Dando continuidade ao artigo anterior, que tratava em linhas gerais sobre a Lei nº 4.591, passa-se a tratar aqui sobre a possibilidade de desistência da incorporação.

 

Hoje, com o grande crescimento do mercado imobiliário, é bastante comum se deparar com o lançamento de diversos empreendimentos, para todos os perfis de públicos. Eventualmente, verifica-se, meses depois, sem qualquer causa aparente, o seu completo desaparecimento.

 

Em um primeiro momento, ventila-se toda sorte de fatores e problemas para o não seguimento da incorporação, inclusive, aos olhos do público em geral, cogitando-se possíveis dificuldades financeiras da incorporadora ou ausência de liberações pelos órgãos reguladores.

 

A incorporação imobiliária é negócio jurídico em que o incorporador, pessoalmente ou por terceiros, obriga-se a construir, para alienação total ou parcial, de edificações ou conjunto de edificações compostas de unidades autônomas, além de transmitir a propriedade dessas unidades aos adquirentes.

 

A lei de Condomínio e Incorporações concede ao incorporador a faculdade de estabelecer um prazo, o chamado Prazo de Carência, para sondar o mercado e tentar viabilizar comercialmente o negócio, desistindo do empreendimento se os resultados forem negativos.

 

Art. 34. O incorporador poderá fixar, para efetivação da incorporação, prazo de carência, dentro do qual lhe é lícito desistir do empreendimento.

 

Mas para tal, deverá declarar antecipadamente e expressamente quando do registro da incorporação no Cartório de Imóveis. Veja o que diz a lei 4591/64:

 

Art. 32. O incorporador somente poderá negociar sobre unidades autônomas após ter arquivado, no cartório competente de Registro de Imóveis, os seguintes documentos: (…)

n) declaração expressa em que se fixe, se houver, o prazo de carência (art. 34);

 

No entanto, em caso algum poderá o prazo de carência, este, improrrogável, ultrapassar o termo final do prazo da validade do registro – 180 dias – ou, se for o caso, de sua revalidação, devendo este ser, necessariamente, se houver, mencionado quando dos documentos preliminares.

 

Art. 12. Fica elevado para 180 (cento e oitenta) dias o prazo de validade de registro da incorporação a que se refere o art. 33 da Lei nº 4.591, de 16 de dezembro de 1964.

 

Em ocorrendo efetivamente a desistência da incorporação, esta deverá ser denunciada, por escrito, ao Registro de Imóveis e comunicada, por escrito, a cada um dos adquirentes ou candidatos à aquisição, sob pena de responsabilidade civil e criminal do incorporador.

 

Ao fim, será averbada no registro da incorporação a desistência, arquivando-se em cartório o respectivo documento.

 

Assim, havendo prazo de carência e considerando não exitoso o empreendimento, o incorporador poderá denunciar a incorporação, comunicando sua desistência aos adquirentes, também por escrito, sob pena de responsabilidade civil.

 

A obrigação patrimonial, por sua vez, consiste na restituição imediata aos adquirentes de todas as importâncias que deles houver recebido durante o prazo de carência, monetariamente corrigidas, da forma que agiu a Ré.

 

Haveria de se falar que eventual cláusula neste sentido seria abusiva, na medida em que sob a luz do Código de Defesa do Consumidor, são nulas as cláusulas contratuais que deixem ao fornecedor a opção de concluir ou não o contrato e as cláusulas que o autorizem a cancelar o contrato unilateralmente, sem que igual direito seja dado ao consumidor.

 

Entretanto, este entendimento não prospera, seja porque, em primeiro lugar, o direito de desistência assegurado ao incorporador tem limites, os quais são estabelecidos pelas condições previamente fixadas em Lei que permitem a desistência, normalmente, tratam-se de circunstâncias relacionadas à comercialização frustrada.

 

Em segundo lugar, porque se a incorporação estiver enfrentando problemas que justifiquem a sua desistência, o adquirente consumidor também é parte interessada nessa desistência, o que pode livrá-lo de participar de uma construção com poucas unidades negociadas, demora na entrega, aumento de custos e necessidade de aportar maiores recursos (no caso de obra pelo regime de administração), entre outros problemas.

 

Sobre o tema, o comentário de Melhim Namem Chalhub na obra Da Incorporação Imobiliária, fls. 59:

 

"A denúncia da incorporação, dentro do prazo de carência, é medida de avaliação da viabilidade do negócio, no contexto do mercado, sendo, portanto, fator de proteção do negócio e de todas as partes que eventualmente nele se envolverem, entre elas os adquirentes."

 

Portanto, o incorporador que estiver com a intenção de consultar e testar o mercado, pode se valer desta faculdade e estabelecer o chamado prazo de carência do qual lhe é lícito desistir do empreendimento, por expressa previsão legal, bem como ante a inexistência de qualquer ato ilícito, ou mesmo abusividade da cláusula que lhe estipula.