TÍTULO: Pontuações formativas: o antes e o agora de um ALUNO-PROFESSOR de Artes

TITLE:  FORMATIVE SCORES: THE BEFORE AND THE NOW OF AN ARTS STUDENT TEACHER

 

RESUMO: Arte, teatro e educação: um entrelaçar de ideias e conteúdos que se misturam na tentativa de verificar-se na prática o que a teoria e a observação dizem. Aqui, um pequeno recorte num momento da vida de um aluno-professor de Arte em contato com uma fagulha de conhecimento no campo específico das Artes da Cena. Um relato de mudanças significativas na práxis do professor como um processo cujo ponto inicial é a teoria, que se associa à prática como prova da mudança necessária. E sem ponto-final.

PALAVRAS-CHAVE: Educação. Teatro. Artes. Relato de experiência.

 

ABSTRACT: Art, theater and education: an intertwining of mixed ideas and contents aiming at turning theory and observation into practice. In this very paper, we will select a frame in order to analyze it: an Arts student, who happens to be also an Arts teacher as well. Gazing at this fragment of his life, he deals with knowledge on a specific field of study, called Art on Stage. A report on significant changes on the praxis of such teacher, a praxis seen as a process with a starting point: theory itself, which is associated with endless practice as proof of a necessary turning point.

 

KEYWORDS:  Education. Theater. Arts. Experience report.

 

 

Pontuar um texto é conduzir o modo de o leitor acompanhar as ideias do autor. É usar cada ponto em favor do que se quer dizer. Neste relato, a cada sinal de pontuação, apresenta-se um momento a experiência vivenciada. Trata-se de um entender-se. De um encontro. Comigo. Com os outros. Com autores, textos e ideias. Um crescimento. Um relato que não se esgota. São partes de um processo que, felizmente, não tem ponto final. Nem terá.

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 Artes. Teatro. Educação. Três palavras. Três conceitos que se cruzam na minha prática profissional. Às vezes, docente. Outras vezes como artista, ator-amador. Como sou da área de Linguagem, recorro ao dicionário a fim de conceituar cada uma delas. Eis o que encontro procurando a etimologia dessas três palavras:

Arte – do latim ars, artis, a partir de uma raiz grega em téchne. Sentido: habilidade adquirida, oposta às concedidas pela natureza e ao conhecimento rigoroso da realidade, feito pela ciência (scentia); 

Educação – do latim educativo associado ao verbo educāre (educar), com raiz em educere (orientar ou conduzir). Sentido: promover o desenvolvimento intelectual e cultural do indivíduo e, ao mesmo tempo, incentivar a aprendizagem de conhecimentos e habilidades.

Teatro – do latim theātrum (e do grego théatron). Sentido: o espaço de apreciação ou observação. Também é associado ao verbo théaomai (contemplar) e ao ser desmembrado temos "theá" (visão) e "-tron" (como o espaço que cobra protagonismo).

A leitura desses sentidos foi trazendo questões para mim: Que relações eu estabeleço entre essas palavras? Como estão inseridas no meu modo de atuar como professor? Que aproximações e distanciamentos eu percebo em minha prática?

Antes de tentar responder a essas e outras questões, preciso dizer que minha formação é Licenciatura em Letras/Literatura e em Artes Visuais e tenho também algumas experiências em teatro, por atuar como ator-amador por cinco anos no grupo de teatro “Se der jeito a gente faz”. Curioso, leitor, escritor, com alguma pretensão a artista, me vejo sempre envolvido com algo nesse vasto campo: visita a espaços, museus, teatro, cinema, literatura, bate papo... enfim: um universo de inserções que me movem e me fazem pensar.

Estou há dez anos lecionando Língua Portuguesa, Literatura e Artes para alunos do Instituto Federal do Espírito Santo, campus Cachoeiro de Itapemirim – uma nova etapa nestes 32 anos como professor. Tudo indo exatamente como deve ser. E eu pensando e agindo com essas palavras como sempre agi: sou professor (estou na educação), leciono Artes (faz parte de minha formação) e fiz teatro (tenho algo a oferecer aos alunos). Mas, como tudo na vida tem um mas, eu me aventuro pelos estudos no mestrado em Artes da Cena na Escola Superior de Artes Célia Helena. E é aí que se desencadeia um processo em mim e que se reverbera em minhas aulas.

Um processo que buscou (ainda busca), mais que associar, compreender as relações entre arte-educação-teatro de fato, tendo em foco o poder que a arte e o teatro têm em educar o indivíduo. Uma educação estética, ética e solidária, conforme fui descobrindo com os demais estudos.

 

 

Durante os estudos na primeira disciplina do mestrado em Artes da Cena - Poéticas da Cena: deslocamentos e fronteiras – tive contato com autores dos quais já tinha ouvido falar (Augusto Boal) e estudado em outro momento (Paulo Freire) e outro que desconhecia completamente a existência (Viola Spolin). E fui lendo, estudando. E, a cada leitura e aprendizado, algumas questões passaram a povoar e incomodar a minha cabeça de professor de arte: Que tipo de professor eu sou? Qual a educação que oferto aos meus alunos? Com que objetivo faço o que faço em aulas de arte – principalmente quando o assunto é teatro?

E esse processo me fez tentar a mudança. Paulatinamente, pois que algumas pistas para tais inquietações foram se tornando visíveis com as leituras. Foram as ideias fomentadas por Paulo Freire e Augusto Boal – principalmente no auso do adjetivo oprimido associado por eles à pedagogia e ao teatro, respectivamente – que se deu meu primeiro insight. Porque ambos tratam de um mesmo conceito em suas obras: o conceito de educação. 

Para o educador brasileiro, Paulo Freire, as formas tradicionais de educação, nomeadas por ele de “bancárias” precisam ser alteradas para uma educação embasada na ética, no respeito, na dignidade e na autonomia do educando, pois “ensinar não é transferir conhecimento, mas criar possibilidades para a sua produção ou construção” (FREIRE, 2002, p.47). Daí vem sua proposta de uma educação libertadora, que procura educar o homem na ação e na reflexão acerca do mundo. Uma educação problematizadora, em que 

[...] já não pode ser o ato de depositar, ou de narrar, ou de transferir, ou de transmitir “conhecimentos” e valores aos educandos, meros pacientes, à maneira da educação “bancária”, mas um ato cognoscente. [...] (FREIRE, 1987, p. 68) (grifos do autor).

Além disso, Freire trabalha o conceito de educação como um ato solidário entre professor aluno, porque ninguém educa ninguém, ninguém educa a si mesmo. Na verdade, “os homens se educam entre si, mediatizados pelo mundo” (FREIRE, 1987).

O dramaturgo brasileiro, Augusto Boal, que na década de 1970 desenvolveu suas ideias acerca do teatro, aproximando-se de Paulo Freire, defendendo o exercício do teatro muito próximo de uma prática educativa. Principalmente no livro Teatro do Oprimido e outras poéticas políticas (2019) em que o teatro é visto como uma das possibilidades de tranformação da realidade, quando o espectador deixa de ser passivo e se torna sujeito da ação. Percebe-se que  teatro não é apenas entretenimento. Na verdade, é muito mais que isso: é um instrumento político capaz de promover reflexão a fim de transformar a realidade. Assim, ao roteirizar os problemas sociais e políticos pelos quais passa o público, levando-os para o centro da discussão política desses problemas a fim de pensar em possíveis ações coletivas.

De forma muito sintética, Boal afirma que no Teatro do Oprimido

[...] se destrói a barreira entre atores e espectadores: todos devem representar, todos devem protagonizar as necessárias transformações da sociedade, destrói-se a barreira entre os protagonistas e o coro: todos devem ser, ao mesmo tempo, coro e protagonistas. (BOAL, 2005, p. 12)

Na verdade, é um teatro libertação do oprimido que é feito a partir das propostas de apresentação criadas por ele, tais quais o Teatro-Fórum, o Teatro-Imagem, o Teatro-Invisível, entre outros. Para ele, em relação ao poder da arte, quando, por exemplo, alguém transforma palavras e barro em poesia e escultura, são também transformados pelas suas obras. Do mesmo modo que quando as relações sociais e humanas são transformadas em cena de teatro, ator e público transformam-se em cidadão.

Em Improvisação para o Teatro, Viola Spolin afirma de pronto que “Todas as pessoas são capazes de atuar no palco. Todas as pessoas são capazes de improvisar.” (VIOLA, 2010). E para além disso, defende a importância de experienciar, cujo sentido explica que é

[...] penetrar no ambiente, envolver-se total e organicamente com ele. Isto significa envolvimento em todos os níveis: intelectual, físico e intuitivo. Dos três, o intuitivo, que é o mais vital para a aprendizagem, é negligenciado. (SPOLIN, 2010, p.3)

Para ela, as experiências com os jogos teatrais ajudam o indivíduo a jogar e a compreender seu valor no palco. Tudo é resultado do experienciar. E, ainda discute os sentidos de talento e intuição como não sendo qualidades natas do indivíduo. São resultado da experiência criativa, dos exercícios, das experiências que propiciam que ele alcance o desenvolvimento de sua personalidade, resultando na espontaneidade que pode libertá-lo de suas antigas referências.

Não importa se o indivíduo tem ou não talento, porque, desde que passe por um processo orientado, qualquer um pode ser ensinado a atuar num palco e pode também apropriar-se das técnicas teatrais trabalhadas, tornando-as intuitivas. E ela mesma apresenta e orienta no livro, como uma espécie de manual, como aplicar os jogos de improvisação, cujo objetivo é trabalhar a espontaneidade que, segundo ela, “cria uma explosão que por um momento nos liberta de quadros de referências estáticos” (SPOLIN, 2010).

Para esse trabalho com a espontaneidade considera a importância de se ter um ambiente propício, em que a pessoa possa se ver livre para experienciar. E considera sete aspectos relevantes nesse processo: (1) o jogo enquanto forma natural de atividade coletiva; (2) a liberdade pessoal em face da aprovação ou desaprovação; (3) a expressão e o relacionamento do grupo de forma saudável; (4) a plateia como parte concreta do treinamento teatral; (5) as técnicas não são artifícios mecânicos; (6) a transposição do processo de aprendizagem para a vida diária e (7) a fisicalização, ou seja, a realidade só pode ser física. (SPOLIN, 2010)

Além disso, em sua obra apresenta os procedimentos a serem realizados nas oficinas de trabalho com a improvisação, como “passos planejados de um sistema de ensino, que é um procedimento cumulativo” (SPOLIN, 2010), como aprender a andar. Mas é preciso que o professor não os use como um sistema, aplicando-os de forma que apontem caminhos, moldem e regulem o trabalho e, ao mesmo tempo, remodele os envolvidos. 

Também explica quais elementos devem ser discutidos com o grupo – tais como conceitos de técnica de solução de problemas, de ponto de concentração e do modo de avaliar – e quais competem ao professor: fazer a composição dos times de forma aleatória (por sorteio) e dar as instruções de forma rápida e simples, quando o jogador está em ação.

Tudo isso me fez revisar meus conceitos cristalizados, tirando-me da zona de conforto. Mais que isso:  sinalizou o caminho para que tipo de professor de artes – teatro eu quero ser. Aliás, eu quero não. Eu preciso ser.

 

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 Munido desse arsenal e de outros, numa constante leitura-assimilação-aprendizagem-contextualização na prática, senti-me tentado a experimentá-las e verificar se a mudança poderia ser tão significativa quanto pensava. E o primeiro passo foi aceitar que antes, as aulas de Artes sobre teatro eram planejadas tendo uma base quase que intuitiva, apoiada em meus conhecimentos enquanto ator, minhas curiosidades em pesquisar e participar e assistir a espetáculos de teatro, bem como dos conteúdos relativos ao assunto teatro constantes nos livros didático de Artes ofertados pelo Governo Federal aos alunos. Muitas atividades eram feitas empiricamente, e por não terem aporte teórico, surtiam efeito, mas não resultados. 

Para concretizar isso, fiz essa experimentação no IFES, entre agosto - outubro de 2019, tendo como sujeitos eu mesmo e meus alunos dos cursos Técnicos em Eletromecânica (2º ano) e Informática (4º ano) integrados ao Ensino Médio. E decidi fazer isso, em um passo a passo, acompanhando as aulas teóricas e práticas, os relatos verbais de alunos nas aulas, as minhas anotações de aulas de teatro de anos anteriores e, também, pela aplicação de questionário de auto avaliação no fim do bimestre.

As aulas foram devidamente planejadas como sempre foram, mas agora com focos direcionados para os objetivos de cada jogo/atividades. A princípio busquei verificar se a afirmativa de Viola Spolin de que todos podem atuar é verdadeira. Por que esse primeiro ponto? Porque dentre os alunos das duas turmas estavam os que eu considerava que tinham “dom, talento” para teatro, os que gostavam de teatro, os que fizeram ou faziam teatro, e os que não fizeram e não fariam teatro devido à timidez, ou ao medo do julgamento dos demais. Além disso, as aulas tinham como objetivo promover uma maior integração entre os alunos e potencializar sua participação nas aulas.

Dentre as atividades testadas incluem-se:

  1. Os exercícios de aquecimento: importantes para colocar o aluno dentro dos jogos em geral. Foram usados como aquecimento: movimentações corporais (caminhar, andar em câmera-lenta, alongar-se), exercícios vocais (cantigas de roda, trava-línguas, jogos de memorização), de escuta (Floresta dos sons), de observação (Jogo do espelho), entre outros.
  2. Os jogos aplicados a partir do Manual de Viola: Quem começou o movimento? (pág. 61); Ouvindo os sons do ambiente (pág. 51); Exercício do espelho n. 1 (pág.55); Quem é o espelho? (pág. 55)
  3. Os exercícios propostos por Boal: A máquina, Teatro-Fórum, Teatro-imagem.
  4. Os jogos teatrais dentro da minha prática: ouvindo uma música fazer exercícios de movimentação livre com o corpo e exercícios de movimento livre  em relação ao outro; duplas, de frente um para o outro, pensar uma palavra e dar um passo à frente e dizer para o outros (com amor, com raiva, com fome...), acrescentar um gesto e repetir o movimento e a fala; exercícios de criação de cenas em forma de pantomima; criação em grupo de cena estática (imagem) e os grupos seguintes devem produzir as sequências da cena; exercícios de musicalização acompanhados de gestos e movimentos, entre outros.

Durante o período de observação, cada aula seguiu um roteiro básico: atividade de aquecimento, orientação sobre o jogo, realização do jogo, análise comentada do jogo e suas intersecções com a teoria.

Nas primeiras aulas pude perceber que os jogos de improvisação orientados conforme Spolin apresenta em seu livro funcionam muito bem. Improvisar incendiou os alunos que se envolviam com muita vontade em cada jogo, fazendo-os querer mais. Como forma de exemplificar, relato dois dos jogos que mais instigaram os alunos:

1. Jogo: No ônibus - Orientações: os alunos no início da aula escrevem uma frase curta em papeis. O professor recolhe e faz um sorteio das frases entre eles. Na sequência, dois voluntários criam uma cena a partir de um contexto (Ex. No ponto de ônibus). Na cena precisam conduzir o diálogo a fim de falar a frase sorteada exatamente como foi escrita, de modo contextualizado e coerente. Quem fala sua frase, levanta a mão e sai. O que fica, faz dupla com outro voluntário. Novo contexto se dá (briga de casal, loja de roupas, festa...) e o jogo continua até que todos tenham feito a cena e dito suas falas.

2. Jogo: Tradução e legenda - Orientações: os alunos sentados, convidam-se dois voluntários que precisam criar uma cena com o seguinte contexto: um extraterrestre (voluntário 1) veio à Terra para falar sobre a importância de cuidar do planeta, mas o seu idioma só um intérprete (voluntário 2) é capaz de traduzir em palavras o que o outro diz (lendo os tons de voz, os gestos, as expressões faciais). A cena se faz até o objetivo ser atingido. Algumas variações foram feitas nos contextos, por exemplo o adestrador de animais que consegue traduzir os latidos do seu cão (um é o cão e o outro o adestrador), entre outros.

Ficou claro para mim o que Viola afirma no sentido de que o improvisar gera dádivas no momento de espontaneidade, pois os alunos se sentem livres, dispostos a atuar e se inter-relacionar. Isso lhes dá a capacidade de perceber as constantes transformações no mundo. Além disso, a espontaneidade cria uma explosão que nos liberta de quadros estáticos, que são a referência de nossa memória sufocada (SPOLIN, 2010, p.4).

 

 

Entre os meios utilizados para averiguar se as novas aulas estavam funcionando melhor que as anteriores, recorri às anotações de aulas em que os alunos manifestaram sua avaliação em relação a elas.  Dentre as tantas colhidas, estão relatos como “Professor, você se supera a cada aula!” quando se tratava das aulas de jogos de improvisação, vistos como desafios, conforme afirmou outro “Esses exercícios de improvisação são muito bons, ajudam a gente a ser mais esperto.”  Além disso, “Com a improvisação eu aprendi a ouvir, a me expressar, a deixar um pouco a timidez de lado.” Confesso que em dez anos de aula de Artes nunca ouvi tais frases, apesar de as aulas serem consideradas boas, interessantes e divertidas.

Para fechar o bimestre foi aplicado um questionário para que alunos se avaliassem e também o processo das aulas. Entre os pontos mais importantes, destacam-se nas respostas dos 64 alunos:

a) Quanto à aquisição de conhecimentos que adquiriram e compreenderam todos os conhecimentos básicos e ainda outros, não tendo dificuldade em os utilizar em novas situações (64%);

b) Quanto à participação individual afirmaram que participaram sempre dos jogos e das atividades de forma voluntária (60%);

c) Quanto ao empenho e perseverança nos jogos que se concentraram nos jogos e têm espírito criativo (39%);

d) Quanto à contribuição dos jogos para suas vidas, consideraram que ajudaram: a explorar a sua criatividade (72%), a relaxar, divertir-me enquanto aprende (69%), a valorizar o trabalho do artista no palco (64%), a ter consciência dos meus potenciais e das minhas fragilidades. (50%) e a ampliar o meu olhar sobre o teatro (60%).

Certo que o questionário foi feito de forma simples e direta com o objetivo de avaliação, mas foi importante para colher suas impressões acerca da importância dos jogos teatrais e apontar onde estão os erros e os acertos dessa experiência.

Após responder ao questionário, em que os alunos se deram uma pontuação (de 1 a 5 pontos), havia um espaço para suas observações em relação ao bimestre. Dentre elas, destacaram-se:

Sobre os jogos de improvisação: “Os exercícios de improviso foram os que mais achei interessante e gostaria de fazer mais vezes”, “As atividades são muito boas para destravar a criatividade”, “Adorei o método de aula, foi o bimestre que mais aprendi”, “Adoro as aulas, sempre explorando a criatividade de forma dinâmica”, “Foi muito intrigante a dinâmica de improvisação, explorando a criatividade dos alunos”;

Sobre motivação: “Todos os exercícios foram muito legais e bem trabalhados, nunca senti tanta vontade de ter aulas de Artes quanto nesse bimestre”, “Continue com essa didática, adorei a forma de aprendizado leve e objetiva, de forma descontraída”;

Sobre aprendizado: “Aprendi muito observando os outros improvisando”, “Aprendi muito e além de amar as dinâmicas propostas, elas contribuíram bastante pra reforçar alguns conhecimentos prévios e pesquisas”, “As aulas foram muito dinâmicas e cheias de conteúdos que poderão também ser utilizados em outras áreas”;

Sobre superação: “Esse bimestre foi importante para desenvolvermos o trabalho em equipe, a memorização e criatividade, além de nos possibilitar ir além da teoria e chegar até a prática, que nos faz superarmos nossos próprios limites e desafios”, “percebi uma mudança considerada grande a partir das aulas”;

Ao analisar as respostas, fiquei bastante satisfeito porque elas me provaram que o caminho é esse, apesar de estar nos primeiros passos. E mais que isso, pude verificar que os jogos formulados pelos autores estudados, embora aplicados para alunos de uma escola de curso técnico profissionalizante, ou seja, para não-atores e dentro de um contexto diverso, funcionam perfeita e plenamente. E mais: atendem plenamente aos dois envolvidos no processo, pois professor e alunos aprendem e ensinam de forma colaborativa. Ou como afirma Paulo Freire, para que a educação problematizadora rompa de vez com a bancária e realize-se como prática da liberdade, precisa ser no diálogo, pois

É através deste que se opera a superação de que resulta um termo novo: não mais educador do educando, mas educador-educando com educando-educador.

Desta maneira, o educador já não é o que apenas educa, mas o que enquanto educa, é educado, em diálogo com o educando que, ao ser educado também se educa. Ambos assim, se tornam sujeitos do processo em que crescem juntos... (FREIRE, p.78)

Por ser uma experimentação nova tanto para mim quanto para os alunos, senti-me exatamente nesse processo descrito por Freire, enquanto dirigia e organizava as aulas de modo que estávamos todos no mesmo processo de ensinar e aprender. Sem hierarquias.

 

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 Todo esse percurso, me fez pensar e analisar como a mudança de paradigma, foi importante. E, além disso, significativas a ponto de promover a revisão de uma prática de aulas que eu considerava “boas”, porque me atendiam e das quais os alunos gostavam. Mas, no processo de experimentar as ideias e formas de trabalhar com o teatro, percebi o quanto elas poderiam e deveriam melhorar.

Como resultado dessas reflexões, produzi o seguinte quadro comparativo entre as aulas pretéritas e presentes:

   

Assim eram

Assim estão

1

Aulas

Planejadas em técnicas e exercícios de teatro a serem aplicados para fazer e conhecer;

Planejadas para além da técnica, importando o que se aprende com a técnica e suas aplicações;

2

Conteúdos

Centrados na apresentação-exposição dialogada sobre teatro (história, tipos, exercícios gerais) e dança (movimento, gesto, ritmo); 

Abordados juntamente com os exercícios e jogos aplicados, contextualizados;

3

Objetivos

Conhecer teatro, exercitar e apresentar cenas e textos para demonstrar as técnicas e exercícios realizados;

Explorar os jogos teatrais  de improvisação e outros do Teatro do Oprimido como forma de conhecer e explorar ao máximo o potencial de cada aluno no palco e na vida;

4

Avaliações 

Pautadas em frequência, participação e autoavaliação de modo geral e ao final do bimestre.

Além da frequência e da participação, os alunos são orientados em avaliar-se em relação a sua aprendizagem e evolução com os exercícios, ao longo do bimestre.  

5

Local

Aulas teóricas e práticas realizadas dentro da sala de aula, com alguns exercícios fora da sala.

As aulas iniciam-se dentro da sala ou já no pátio aberto, associando teoria e prática.

Quadro-comparativo, fonte do autor

Creio que a leitura desse quadro aponta com clareza como as mudanças foram incorporadas nessa experimentação. Com isso, pude perceber de que forma fui passando de um professor “intuitivo” para um professor mais pesquisador e apoiado nos suportes teóricos (assim como já fera feito nas outras disciplinas).

(

 

Após a experimentação e o registro dela em forma de texto, é preciso pensar na relevância de tal exercício. E só a produção desse texto já é capaz de mostrar o quão importante foi vivenciar isso. Aqui certamente percebo o reafirmo a necessidade de buscar conhecimento e de aplicá-lo. Não deixar estagnado, sem gerar frutos.

Parece-me muito claro agora o que Clarice Lispector afirma ao dizer “renda-se, como eu me rendi. Mergulhe no que você não conhece como eu mergulhei.” É um impulso que pode levar a descobertas incríveis. E como esses conceitos aplicados em sala, orientados corretamente podem cumprir a função do teatro – não apenas como arte, mas, e principalmente, como educação. 

Claro está que não é o fim. É um início, uma tentativa de aliar teoria e prática, de satisfazer um pouco meu desejo aguçado de aprender. Espero que esse relato, simples, intenso possa influenciar outros professores a tentar a mudança, a experienciar, a fazer de sua função educativa um exercício prático de cidadania, de libertação. De tentar, por meio da Arte, não apenas conhecer a realidade, mas transformá-la ao nosso feitio, conforme idealizaram e defenderam Paulo Freire e Augusto Boal.

 

 

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AUDI, Sérgio. A importância da arte em uma educação emancipadora. Olhares. Revista da Escola Superior de Artes Célia Helena, v.6, 2018, p. 60 a 67.

BOAL, Augusto. Teatro do Oprimido e outras poéticas políticas. 1.ed. São Paulo: Editora 34, 2019.

FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido.  17.ed. São Paulo: Paz e Terra, 1987.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. 25.ed. São Paulo: Paz e Terra, 2013, p.12-35

SPOLIN, Viola. Improvisação para o Teatro. 5. ed. São Paulo: Perspectiva, 2010.