Por que estou longe do Natal?

Não sei por que está tão difícil escrever sobre o Natal. Isso sempre pareceu tão natural... Mas às vezes escrever é um parto, talvez tão difícil quanto o de Maria em Belém. Traduzir algo que estamos sentindo, num lirismo puro e melodramático, parece fora de moda, mas, dependendo da situação, se torna boa saída. Dessa vez, porém, prefiro deixar a Musa um pouco de lado e recorrer à narração, a algo mais cotidiano e menos idealizado.
É complicado, para narradores pequenos como eu, falar de algo que não se está vivenciando, experimentando, acompanhando de perto... O distanciamento é próprio dos mestres da arte, é um trunfo que eu não tenho.
Por que estou longe do Natal? Perguntinha complicada de responder, mas vou batalhar por essa resposta, pelejar como José para encontrar um cantinho para seu filho nascer (já que naquela época não existia nem hospital do SUS)...Nesse momento amo o texto como se fosse um filho.
Na verdade, diante do calendário (que se aproxima a passos cada vez mais largos do aniversário de Cristo) eu pareço seguir no sentido inverso. Por isso não quero cantar essa data em verso e tento em prosa.
A vida parece caminhar rápido demais, as exigências são cada vez maiores em relação a dinheiro, prestígio, poder (não necessariamente nessa ordem), os valores monetários ocupam o lugar dos necessários...Enfim, essa coisa louca que se chama século XXI acaba nos pegando, fazendo com que, em vez de nós construirmos a história, é ela que, de maneira cruel, toma as rédeas e nos comanda. Aliás, por falar em rédeas, o homem de hoje não pensa como Jesus, que entrou em Jerusalém num jumentinho. No ritmo em que estamos, só dá pra cavalgar se o cavalo for de corrida (e dos bons). Em tudo há competição, até para se mostrar mais solidário que o outro.
Talvez o problema maior se resuma numa frase escrita há pouco: o homem de hoje não pensa como Jesus. Por sinal, muitas vezes nem quer pensar. "Ele é um cara muito bacana, salvou a humanidade, mas já deu o que tinha que dar!" ? pensamos nós muitas vezes. A sociedade não dá mais espaço pra ele aqui embaixo, tanto que o chama de "cara lá de cima". O respeito por seu nome, como o pelos outros nomes, se perdeu, tanto que políticos oram dando graças pelas propinas e freqüentam templos religiosos, como fariseus contemporâneos. Nos indignamos, mas muitas vezes não fazemos a nossa parte. Não conversamos com ele quase nunca, só quando o calo aperta ou aos quarenta e sete do segundo tempo, quando, cansados, estamos quase deixando o campo dessa vida e queremos descanso num vestiário confortável. O próprio conforto que buscamos (o material) nunca foi pregado por ele, tanto que seu berço era de palha (a vantagem é que os bichinhos do berço dele eram de verdade e não de plástico).
Agora, o Natal propriamente dito: quando deveríamos "cantar parabéns", "apagar as velinhas" e agradecer por sua vida, nós preferimos só nos empanturrar, embebedar, contar piadas sem-graça e outras asneiras (isso não é ruim, mas a ocasião não pede). Lembramos do amigo-oculto, mas o amigo mais presente fica um pouco esquecido. Por falar em presente, os três reis magos deram ouro, incenso e mirra ao menino recém-nascido, ao messias. Podemos presenteá-lo todo dia, sendo mais humanos, mas temos preferido ser mais animais, mais "instinto selvagem". Podemos amar mais as pessoas, mas optamos por encará-las como as meias que ganhamos daquela tia e deixamos no fundo da gaveta. Podemos desfrutar essa vida conscientes de que ela não acaba quando termina, mas pensamos ser melhor curtir adoidado e sem responsabilidade.
A maior sorte é que ainda dá pra mudar, tomar outro rumo e seguir a estrela. Aí, sim, eu vou conseguir dizer que estou próximo do Natal, na mesma sintonia que o relógio e o calendário. Talvez fique fácil falar sobre o Natal.