Povos Indígenas: Prevenção de Genocídio e outras atrocidades e a importância do judiciário como barreira legal contra abusos contra a dignidade humana. 

Jaime de Jesus Souza dos Santos1 

Resumo: O presente artigo aborda o genocídio de povos indígenas no decorrer do período do século XIX até XXI, em sociedades distintas, em diferentes períodos da história humana, mas com características socioeconômicas como a expansão capitalista e a descoberta de riquezas em terras indígenas. O método usado foi a história comparativa onde se faz uma relação de fatos históricos diferentes, mas iguais em suas consequências, além de mostrar o papel histórico dos operadores do direito contra a omissão estatal em diferentes cenários. 

Palavras-chave: Genocídio. Povos Indígenas. História Comparada. Extremismo

Abstract: This article deals with the genocide of indigenous peoples during the period from the 19th to the 21st century, in different societies, in different periods of human history, but with socioeconomic characteristics such as capitalist expansion and the discovery of wealth in indigenous lands. The method used was comparative history, where a list of different historical facts is made, but the same in their consequences, in addition to showing the historical role of the operators of law against state omission in different scenarios.

Keywords: Genocide. Indian people. Comparative History. Extremism

Introdução 

A pesquisa tenta mostrar como fatos históricos em sociedades diferentes podem ser replicados com variáveis sociais idênticas e tem o objetivo de mostrar como o poder da comunicação de massa pode levar a manipulação de populações e de pessoas, através de bombardeio de informações imprecisas ou até mesmo falsas para criar um ambiente de polarização que possa desencadear a produção de Leis Positivistas e criar a banalização do mal com criações de bolhas sociais e extremismo. A pesquisa se baseia na coleta de informações orais de diferentes estratos sociais dos grupos dos envolvidos, como também a releitura sob uma perspectiva sociológica da tríade do bem-estar social.

Desenvolvimento: 

1. Guerra de Conquista.

Nas sociedades ocidentais durante a revolução industrial trouxe necessidades crescentes de recursos naturais e humanos, para manutenção do modo de vida capitalista liberal, entretanto os valores culturais e religiosos da sociedade cristã se opõem ao modo de vida coletivista e multirreligioso dos ameríndios das terras do Novo Mundo.

A ideia de salvar almas era recorrente para a escravidão e para o extermínio de populações que resistiam a entregar suas terras milenares para os colonizadores, como os povos Apaches (nativos norte-americanos), ocupantes de extensas áreas da região sudoeste dos Estados Unidos, vítimas de leis de povoamento e extermínio metódico por parte do Estado.

Com a chegada do século XVIII, houve um avanço nas terras indígenas, pressionado pela migração de colonos da Inglaterra e da Europa maioria de religião protestante, base do capitalismo americano, viam as terras indígenas como dádivas de Deus para poder viver em paz, sem perseguições religiosas do velho mundo. Mas a resistência dos povos nativos (selvagens) representava um obstáculo, vale considerar a ideia de superioridade de cultura que havia na época, o desenvolvimento da máquina de vapor e a expansão das ferrovias que afetaria o modo de vida milenar sustentado na natureza com a prática de caça do bisão, pesca e agricultura de subsistência. Equivalente ao modo de vida de nossos indígenas da Amazônia contra os avanços da exploração predatória, o mercantilismo das drogas do sertão e a escravidão forçada aldeias inteiras. A ideia discriminatória, segundo chales Wagley (WAGLEY,195, p.202.) que disse: “Ser índio, ou tapuia, significa baixa posição social, as pessoas descendentes do ameríndio, ao contrário dos negros, não gostam que se mencione sua ascendência indígena...Na sociedade amazônica o índio, muito mais frequentemente que o negro, era o escravo da sociedade colonial. Segundo os europeus, o índio era um selvagem nu, inferior ao escravo africano, mais dispendioso”.

Na América do Norte não era nada diferente ainda acentuou com a expansão das ferrovias para o Oeste, surgiu também uma literatura de heróis americanos que enfrentavam perigosos indígenas com relatos de selvageria por parte dos peles vermelhas, como violentar jovens, canibalismo, dizimar famílias inteiras; havia fatos isolados, mas não representava a verdadeira índole do nativo norte-americano. Isso se manteve mesmo após o extermínio de todas tribos em luta, com filmes em cinemas da glorificação do domínio da conquista do oeste pelos homens bons contra os índios maus.

O binômio de Bem versus Mal são justificativas morais para justificar a carnificina na colonização, infelizmente, vários conflitos indígenas não foram interpretadas de forma igualitária na Suprema Corte Americana, a Ideologia da Integração era o contexto da época. Podemos citar, o caso Cherokee versus Estado da Georgia (1831) “onde o questionamento perante a corte suprema norteamericana, se o Estado da Georgia tinha direito de remover a nação Cherokee de suas terras, mas “o posicionamento foi de que não havia competência para julgar a disputa, pois as tribos indígenas eram nações domésticas dependentes.

Outra vez o positivismo jurídico foi instrumento do Estado para exterminar aqueles que eram considerados não-cidadãos, pois deixou livre o Governo da Georgia para fazer a migração forçada, sem consentimento, de milhares de mulheres, velhos e crianças, numa caminhada a pé para Oklahoma em milhares de quilômetros, em pleno inverno, fato conhecido como “o caminho das lágrimas”, além da morte de 4.000 (quatro mil) nativos norte-americanos mortos no decorrer da jornada por fome e por doenças nos campos militares.

Somente após a Segunda Guerra Mundial, a palavra Genocídio foi desenvolvida pelo jurista polonês Raphael Lemkin, um refugiado judeu que conseguiu asilo no Estados-Unidos. Pois um estado em nome da soberania ou da ordem pública, passa a praticar violações de direitos contra minorias populacionais em relação aos aspectos físicos, biológicos, políticos, sociais, econômicos e religiosos.

Vale ressaltar que foi aprovado na ONU em 1948, uma convenção sobre Genocídios, mas muitos países se recusaram a assinar o compromisso; entre eles, os Estados-Unidos que tinha um passado de extermínio de suas populações nativas. Sabemos que a sociedade estadunidense tem o individualismo como base do “Sonho Americano”, onde a crença que o ser humano poderia conseguir sucesso material baseado na vontade, talento e capacidade individual.

2. Coletivismo versus Individualismo:

Segundo Sartre “mesmo dentro do maior controle político, econômico, educacional ou outro; existe um espaço maior ou menor, para o exercício da liberdade individual, o que faz com que pessoas possam de distinguir uma das outras, através das suas escolhas”.

Daí a possibilidade de integração indígena é utópica, pois se opõe a esse modo de vida individual, já que é uma organização coletivista, ausência de política, sem moeda corrente, religião politeístas baseada em fenômenos naturais. É o etnocentrismo versus ordem e progresso, sendo um dos fatores para se considerar a cultura indígena inferior.

O Genocídio Estatal em nome do progresso mais uma vez ganhou corpo; no

Brasil, especificamente na Ditadura Militar, de 1974 a 1983, grandes obras na

Amazônia serviriam de pretexto para o genocídio praticado pelo regime contra a Nação Atroari, por meio de bombardeio, chacina e destruição de locais sagrados.

O MPF (Ministério Público Federal) em audiência pública realizada em terra atroari, em idioma Karib. Um sobrevivente disse:” já tinha chegado os visitantes de Cananaú e do baixo Alalaú. O pessoal da aldeia do norte estava a caminho. A festa já estava começando, com muita gente reunida” escreve o indigenista Egydio Schwade (CIMI). Ainda relatando: “Pelo meio dia um ronco de avião ou de helicóptero se aproximou. O pessoal saiu da maloca para ver. As crianças estavam todas no pátio para ver o pássaro. O avião derramou como um pó. Todos foram atingidos e morreram”.

Fonte:CIMI-2021(Figura 01 )


 

Se observarmos a tabela temos um número significativo de terras indígenas que estão sem uma definição clara do governo ,quanto à homologação ,na verdade a promessa do Presidente da República foi não homologar e sim ,trazer a prosperidade com a exploração do garimpo.


 

A visão militar positivista retrógrada não alterou mesmo após trinta anos; segundo o jornal O Globo, o vice-presidente Hamilton Mourão, quanto a necessidade de água potável para indígenas, disse o general “que os indígenas não precisam de água potável, já que se abastecem da água dos rios que estão na sua região”. Em Roraima, O Presidente da República também defendeu a exploração de terras indígenas e foi aplaudido por garimpeiros e apoiadores. Ele chamou as reservas-terras da união destinadas aos índios de “Política separatista”. Disse ele:

“Por que, no Brasil, o nosso índio tem de ficar confinado no pedaço de terra”.

Mas o MPF e o STF têm dado mostras de contenção a qualquer pretensão autoritária como na recomendação de “Inclusão dos indígenas em grupos minoritários, para fornecimento de alimentos e produtos de higiene na pandemia do coronavírus”. Outra recomendação “a descentralização de recursos e de licitação para aquisição do material de combate e prevenção ao COVID-19, bem com a distribuição de insumos materiais como testes de PCR e sorologia”.

Sob a história comparada que um método historiográfico de abordagem empírica baseada no resultado comparativo: verossimilhanças em diferentes períodos com fatos sociais idênticos ou condições culturais semelhantes. Se olharmos para o autoritarismo alemão, havia uma anomia na sociedade, algumas obras como a “A garota que roubava livros” mostra o dia a dia do cidadão comum alemão frente as atrocidades do regime.

Já segundo Emile Durkheim “o essencial na história não modifica”, consideramos que a uma intertextualidade de fatos sociais comuns em diferentes sociedades e momentos temporais diferentes.

3.Teoria Cientifica versus Senso Comum:

“A Teoria do Paradigma da Modernidade se sustenta basicamente em três pilares, são elas: a do Mercado (LOCKE), do Estado (HOBBES) e da Comunidade (ROSSEOU), todos sustentariam o progresso e o bem estar social”. Essa era a crença da sociedade democrática alemã em 1933 e não explica a nazificação da população, mas coloca a importância da mídia de comunicação da época, através de redes de rádios e cinemas que conseguem tornar a Alemanha uma bolha social única. A contaminação do positivismo doutrinário jurídico foi uma consequência: “Se está na lei; é legal, deve ser obedecida” tese defendida por muitos juristas alemães.

Se aplicarmos as leis de Física às sociedades usando a analogia de Aristóteles chegaremos a uma concepção da estática da ordem:

Princípio da Inércia: “Se um corpo está inerte, continuará inerte, até uma força exterior colocar esse corpo em movimento”. Se considerar uma democracia um corpo inerte, harmônico, seria um movimento natural de prosperidade.

Princípio do ímpetus: “a ação de uma força ou uma causa determinada que atinge o corpo que produz movimento e sobrepuja a resistência que o meio opõe ao movimento”. Se considerar uma revolução uma força que atinge uma sociedade, essa será transformada de forma continua até levar a ordem ou a destruição. Na visão Aristotélica “todo movimento representa alguma desordem cósmica dependendo do ser no sentido de compensar essa violência, para recuperar sua ordem e uma perturbação do equilíbrio do universo, pois ele é efeito direto da violência ou, pelo contrário, efeito do esforço do ser no sentido de compensar a violência. para recuperar sua ordem e equilíbrio perdidos e perturbados, para recolocar as coisas em seus lugares naturais, lugares onde deviam ficar e permanecer”.

Hoje sabemos que os princípios da física natural se aplicam também a física quântica, espaço e subespaço tem os mesmos princípios matemáticos. Mas a teoria do Caos pode explicar como um evento qualquer pode de maneira se relacionar de com fatos não prováveis, como uma Pandemia na era moderna ou choque de meteorito numa grande cidade.

 

Entretanto sob esse aspecto de inércia traz o pensamento do jurista, Herbert Hart: “enquanto os seres humanos puderem obter cooperação suficiente de alguns para lhes permitir dominar outros, usarão as normas do direito como um de seus instrumentos. Homens maus criarão normas perversas que outros farão cumprir”.

O Direito como agente de instrumentação do estado sempre foi usado contra as minorias como lei de povoamento e leis de segregação racial na américa nortista com o confinamento em áreas improdutivas ou pantanosas, ou a negação ao direito do voto. Já na Alemanha nazista, as leis de sangue tornaram-se instrumento de controle e legitimação ideológica com o lema “Alemanha acima de tudo”, também o positivismo da lei tornou fácil a absorção de advogados, juízes, professores de direito e juristas ao totalitarismo. Daí sem resistência a lei de Nuremberg-Proteção do sangue e honra alemã e a lei da Eugenia-Profilaxia dos descendentes com doenças genéticas que permitia a esterilização à força de doentes mentais, depressivos, epilépticos e alcoólatras graves, acrescidos da autorização do programa de eutanásia a ser aplicados em idosos de idade avançada e crianças especiais.

No entanto, o positivismo jurídico não pode justificar que juízes teriam abdicado de qualquer possibilidade de resistência frente as injustiças atentadas. Há um fator para levar em conta a Alemanha passava por uma transformação econômica, com pleno emprego e a indústria a pleno vapor, da fome e do desespero, via-se uma Alemanha moderna com autoestradas, educação de qualidade, enriquecimento de alemães natos por apropriação de bens judeus, que foram expulsos de todas as atividades comerciais e intelectuais. Então a bolha social de prosperidade foi criada, não havia opositores, comunistas estavam presos ou mortos, a educação militar formou uma geração de soldados, juventude hitlerista, a glória alemã acima de tudo. Pode-se concluir que a elite, a burguesia e as massas eram únicas nos anos que antecederam a guerra, sem sindicatos, com a igreja nacional alemã absorvendo várias denominações protestantes, exceto as Testemunhas de Jeová. Todos apoiavam as ideias do extremista da cervejaria até a bolha furar e a realidade da guerra em solo alemão se fazer presente.

Entretanto, a principal arma de extermínios de povos está na propaganda e na mídia em qualquer sociedade moderna. Hoje temos algoritmos que coletam informações que controlam o consumismo da nossa sociedade, porém podem ser usados para ruir as bases da democracia, como o livro “Como as democracias morrem”, para alguns alarmista no passado e hoje se presencia via Televisão a invasão do símbolo da Democracia Ocidental (Capitólio) e promover o ódio contra populações específicas indígenas, mulheres (feminicídio), homossexuais etc...

Hoje sabemos da riqueza da biodiversidade da Amazônia e sua importância para frear o aquecimento global, os maiores defensores são os indígenas e povos ribeirinhos, a sustentabilidade econômica passa pela defesa pela vida natural dessas comunidades. O MPF em ação de defesa da dignidade humana levou à proteção da comunidade levando esclarecimentos de seus direitos e exigindo a ordem legal para essas populações, como no caso da morte de comunitários e indígenas no rio Abacaxis nas comunidades dos municípios de Nova Olinda do Norte e Borba, numa operação supostamente ilegal de policiais militares, com tortura e morte, cessaram apenas com a intervenção da Policia Federal e PRAM.

 

 

4.Considerações Finais:

Portanto a autonomia do judiciário é necessária para impor restrição para abusos autoritários e salvaguardar direitos fundamentais dos nossos povos nativos ou qualquer minoria étnica-cultural, para minimizar a exposição de riscos de normas inconstitucionais que atentem aos direitos já adquiridos ou avancem em princípios mínimos de civilidade democrática. Entretanto, se olharmos processos históricos de dizimação de etnias diversas, sempre o Poder do Estado estava presente, a justificativa sempre foi o progresso e a ordem, poucos se colocaram opostos a esses interesses. Mas no Brasil muitas instituições se colocam contra um projeto abjeto de negacionismo global, frente omissões de atos de ofício do poder executivo em todas as esferas públicas e sendo necessário um projeto nacional de unificação através da educação em massa da população para plantar a semente de cidadania coletiva.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Referências: 

Genocídio Indígena no EUA. Info escola. Disponível em: www.infoescola.com.

Acesso em dia: 13/01/2021.

 

Portal Transparência do MPF. Disponível em: www.transparência.mpf.mp.br. Acesso em 12/01/2021.

 

KOYRÉ, ALEXANDRE. Estudos de História do Pensamento Científico:1 edição. Brasília/DF: UNB, 1982.

 

SOUZA, MARCIO. História da Amazônia. São Paulo: ed. Record, 2019.

 

KAISER, BRITTANY. Manipulados: Como a Cambridge Analytica e o Facebook invadiram a privacidade de milhões e botaram a democracia em xeque: 1 ed: rio de janeiro. editora: Harper Collins, 2020

 

MOURÃO E BOLSONARO. LIVE: CORONAVIRUS. In.: www.globo.com.br.

Disponível em: website visitado. Acesso em dia 07 de janeiro de 2021.

1 Graduado em Administração Pública pela Universidade Estadual do Amazonas e acadêmico de

Sociologia da UNIP-AM. Integrante do Comitê de Gênero e Raça do MPF/AM. E-mail:[email protected]