Por acaso

Nos encontramos por acaso, bendito acaso, que fez com que depois de tantos anos nos víssemos novamente, na mesma livraria que sempre frequentamos.

Eu a vi primeiro, e emocionada aproximei-me dela e chamei-a. Ao reconhecer-me, abriu aquele sorriso cativante de sempre. Não fosse pelo seu olhar enigmático, eu diria que ela não tinha mudado nada.

Conversamos como se nunca tivéssemos deixado de nos ver. Recordamos nosso tempo de faculdade e rimos muito, lembrando daquele tempo feliz, onde nossas responsabilidades se limitavam a tirar boas notas, não ficar em dependência em nenhuma matéria, etc. e tal.

Bons tempos, falamos a uma só voz, como sempre acontecia conosco.

Conversa vai, conversa vem, sempre falando de banalidades, perguntei como estava sua vida.

A minha vida? Como a vida de todos nós, uns dias de um céu azul de brigadeiro, outros dias nublados, outros com alguma trovoada... Assim.

Mas falando sério, não gosto de falar de minha vida. Já faz algum tempo que só falo dos meus problemas, dúvidas, tristezas, mágoas, alegrias, conquistas, só para mim, disse-me ela.

Para ninguém mais.Vivo sozinha com meus pensamentos. Falo comigo e procuro ser o mais sincera possível. Separo o joio do trigo. Desnudo-me. Eu sei quem sou. Conheço meus defeitos, minhas qualidades, e sou a melhor ouvinte que eu poderia ter. Aquela que não passa adiante os meus desabafos.

Cansei de procurar alguém que me ouvisse, sem julgar, sem ter um meio sorriso indicativo de melhor que seja com você. Sem ter pressa de que a conversa acabe, para dividi-la com alguém que a dividirá também, numa cadeia sucessiva de interpretações errôneas e suposições.

Afinal, quem mais sabe de mim sou eu. Passei a não ver, nem ouvir nada, além de tudo que vejo e ouço. E guardar só para mim, protagonista que sou do teatro da vida. Da minha vida.

Cada vez mais entendo que as palavras uma vez ditas, pertencem a quem as ouve.

Verdade maior!

O não dize-las, faz com que eu tenha o controle de tudo que a mim acontece, embora muitas vezes elas teimem em sair e quase consigam. Engulo-as. Coloco-as novamente no lugar de onde nunca deveriam ter saído.

Muitos me dizem que ao agir assim, adoeço. Será? Será que pelo fato de viver a minha vida sem dividi-la com ninguém adoecerei? Como se possível fosse...

A vida mostrou-me que o melhor caminho para viver em paz, para não me preocupar com os olhos que seguem meus passos, é saber o que desejo para minha vida.

Se estou certa, ou errada? Não sei. O que você pensa a respeito?

Eu? Que as decisões são pessoais, e mais emocionais do que lógicas. Ou não?

E assim encerramos nosso bate papo, deixando ao acaso a possibilidades de nos vermos novamente.