichtenstein et al. Porto Alegre: Artes Médicas, 1986.

FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler –. São Paulo: Autores Associados: Cortez, 1989.

SOARES, Magda. "Simplificar sem falsificar." Guia da Alfabetização 1., São Paulo, 2010. P. 6- 11.

__________. Alfabetização e letramento. São Paulo: Editora Cortez, 1989.

__________. A reinvenção da alfabetização. Presença Pedagógica. Belo Horizonte, 2003, v. 9, nº 52, p. 1-7.

__________. Letramento: um tema em três gêneros. Belo Horizonte. Autentica, 2000.

__________ - Linguagem e escola: uma perspectiva social. 17a ed. São Paulo: Ed. Ática, 2002, 95 p.

MORAIS, Artur Gomes de. Sistema de Escrita Alfabética. São Paulo. Ed. Melhoramentos, 2012.

RUSSO, Maria de Fátima. Alfabetização: um processo em construção. São Paulo. Ed. Saraiva, 2012.

UNESCO. Conferência Internacional de EJA. Alemanha, Hamburgo, 1999.