IVANILDA ALVES DE SOUZA

ANA DE SOUZA CELESTINO SILVA SANTOS  

Historicamente já tivemos muitas concepções de infância. Basta olharmos a literatura e as imagens das crianças ao longo dos tempos. Compreender a infância enquanto categoria social implica considerá-la enquanto produtora de cultura. “As culturas infantis assentam nos modos de vida das crianças e estes se caracterizam pela heterogeneidade produzindo, assim, não uma cultura de infância, mas o caráter plural dos sistemas simbólicos.” (SANTA CATARINA, p.50, 2005).

Portanto, não se pode pensar em uma única infância, pois esta reflete as variações da cultura humana, sendo que numa mesma sociedade existem e são construídas diferentes infâncias. Esse é o resultado da variação das condições sociais em que as crianças vivem. A criança não é um ser isolado, ela se constitui nas relações sociais, nos mais diferentes tempos e espaços presentes em sua vida, e essas vivências e convivências culturais e sociais, dependem do tempo histórico em que se situam as crianças e mudam de cultura para cultura.

O conceito de infância sofreu muitas mudanças desde o seu surgimento no século XII, onde a infância era apenas uma fase de transição, sem importância, e as crianças não eram reconhecidas como seres de sentimentos e ações, não havia lugar para as crianças nesse mundo, eram caracterizadas como homens em miniatura, ou seja, era um mundo de representações onde a infância era desconhecida. (ÁRIES, 1981, p. 51).

A análise das modificações dos significados relacionados a infância tem sido realizada à luz das mudanças ocorridas nas formas de organização da sociedade, o que contribui para uma maior compreensão do contexto infantil no presente (KRAMER, 1995). O conceito de infância é uma construção histórico-social que se desenvolveu ao longo de um período extenso da história, juntamente com transformações sociais, culturais, políticas e econômicas. Este não se desenvolveu ao mesmo tempo e nem do mesmo modo em todos os lugares, pois uma sociedade possui diferentes classes sociais e culturais com concepções e necessidades de vida diferentes.

Na época anterior ao nascimento do conceito de infância, na sociedade feudal, a infância era considerada uma fase de transição rápida e sem importância, que logo seria superada. Naquele período também havia um alto índice de mortalidade infantil como consequência de pestes e condições precárias de higiene (KRAMER, 1995).

Foi então, por volta do século XVI, com as grandes mudanças nas formas de organização da estrutura social e econômica que marcaram o período de transição entre feudalismo e capitalismo, que nasceu o conceito de infância, denominado por Áries (1981), “paparicação” e a “moralização”. Assim,

 

O sentimento de infância resulta, pois numa dupla atitude com relação à criança: preserva - lá da corrupção do meio, mantendo sua inocência e fortalecê-la, desenvolvendo seu caráter e sua razão. Considera-se a partir desse conceito, que todas as crianças são iguais (conceito único) correspondendo a um ideal de criança abstrata, mas que se concretiza na criança burguesa. ( KRAMER, 1995, p. 18).

 

No primeiro conceito, denominado de “paparicação”, a criança era vista pela sua ingenuidade, um olhar mais familiar, como alguém que precisava de cuidados e proteção de sua família. No segundo conceito denominado de “moralização”, a criança era vista como um ser incompleto que precisava ser educada pelo adulto.

Para Áries (1981), o sentimento/conceito de infância não significa afeição pelas crianças, corresponde à consciência das particularidades infantis, que distingue do adulto, mesmo jovem. E para Kramer (1995, p. 15),“entende-se, comumente, criança por oposição ao adulto: oposição estabelecida pela falta de idade ou de maturidade e de adequada interação social” . Entretanto, a definição deste limite está longe de ser simples, pois o fator idade, está associado e determinando os papéis e desempenhos específicos. E esses desempenhos dependem estreitamente da classe social em que está inserida a criança. Sua participação no processo produtivo, o tempo de escolarização, o processo de socialização no interior da família e da comunidade, as atividades cotidianas (das brincadeiras a tarefas assumidas) se diferenciam segundo a posição da criança e de sua família na estrutura socioeconômica.

De acordo com Brasil (1998, p.21):

 

A criança tem na família, biológica ou não, um ponto de referência fundamental, apesar da multiplicidade de interações sociais que estabelece com outras instituições sociais. As crianças possuem uma natureza singular, que as caracteriza como seres que sentem e pensam o mundo de um jeito muito próprio.

 

Hoje, a definição do período da vida designado à criança, é de até doze anos de idade, segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente. Quando se trata de determinar as “idades” da infância, não há consenso nem mesmo nas legislações, pois esta concepção muda de acordo com os diferentes tipos de sociedade, culturas, comunidades, e pode mudar até mesmo no interior de uma mesma família.

Sarmento e Pinto (1997 apud SANTA CATARINA, 2005, p.45), esclarecem que:

 

Considerando que esta categoria social se estabelece por efeito exclusivo da idade (e não da posição social, da cultura ou do gênero), podemos considerar que o estabelecimento desses limites é uma questão de disputa política e social, sendo indiferente ao contexto em que se coloca, nem ao espaço ou ao tempo da sua colocação.

 

Numa concepção de infância atual, é preciso considerar a diversidade de aspectos sociais, culturais e políticos, principalmente para os educadores e educadoras contemporâneos, que necessitam ter uma visão ampla, como compreender que as crianças são sujeitos sociais e históricos, cidadãos que possuem direitos e deveres e que produzem culturas e nela estão inseridas. A concepção histórico-cultural, entende que a partir desta perspectiva, pode-se ver o mundo do ponto de vista das crianças e compreendê-las, lembrando sempre que, o ser humano é um ser histórico, pois ele tem infância. (KRAMER, 2006, p.15).

            Hoje temos uma concepção de infância que vem de um mundo globalizado e uma sociedade capitalista, onde a forma de pensar e viver é fortemente determinada pelos meios de comunicação de massa, principalmente a internet e a televisão. No entanto, se apresenta para a criança uma vida com hábitos de adultos, no pensar, no vestir, no agir, no estudar, enfim, isso nos remete a uma realidade, e que também alguns autores chegam a afirmar que é o “fim da infância”.

 

REFERÊNCIAS

 

ARIÉS, P. História social da criança e da família. 2ª ed. Rio de Janeiro: LTC (Livros Técnicos e Científicos Editora. S.A), 1981.

KRAMER, S. A política do pré-escolar no Brasil: a arte do disfarce. São Paulo: Cortez, 1992.

 

BRASIL. MEC/SEF. Referenciais para Formação de Professores. Brasília: Dezembro de 1998.

 

KRAMER, S. Direitos da criança e projeto político pedagógico de Educação Infantil. In: BASILIO, L. C., KRAMER, S. Infância, Educação e Direitos Humanos. São Paulo: Cortez, 2000 a, p. 51-82.

 

KRAMER, S. e LEITE, M.I. (orgs.). Infância e produção cultural. Campinas, SP: Papirus, 1998. (Série prática pedagógica).

 

KRAMER, S. e LEITE, M.I. (orgs.). Infância: Fios e desafios da pesquisa. 2ª ed. Campinas, SP: Papirus, 1997. Série Prática Pedagógica.

 

KRAMER, S. Educação Infantil - Sala Sônia Kramer. Disponível em: http://www.smec.salvador.ba.gov.br/site/epv-educar-infantil.php. Acesso em Set. de 2012.

 

KRAMER, S. Profissionais da Educação Infantil: gestão e formação. Ática, 2005.

 

SANTA CATARINA. Secretaria de Estado da Educação e do Desporto. Proposta curricular: temas multidisciplinares. Florianópolis: COGEN, 2005.