INSTITUTO ENSINAR BRASIL

FACULDADES DOCTUM DE GUARAPARI - FDG

 

TANIA DE ALMEIDA PEREIRA

 

 

 

 

 

POLIAMOR

ANÁLISE DOUTRINÁRIA E JURISPRUDENCIAL

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

GUARAPARI

2018

 

 

INSTITUTO ENSINAR BRASIL

FACULDADES DOCTUM DE GUARAPARI - FDG

 

TANIA DE ALMEIDA PEREIRA

 

 

 

 

 

POLIAMOR

ANÁLISE DOUTRINÁRIA E JURISPRUDENCIAL

 

 

 

 

 

 

 

Tania de Almeida Pereira

[email protected]

Graduanda em Direito

 

Prof. Drª. Cristina Palaoro

[email protected]

 

Professora de Direito pela Doctum Guarapari/ES.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

GUARAPARI

2018

 

 

SUMÁRIO

 

 

  1. INTRODUÇÃO.................................................................................................4
  2. DEFINIÇÕES E ORIGEM HISTÓRICA DE POLIAMOR.................................5
  3. FORMAS DE POLIAMOR...............................................................................7
  4. ANÁLISE DOUTRINÁRIA DE POLIAMOR.....................................................8
  5. ANÁLISE JURISPRUDENCIAL DE POLIAMOR...........................................10

5.1 O Poliamorismo nos Tribunais.......................................................................11

5.1.1 Entendimento do STF.......................................................................................11

5.1.2 Entendimento do STJ.......................................................................................14

5.1.3 Triação de Bens................................................................................................18

  1. REGISTRO DE UNIÃO POLIAFETIVA.........................................................20
  2. CONCLUSÃO................................................................................................23 

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA..............................................................................24  

 

 

 

RESUMO

 

 

Ao longo do tempo, o conceito de entidade familiar mudou, pois os tipos de famílias foram se desenvolvendo em determinados períodos da sociedade, dando espaço para as novas concepções da família brasileira. Nos dias de hoje, surge uma nova forma de amor, não aquele tradicional entre duas pessoas de sexos opostos ou até mesmo entre duas pessoas do mesmo sexo, que ainda sofre preconceito, mas uma nova forma de viver estavelmente, com consentimento de todos, porém, união esta de três ou mais pessoas. Não se trata de união estável ou concubinato, mas uma relação entre três ou mais pessoas não somente baseada na relação sexual em si, mas principalmente na afetividade, no desejo de formar uma família com mais de dois cônjuges estando todos envolvidos entre si ou não, porém, o mais importante, com consentimento de todos, com respeito e acompanhado de todas as rotinas que um casal tradicional apresenta. Trata-se do poliamor ou poliamorismo, tema do presente trabalho.

 

 

 

 

Palavras-chave: Poliamor; Poliamorismo; União Estável; Poliafetiva.


 

1 INTRODUÇÃO

 

 

A importância do tema no ordenamento brasileiro se constata em face das constantes discussões acerca do papel que o Estado deve ter para encarar essa realidade e amparar os indivíduos envolvidos. Importante ressaltar, nesse sentido, que o poliamor pode gerar discussões de ordem previdenciária, sucessória, tributária etc, sendo fundamental a atuação do Poder Judiciário para evitar qualquer dano de ordem financeira ou social. As posições jurisprudenciais e doutrinárias estão distantes de um entendimento pacífico sobre o tema, como será exposto. A legislação constitucional e infraconstitucional contêm princípios e normas que entram em conflito na análise do caso concreto. Procura-se conhecer qual o limite da autonomia da vontade em contraste com outros institutos jurídicos reconhecidos pelo ordenamento brasileiro.

Historicamente o casamento era indissolúvel. O amor tinha que ser eterno, mesmo na pobreza, na tristeza e na doença. Esta idéia de infinitude acabou quando as pessoas descobriram que, primeiro, precisam amar a si próprios.

A amante foi chamada de concubina e depois de companheira. Ao invés de concubinato adulterino, passou-se a falar em união paralela ou simultânea. No máximo vem a justiça deferindo a divisão dos benefícios previdenciários entre esposa e companheira.

Talvez a última barreira que falte romper, seja o reconhecimento de iguais direitos aos amores livres, bela expressão que identifica vínculos afetivos entre mais de duas pessoas, vivendo juntas. Este fenômeno recebeu o nome de poliamor. A expressão é uma novidade, mas sua existência não.

 

 


 

2 DEFINIÇÕES E ORIGEM HISTÓRICA DE POLIAMOR

 

 

O termo poliamor é uma combinação da expressão grega poli (vários ou muitos) com a expressão latina amor.

Segundo Cardoso (2010), a palavra poliamor foi inventada duas vezes na história e em dois contextos diferentes, o que, por conseguinte, marca a existência das duas correntes atuais. O primeiro registro bibliográfico até então conhecido data de 1953, sob a forma de um adjetivo dado pelo autor de um livro ao rei Henrique VIII declarando-o como uma pessoa poliamorista, ou seja, que amava várias pessoas, porém não no sentido empregado hoje. A noção de poliamor em sua vertente pagã e espiritual, como um adjetivo para referir-se a pessoas que tivessem relações amorosas e sexuais com mais do que uma pessoa simultaneamente, ou que o quisessem fazer, e que reconhecessem o direito de outros o fazerem, surge no contexto da Igreja de Todos os Mundos, em 1990, nos Estados Unidos.

Então, a palavra poliamor teria surgido em agosto de 1990, em um evento público em Berkeley (Califórnia), em que “neopagãos”, pertencentes à Igreja de Todos os Mundos, buscavam criar um Glossário de Terminologia Relacional. Com bases espiritualistas e pagãs, essa é considerada pelo autor como a primeira vertente poliamorista. Um dos livros mais conhecidos sobre o poliamor, Polyamory: The New Love Without Limits, escrito por Deborah Anapole publicado em 1997, faria parte dessa primeira tendência. Cardoso (2010) argumenta que, naquele momento, não teria havido grande circulação do termo, favorecendo um segundo surgimento, dessa vez com um viés menos “transcendentalista”.

  Em 20 de maio de 1992, em um grupo de discussão pela internet, o termo poliamor ressurgiu como sinônimo de “não monogamia”, sendo criado, em seguida, o primeiro grupo de e-mails destinado a discuti-lo, o alt.polyamory.

Desde seu surgimento, a internet é o principal veículo de interação entre poliamoristas, o que favoreceu a internacionalização de suas propostas. Hoje, são mais de 20 países com grupos que se destinam a trocar experiências pessoais sobre poliamor, promover visibilidade e conquistar direitos, como a legalização das uniões poliamorosas. No Brasil, a comunidade Poliamor Brasil da rede de relacionamentos Orkut, criada em 2004, com aproximadamente 1800 membros, era o grupo de discussões mais antigo e numeroso na época de 2011-2012. Em 2008, 2009 e 2011 foram criados, respectivamente, os sites http://poliamorbrasil.org/, o blog http://poliamores.blogspot.com/ e o grupo Pratique Poliamor Brasil, este último no Facebook, com cerca de 500 participantes (RAMALHO NETO, 2015).

 

De acordo com Pilão (2015), com exceção dos países de língua portuguesa e espanhola que utilizam o termo poliamor e os de língua francesa que traduziram para polyamour, os demais mantiveram o uso do original, polyamory. Eles se situam, sobretudo, nos Estados Unidos e Europa: Alemanha, Reino Unido, França, Espanha e Portugal. Os principais temas debatidos nesses sites são: o fracasso da monogamia e a afirmação da superioridade do poliamor; as diferenciações e hierarquias relacionadas a outras formas de conjugalidade; e os desafios enfrentados para a vivência do poliamor.

Maria Berenice Dias, em sua obra Manual de Direito das famílias, ensina que os termos usados são muitos: poliamor, família poliafetiva ou poli amorosas. O formato de tais arranjos familiares também. Segundo a autora, todas as formas de amar que fogem do modelo convencional da heteronormatividade e da singularidade, são alvo da danação religiosa e, via de consequência, da repulsa social e do silêncio do legislador. Ou o silêncio ou a expressa exclusão de direitos. Nada mais do que uma vã tentativa de condenar à invisibilidade formas de amor que se afaste do modelo monogâmico.  

A distinção entre família simultânea e poliafetiva é de natureza espacial. Na maioria das vezes, nos relacionamentos paralelos o homem mantém duas ou mais entidades familiares, com todas as características legais. Cada uma vivendo em uma residência.

Entende a autora que a união poliafetiva é quando forma-se uma única entidade familiar. Todos moram sob o mesmo teto. Tem-se um verdadeiro casamento, com uma única diferença: o número de integrantes. Isto significa que o tratamento jurídico à poliafetividade deve ser idêntico ao estabelecido às demais entidades familiares reconhecidas pelo Direito (DIAS, 2016).

Já para Pilão (2015), poliamor é uma categoria nativa que designa a possibilidade de se estabelecer simultaneamente mais de uma relação amorosa com a concordância dos envolvidos. Conforme o autor observou no blog Poliamores, existem basicamente três tipos de arranjos poliamoristas: a “relação em grupo”, quando todos os membros do arranjo têm relações amorosas entre si; a “rede de relacionamentos interconectados”, quando cada membro tem relacionamentos poliamoristas distintos daqueles dos parceiros; e a “relação mono/poli”, quando, em um casal, um dos parceiros é poliamorista e o outro, por opção, não é. Os modelos se dividem em “aberto” e “fechado”. No primeiro caso, está colocada a possibilidade de novos amores e, no segundo, é praticada a “polifidelidade”, restringindo as experiências amorosas àquelas já existentes.

 

Segundo Ramalho Neto (2015), na realidade, poliafetividade são relações concomitantes, com a ciência e consentimento dos envolvidos, que procura ser estável. Pressupõe a honestidade e a transparência, enquanto essas premissas não estão necessariamente presentes no concubinato. Em relação ao gênero, que é outra forma de relacionamento, o Supremo já superou a questão da união entre pessoas do mesmo sexo, reconhecendo a proteção legal às uniões homossexuais. 

Cardoso (2010), aprofundando mais no assunto, explica que algumas das definições pressupõem que é necessário estar numa relação para que se possa ser considerado poliamoroso, outras reconhecem que basta apenas querer fazê-lo para que se caia na definição de pessoa poliamorosa. A definição da Wikipedia, neste caso, vai mais longe, ao incluir um terceiro elemento, o da aceitação. Ou seja, considera-se poliamorosa uma pessoa que reconheça a prática poliamorosa num companheiro seu, sem que essa própria pessoa queira fazer o mesmo. Um outro elemento vem acrescentar mais problemas à definição – como tratar a questão da intimidade. O que ela é, como a definir, e como identificar a sua ausência. A intimidade, pelo menos em algumas das definições, parece não vir automaticamente do encontro entre duas ou mais pessoas; é, isso sim, uma possibilidade de relacionamento. Isto abre a porta a tensões entre “promiscuidade” e “intimidade” – o poliamor parece, na sua base, querer algum distanciamento de identificações com práticas sexuais, para se focar no aspecto psicoemocional – em que a promiscuidade é, por vezes, encarada como detratora.

 

 

3 FOMAS DE POLIAMOR 

 

Segundo Rodrigues (2017), existem formas distintas de colocar em prática o poliamor, com base nas regras impostas a cada um dos envolvidos, já que todos devem aceitar o outro indivíduo como parceiro da relação. Dentre elas estão:

 

  1. Polifidelidade

É um tipo que envolve diversos relacionamentos sexuais, afetuosos, e amorosos, mas somente com os indivíduos específicos que pertencem ao mesmo grupo. É um casamento em um grupo fechado, que se parece muito com o matrimonio monogâmico, porém com mais de duas pessoas, e as relações são somente com esse grupo, tendo a fidelidade ao grupo como a principal característica. 

 

 

  1. O relacionamento mono-poli

É um parceiro do grupo que é tradicionalmente monogâmico, ou seja, em matrimonio com outro parceiro ou parceira (casal), mas um deles permite que o outro tenha relações afetuosas e sexuais com o grupo. 

c) Relações em grupo

Indivíduos que se relacionam em grupo, se consideram sempre parte de uma mesma família. 

d) Sub-relacionamentos

Diferenciam-se em relações primarias e secundárias, chegando até a relações terciárias dependendo do fato. 

 

 

4 ANÁLISE DOUTRINÁRIA SOBRE POLIAMOR

 

Todos já sentiram afeto por mais de uma pessoa, ama-se o pai, mãe, filhos, irmãos, tios, primos, colegas e vizinhos. De uma maneira muito especial se ama os amigos. Não mais se acredita que só se ama uma vez na vida.

Mas, quando se fala em vínculos afetivos sobrepostos – que sempre existiram – ainda são mal vistos.

Quanto ao casamento, historicamente, era indissolúvel. O amor tinha que ser eterno, mesmo na pobreza, na tristeza e na doença. Esta idéia de infinitude acabou quando as pessoas descobriram que, primeiro, precisam amar a si próprios.

A amante foi chamada de concubina e depois de companheira. Ao invés de concubinato adulterino, passou-se a falar em união paralela ou simultânea. No máximo vem a justiça deferindo a divisão dos benefícios previdenciários entre esposa e companheira.

Talvez a última barreira que falte romper, seja o reconhecimento de iguais direitos aos amores livres, bela expressão que identifica vínculos afetivos entre mais de duas pessoas, vivendo juntas. Este fenômeno recebeu o nome de poliamor. A expressão é uma novidade, mas sua existência não.

O fato é que, ao invés de rótulos, da necessidade da chancela estatal, o indispensável é exigir um comportamento ético de todos os atores destes vínculos vivenciais. Agora, que uniões sem casamento constituem uma família e o divórcio pode ser instantâneo, com facilidade as pessoas migram de um relacionamento a outro (DIAS, 2017).

O padrão mais aceito para as relações amorosas na cultura ocidental continua sendo a monogamia. A pessoa que, estando em compromisso amoroso com alguém e mantém relações sexuais fora desse relacionamento, geralmente é considerada traidora e infiel.

Existem pessoas, no entanto, que aceitam não manter a exclusividade sexual e afetiva, mantendo relações sexuais com outra pessoa, por meio do pleno consentimento do parceiro. O poliamor, enquanto modalidade de relacionamento permite que tal situação ocorra. Há inúmeras definições sendo que estas apresentam pontos de divergência, mas também de convergências.

Como consenso, há a ideia de que o termo poliamor se refira à prática de um relacionamento íntimo e sexual simultâneo com mais de uma pessoa, com o consentimento e conhecimento dos envolvidos, sendo assim, os adeptos desta modalidade consideram possível amar mais de uma pessoa ao mesmo tempo

A outra vertente do poliamor possui um cunho marcadamente menos religioso e transcendentalista, estando mais preocupados em resolver os problemas surgidos nas relações monogâmicas consensuais da sociedade ocidental.

Os poliamoristas advertem que essa prática amorosa é uma escolha, assim como o é a monogamia, não uma imposição ou uma solução mágica aos problemas surgidos nas relações por esse preceito embasadas. Nessa nova forma de amar também há tantos ou mais desafios quanto o modelo normativo atual.

A filosofia adotada no poliamor considera que amar única e exclusivamente uma só pessoa pelo resto da vida é algo inconcebível, que o amor não deve excluir o mundo ou as pessoas. Assim, os indivíduos podem amar e ser amados por mais de uma pessoa simultaneamente; esta é a lógica que esta ideologia tenta defender.

Contudo, para que essa forma de relacionamento seja possível, seus adeptos tendem a cultivar princípios que são norteadores dessa prática, a saber: honestidade e consenso principalmente.

Existe o compersion como um oposto ao ciúme, seria um sentimento de contentamento advindo do conhecimento de que alguém que você ama é amado por mais alguém

O relacionamento poliamoroso apresenta algumas peculiaridades que o divergem das demais formas de relacionamento não monogâmicos com as quais é frequentemente confundido. Um dos aspectos fundamentais está no fato de que o centro da questão passa a ser o amor, e não o sexo, tal qual acontece nos movimentos de libertação sexual como amor livre, casamento aberto, swing, etc.

Desde o século passado, o poliamor enquanto movimento, passou a ter notoriedade, mais precisamente por volta da década de 1990 quando do seu surgimento, adquiriu maior visibilidade nos Estados Unidos nos últimos vinte anos, sendo acompanhado de perto pelo Reino Unido e Alemanha.

No Brasil, mesmo que timidamente, o poliamor já começa a dar sinais de visibilidade, figuras tem-se destacado no cenário nacional com pesquisas referentes ao assunto tais como a psicanalista Regina Navarro Lins e no campo da psicologia Terezinha Féres-Carneiro tem-se dedicado a pesquisas sobre os novos arranjos conjugais, e dentre essas múltiplas conjugalidades está o poliamor.

Alguns dos discursos do amor romântico foram absorvidos pela noção de amor poli, ao se observar a ênfase que é dada à intrínseca relação entre o amor, a intimidade, o afeto, o desejo sexual e a valorização da individualidade no poliamor. Porém ao se propor a ser uma forma de relacionamento que aceita e acolhe a diversidade, pode-se argumentar que a concepção de amor poli vence aspectos da dimensão heteronormativa do amor romântico.

Nos discursos quanto à compreensão da forma de amar, os praticantes dessa modalidade ainda se contradizem ao considerar elementos como liberdade e compromisso, pois ao mesmo tempo em que uma pessoa é livre para amar a quem lhe aprouver, ela esbarra nos acordos estabelecidos nos relacionamentos que restringem de algum modo essa liberdade. (COSTA, 2015).

 

 

ANÁLISE JURISPRUDENCIAL DE POLIAMOR  

 

Em 2012, foi veiculado pelos meios de comunicação o reconhecimento de união estável, através de Escritura Pública, entre um homem e duas mulheres, no Município de Tupã-SP. A tabeliã argumentou que não havia vedação legal para a aludida lavratura e que era autorizada a isso pelos princípios constitucionais da igualdade, dignidade da pessoa humana e da liberdade para justificar a juridicidade de tal reconhecimento público. A partir desse fato, em que pese o poliamorismo já existir anteriormente principalmente em movimentos de grupos civis em outros países, surgiram várias posições doutrinárias brasileiras tratando do assunto. A divergência das posições perdura na doutrina e na jurisprudência. Frente a esse caso, surgem alguns questionamentos. Primeiro, em relação a real configuração e definição dessa relação afetiva disposta a constituir uma família, com todos os seus efeitos jurídicos, sucessórios, previdenciários, pessoais etc. Depois, resta saber se há e quais são os direitos em conflito no caso, analisando a legislação constitucional e civil que regula as relações pessoais e afetivas dos cidadãos. Importa saber se a autonomia da vontade em constituir essas relações é direito da personalidade, oponível a terceiros e ao poder público, e qual o alcance que o Estado tem para interferir nessas relações de intimidade e amor.

Deve-se ampliar a proteção jurídica estatal a todos os arranjos familiares que decorrem do princípio da afetividade. Quanto à forma de reconhecimento, em virtude da falta de disposição legal a doutrina diverge.

Embora se tratem de situações distintas, não se pode negar validade à Escritura Pública realizada em Tupã, máxime pela falta de vedação legal. Os envolvidos poderão pleitear todos os direitos dela decorrentes, tendo em vista a proteção que se deve dar às mais variadas formas de arranjos familiares. Afinal, esse instrumento é uma forma de se provar a vontade das partes de maneira oficial (RAMALHO NETO, 2015).

 

 

5.1 O POLIAMORISMO NOS TRIBUNAIS 

 

Abaixo, trechos do artigo do advogado Thácio Fortunato Moreira, intitulado  “Poliamorismo nos Tribunais”,  publicado no portal âmbito Jurídico, em 2014, mostrando alguns julgados específicos que demonstram o entendimento dos Ministros do STF e STJ.

 

5.1.1 Entendimento do STF

 

O STF, em 2008, analisou um caso de um sujeito que era casado e tinha um relacionamento paralelo. As mulheres requeriam pensão previdenciária do falecido. O homem era casado de fato e de direito e com a esposa, tinha 11 filhos e também mantinha relação duradoura de 37 anos com outra mulher da qual nasceram 9 filhos.

Tal situação foi submetida à apreciação dos Ministros que, ao final, assim decidiram com Relatoria de Marco Aurélio:

“Min. Marco Aurélio: “O que se percebe é que houve envolvimento forte (...) projetado no tempo – 37 anos – dele surgindo prole numerosa - 9 filhos – mas que não surte efeitos jurídicos ante a ilegitimidade, ante o fato e o companheiro ter mantido casamento, com quem contraíra núpcias e tivera 11 filhos. Abandone-se a tentação de implementar o que poderia ser tido como uma justiça salomônica, porquanto a segurança jurídica pressupõe respeito às balizas legais, à obediência irrestrita às balizas constitucionais. No caso, vislumbrou-se união estável, quando na verdade, verificado simples concubinato, conforme pedagogicamente previsto no art. 1.727 do CC”.

 

 

 

 

Não foi reconhecido o seu direito, por ser impossível a afirmação das famílias paralelas.

O STF aplicou friamente a lei civil ao não reconhecer a segunda família do individuo, negando-lhe o direito propriamente dito. O principal fundamento, no entanto, é a segurança jurídica, sendo encarado o relacionamento paralelo como concubinato, termo que há algum tempo já não é utilizado pelos julgadores de primeiro grau.

Entretanto, neste mesmo julgamento, o Ministro Ayres Brito, em brilhante explanação, discordou do Relator nos seguintes termos:

 

Min. Ayres Brito divergiu: “Estou a dizer: não há concubinos para a Lei Mais Alta do nosso país, porém casais em situação de companheirismo. Até porque o concubinato implicaria discriminar os eventuais filhos do casal, que passariam a ser rotulados de ‘filhos concubinários’. Designação pejorativa, essa, incontornavelmente agressora do enunciado constitucional (...)Com efeito, à luz do Direito Constitucional brasileiro o que importa é a formação em si de um novo e duradouro núcleo doméstico. A concreta disposição do casal para construir um lar com um subjetivo ânimo de permanência que o tempo objetivamente confirma. Isto é família, pouco importando se um dos parceiros mantinha concomitantemente relação sentimental a dois”

Min. Ayres Brito prossegue: “(...) ao Direito não é dado sentir ciúmes pela parte supostamente traída, sabido que esse órgão chamado coração ‘é terra que ninguém nunca pisou’. Ele, coração humano, a se integrar num contexto empírico da mais entranhada privacidade, perante a qual o ordenamento jurídico somente pode atuar como instância protetiva. (...) No caso dos presentes autos (...) mantinha a parte recorrida com o de cujus (...) relação amorosa de que resultou filiação e que fez da companheira uma dependente econômica do seu então parceiro.”

 

No presente caso, os demais Ministros Menezes Direito, Carmén Lúcia e Ricardo Lewandowski acompanharam o relator Marco Aurélio.

Crítica ao entendimento do Supremo.

Em que pese estarmos diante de uma decisão bem fundamentada da Relatoria do Ministro Marco Aurélio devidamente acompanhado pelos demais, à exceção do Ministro Ayres Brito, não podemos deixar de criticar este posicionamento.

Não se pode mais negar, no momento social que vivemos, a inexistência da família paralela. Foi esclarecido anteriormente que este tipo de poliamorismo é mais comum do que se imagina e merece tutela jurisdicional.

Não estamos falando aqui de simples namorico ou eventual infidelidade. Muito pelo contrário, estamos tratando de um relacionamento estável, com notório interesse na constituição de família e com tempo de permanência considerável.

Por que negar a esta segunda família este direito? O Ministro Ayres Brito é brilhante ao aduzir que “Estou a dizer: não há concubinos para a Lei Mais Alta do nosso país, porém casais em situação de companheirismo.”.

Este tipo de posicionamento nos leva a indagar sobre qual seria o verdadeiro intuito da justiça senão praticá-la? É justo que uma parte que viveu longos anos com outra, constituiu família, manifestou interesse em assim ser vista na sociedade, ser afastada de seu direito simplesmente por que o ordenamento assim se manifesta?

O simples estudo da história do direito, e aqui indico como simples no sentido estrito da palavra, indica que o DIREITO, enquanto ciência social deve ser adequado à realidade cultural da época na qual está vigente. As leis são criadas, aplicadas e podem ser revogadas. E tudo isso tem uma explicação: o mundo muda e o direito precisa mudar para não se tornar injusto e antissocial.

 

Ainda sobre o STF importante colacionar mais uma jurisprudência:

“COMPANHEIRA E CONCUBINA - DISTINÇÃO. Sendo o Direito uma verdadeira ciência, impossível é confundir institutos, expressões e vocábulos, sob pena de prevalecer a babel. UNIÃO ESTÁVEL - PROTEÇÃO DO ESTADO. A proteção do Estado à união estável alcança apenas as situações legítimas e nestas não está incluído o concubinato. PENSÃO - SERVIDOR PÚBLICO - MULHER - CONCUBINA - DIREITO. A titularidade da pensão decorrente do falecimento de servidor público pressupõe vínculo agasalhado pelo ordenamento jurídico, mostrando-se impróprio o implemento de divisão a beneficiar, em detrimento da família, a concubina”. (RE 397762, Relator(a):  Min. MARCO AURÉLIO, Primeira Turma, julgado em 03/06/2008)

 

“Flávio Tartuce diz que nesse caso a esposa sabia do relacionamento paralelo e consentiu. Incidiria a vedação do comportamento contraditório (venire contra factum propium non potest).”

 

O STF em outro julgamento, do RE 590779/ES, manteve a mesma posição:

O chamando poliamorismo é uma nova filosofia de amar. O direito precisa se adequar a esta nova demanda social e não simplesmente negar o fato da sua existência. Não cabe ao legislado fechar os olhos para novos anseios sociais, pelo contrário, tem a obrigação de sentir essas mudanças e, na maior brevidade possível criar mecanismos para reconhecimento e tutela jurisdicional.

Quando olhamos para nossa história (própria do Brasil) percebemos que diversas tutelas que hoje são reconhecidas pelo judiciário e por nossa legislação tiveram uma gênese conturbada, controversa e, diria até, contraditória. Aqui podemos citar a possibilidade de clonagem humana, aspectos jurídicos do embrião excedentário, união estável entre pessoas do mesmo sexo, adoção unilateral.. em fim, uma série de motivações sociais que exigiram do legislador ou do magistrado uma atenção maior.

Todas essas causas surgiram em determinado momento da história onde o direito estava em uma situação muito confortável. Quer dizer, até a década de 70 praticamente não houve alteração de grande parte da legislação.

Pode-se dizer que a partir desta década de 70, diversos aspectos ganharam notoriedade no direito mundial, como o surgimento da Bioética, como ciência multidisciplinar ou transdisciplinar, movimentos sociais nos estados unidos clamando por igualdade (negros, hippies, feministas e homossexuais), novas gerações nascendo em momentos de tensão pós guerra e com anseios já modernos.

O que se busca dizer é que todos esses anseios sociais, aos poucos, foram ganhando o amparo do judiciário na medida em que hoje já é possível o reconhecimento de união estável e até casamento entre pessoas do mesmo sexo, ou adoção unilateral em famílias monoparentais. Já é possível a cirurgia de adequação sexual para transexuais, bem como alteração de seus nomes no registro civil, alterando, em conjunto, seu gênero.

Sendo assim, não se duvida que daqui a algum tempo, com a rotatividade ministral e com a posse de novos ministros que se preocupem com essas questões haverá, sim, o reconhecimento das relações paralelas modificando esse entendimento que, ao nosso sentir, tem bases principiológicas tradicionais.

Entretanto, precisamos lembrar que tanto a ética como a moral possuem bases principiológicas tradicionais, porém cabe ao legislador e, em sua omissão, ao magistrado utilizando-se da hermenêutica, derivar esses princípios para que os mesmos se adequem a nova realidade social. 

Desta forma, registra-se a crítica ao posicionamento do STF ao não reconhecer a união paralela, posto que aos indivíduos que se encontram nesta situação está sendo negado o próprio direito da forma mais injusta possível (MOREIRA, 2014).

 

5.1.2 Entendimento do STJ

 

Não muito diferente tem se manifestado o STJ, uma vez que não vem reconhecendo essas unidades familiares paralelas, senão vejamos alguns julgados:

“PENSÃO POR MORTE. CONCUBINA. A concubina mantinha com o de cujus, homem casado, um relacionamento que gerou filhos e uma convivência pública. Porém, a jurisprudência deste Superior Tribunal afirma que a existência de impedimento de um dos companheiros para se casar, como, por exemplo, a hipótese de a pessoa ser casada, mas não separada de fato ou judicialmente, obsta a constituição de união estável. Assim, na espécie, não tem a agravante direito à pensão previdenciária. A Turma, por maioria, negou provimento ao agravo. Precedentes citados do STF: MS 21.449-SP, DJ 17/11/1995; do STJ: REsp 532.549-RS, DJ 20/6/2005, e REsp 684.407-RS, DJ 22/6/2005. AgRg no REsp 1.016.574-SC, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 3/3/2009.

A existência de impedimento legal para o matrimônio, por parte de um dos pretensos companheiros, obsta a constituição da união estável, inclusive para fins previdenciários. Agravo regimental provido. Recurso especial a que se dá provimento.  (AgRg nos EDcl no REsp 1.059.029/RS, Rel. Ministro ADILSON VIEIRA MACABU” (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/RJ), QUINTA TURMA, julgado em 15/02/2011, DJe 28/02/2011)

“STJ: Inviável a concessão de indenização à concubina, que mantivera relacionamento com homem casado, uma vez que tal providência eleva o concubinato a nível de proteção mais sofisticado que o existente no casamento e na união estável, tendo em vista que nessas uniões não se há falar em indenização por serviços domésticos prestados, porque, verdadeiramente, de serviços domésticos não se cogita, senão de uma contribuição mútua para o bom funcionamento do lar, cujos benefícios ambos experimentam ainda na constância da união. 3. Na verdade, conceder a indigitada indenização consubstanciaria um atalho para se atingir os bens da família legítima, providência rechaçada por doutrina e jurisprudência. (REsp 988.090/MS, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 02/02/2010, DJe 22/02/2010)

STJ: "União estável. Reconhecimento de duas uniões concomitantes. Equiparação ao casamento putativo. Lei nº 9.728/96. 1. Mantendo o autor da herança união estável com uma mulher, o posterior relacionamento com outra, sem que se haja desvinculado da primeira, com quem continuou a viver como se fossem marido e mulher, não há como configurar união estável concomitante, incabível a equiparação ao casamento putativo. 2. Recurso especial conhecido e provido. (REsp 789.293/RJ, Rel. Ministro CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO, TERCEIRA TURMA, julgado em 16.02.2006, DJ 20.03.2006 p. 271)"

STJ: Direito civil. Família. Recurso especial. Ação de reconhecimento de união estável. Casamento e concubinato simultâneos. Improcedência do pedido.

- A união estável pressupõe a ausência de impedimentos para o casamento, ou, pelo menos, que esteja o companheiro(a) separado de fato, enquanto que a figura do concubinato repousa sobre pessoas impedidas de casar.

- Se os elementos probatórios atestam a simultaneidade das relações conjugal e de concubinato, impõe-se a prevalência dos interesses da mulher casada, cujo matrimônio não foi dissolvido, aos alegados direitos subjetivos pretendidos pela concubina, pois não há, sob o prisma do Direito de Família, prerrogativa desta à partilha dos bens deixados pelo concubino.

- Não há, portanto, como ser conferido status de união estável a relação concubinária concomitante a casamento válido.

Recurso especial provido.

(REsp 931155/RS, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 07/08/2007, DJ 20/08/2007, p. 281)

STJ: “Família. Uniões estáveis simultâneas. Pensão. In casu, o de cujus foi casado com a recorrida e, ao separar-se consensualmente dela, iniciou um relacionamento afetivo com a recorrente, o qual durou de 1994 até o óbito dele em 2003. Sucede que, com a decretação do divórcio em 1999, a recorrida e o falecido voltaram a se relacionar, e esse novo relacionamento também durou até sua morte. Diante disso, as duas buscaram, mediante ação judicial, o reconhecimento de união estável, consequentemente, o direito à pensão do falecido. O juiz de primeiro grau, entendendo haver elementos inconfundíveis caracterizadores de união estável existente entre o de cujus e as demandantes, julgou ambos os pedidos procedentes, reconhecendo as uniões estáveis simultâneas e, por conseguinte, determinou o pagamento da pensão em favor de ambas, na proporção de 50% para cada uma.“Na apelação interposta pela ora recorrente, a sentença foi mantida. Assim, a questão está em saber, sob a perspectiva do Direito de Família, se há viabilidade jurídica a amparar o reconhecimento de uniões estáveis simultâneas. Nesta instância especial, ao apreciar o REsp, inicialmente se observou que a análise dos requisitos ínsitos à união estável deve centrar-se na conjunção de fatores presentes em cada hipótese, como a affectio societatis familiar, a participação de esforços, a posse do estado de casado, a continuidade da união, a fidelidade, entre outros. Desse modo, entendeu-se que, no caso, a despeito do reconhecimento, na dicção do acórdão recorrido, da união estável entre o falecido e sua ex-mulher em concomitância com união estável preexistente por ele mantida com a recorrente, é certo que o casamento válido entre os ex-cônjuges já fora dissolvido pelo divórcio nos termos do art. 1.571, § 1.º, do CC/2002, rompendo-se, definitivamente, os laços matrimoniais outrora existentes. “Destarte, a continuidade da relação sob a roupagem de união estável não se enquadra nos moldes da norma civil vigente (art. 1.724 do CC/2002), porquanto esse relacionamento encontra obstáculo intransponível no dever de lealdade a ser observado entre os companheiros. Ressaltou-se que uma sociedade que apresenta como elemento estrutural a monogamia não pode atenuar o dever de fidelidade, que integra o conceito de lealdade, para o fim de inserir, no âmbito do Direito de Família, relações afetivas paralelas e, por consequência, desleais, sem descurar do fato de que o núcleo familiar contemporâneo tem como escopo a realização de seus integrantes, vale dizer, a busca da felicidade. Assinalou-se que, na espécie, a relação mantida entre o falecido e a recorrida (ex-esposa), despida dos requisitos caracterizadores da união estável, poderá ser reconhecida como sociedade de fato, caso deduzido pedido em processo diverso, para que o Poder Judiciário não deite em solo infértil relacionamentos que efetivamente existem no cenário dinâmico e fluido dessa nossa atual sociedade volátil.

Assentou-se, também, que ignorar os desdobramentos familiares em suas infinitas incursões, em que núcleos afetivos justapõem-se, em relações paralelas, concomitantes e simultâneas, seria o mesmo que deixar de julgar com base na ausência de lei específica. Dessa forma, na hipótese de eventual interesse na partilha de bens deixados pelo falecido, deverá a recorrida fazer prova, em processo diverso, repita-se, de eventual esforço comum. Com essas considerações, entre outras, a Turma deu provimento ao recurso, para declarar o reconhecimento da união estável mantida entre o falecido e a recorrente e determinar, por conseguinte, o pagamento da pensão por morte em favor unicamente dela, companheira do falecido” (STJ, REsp 1.157.273-RN, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 18.05.2010).

 

A mesma crítica feita ao posicionamento do STF também se aplica ao posicionamento do STJ quanto à possibilidade de reconhecimento de relacionamentos paralelos.

"Em decisão da 4ª Turma, do ano de 2003, o ministro Aldir Passarinho Júnior, relator de um recurso (REsp 303.604), destacou que é pacífica a orientação das Turmas da 2ª Seção do STJ no sentido de indenizar os serviços domésticos prestados pela concubina ao companheiro durante o período da relação, direito que não é esvaziado pela circunstância de o morto ser casado. No caso em análise, foi identificada a existência de dupla vida em comum, com a mulher legítima e a concubina, por 36 anos. O relacionamento constituiria uma sociedade de fato. O Tribunal de Justiça de São Paulo considerou incabível indenização à concubina. Mas para o ministro relator, é coerente o pagamento de pensão, que foi estabelecida em meio salário mínimo mensal, no período de duração do relacionamento".

Na 8ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça reconheceu que um cidadão viveu duas uniões afetivas: com a sua esposa e com uma companheira. Assim, decidiram repartir 50% do patrimônio imóvel, adquirido no período do concubinato, entre as duas. A outra metade ficará, dentro da normalidade, com os filhos. A decisão é inédita na Justiça gaúcha e resultou da análise das especificidades do caso. (...) Para o Desembargador Portanova, ‘a experiência tem demonstrado que os casos de concubinato apresentam uma série infindável de peculiaridades possíveis’. Avaliou que se pode estar diante da situação em que o trio de concubino esteja perfeitamente de acordo com a vida a três. No caso, houve uma relação ‘não eventual’ contínua e pública, que durou 28 anos, inclusive com prole, observou. ‘Tal era o elo entre a companheira e o falecido que a esposa e o filho do casamento sequer negam os fatos – pelo contrário, confirmam; é quase um concubinato consentido’. O Desembargador José Ataides Siqueira Trindade acompanhou as conclusões do relator, ressaltando a singularidade do caso concreto: ‘Não resta a menor dúvida que é um caso que foge completamente daqueles parâmetros de normalidade e apresenta particularidades específicas, que deve merecer do julgador tratamento especial’ 

A união estável putativa não é assunto pacificado pela jurisprudência, porém, bem menos rejeitada que as uniões paralelas. Todavia, a doutrina majoritária possui um posicionamento mais brando, que reconhece as uniões paralelas somente na área do direito obrigacional para não gerar um enriquecimento ilícito do cônjuge infiel, mas admite as uniões estáveis putativas desde que a segunda companheira esteja movida pela boa-fé.  Nesse sentido, a jurisprudência brasileira firma o seguinte entendimento:

UNIÃO ESTÁVEL. SITUAÇÃO PUTATIVA. AFFECTIO MARITALIS. NOTORIEDADE E PUBLICIDADE. DO RELACIONAMENTO. BOA-FÉ DA COMPANHEIRA. PROVA DOCUMENTAL E TESTEMUNHAL. JUNTADA DE DOCUMENTOS COM A APELAÇÃO. DESCABIMENTO. 1. Descabe juntar com a apelação documentos que não sejam novos ou relativos a fatos supervenientes. Inteligência do art. 397 do cpc. 2. Tendo o relacionamento perdurado até o falecimento do varão e se assemelhado a um casamento de fato, com coabitação, clara comunhão de vida e interesses, resta induvidosa o affectio maritalis. 3. Comprovada a notoriedade e a publicidade do relacionamento amoroso havido entre a autora e o de cujus, é cabível o reconhecimento da união estável putativa, quando fica demonstrado que a autora não sabia do relacionamento paralelo do varão com a mãe da ré. Recurso provido. (apelação cível n 70025094707, 7 câmara cível do tj/rs. Relator: des. Sérgio fernando de vasconcellos chaves, julgado em 22/10/2008) ação de alimentos. Face à induvidosa situação de dependência financeira, mostra-se adequada a fixação de alimentos em favor da concubina, mesmo quando seu companheiro encontra-se casado. Configuração de situação análoga à união estável, que merece proteção estatal, em nome do princípio da dignidade da pessoa humana. O direito não há de proteger aquele que se vale de situação à margem da lei, a qual deu causa, em detrimento da parte adversa. Recurso provido em parte, por maioria, vencido o revisor. (tjrs, 8 c. Cív., ai 70010698074, rel. Des. Catarina rita krieger martins, j. 07.04.2005).

 Nesta mesma linha de decisão, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, asseverou que:

“Namorar homem casado pode render indenização devida pelo período do relacionamento. Durante 12 anos, a concubina dividiu o parceiro com a sua mulher ‘oficial’. Separado da mulher, o parceiro passou a ter com a ex-concubina uma relação estável. Na separação, cinco anos depois, ela entrou com pedido de indenização. Foi atendida por ter provado que no período do concubinato ajudou o homem a ampliar seu patrimônio. A 7ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul fixou indenização de R$ 10 mil. Para o desembargador José Carlos Teixeira Giorgis, relator da matéria, deve haver a possibilidade do concubino ganhar indenização pela vida em comum. Não se trata de monetarizar a relação afetiva, mas cumprir o dever de solidariedade, evitando o enriquecimento indevido de um sobre o outro, à custa da entrega de um dos parceiros’, justificou.  O casal viveu junto de 1975 a 1987, enquanto o parceiro foi casado com outra pessoa. Depois, mantiveram união estável de 1987 a 1992.  Com o fim da união, ela ajuizou ação pedindo indenização pelo período em que ele manteve outro casamento. A mulher alegou que trabalhou durante os doze anos para auxiliar o parceiro no aumento de seu patrimônio e, por isso, reivindicou a indenização por serviços prestados.  O desembargador José Carlos Teixeira Giorgis entendeu que a mulher deveria ser indenizada por ter investido dinheiro na relação. Participaram do julgamento os desembargadores Luis Felipe Brasil Santos e Maria Berenice Dias".

 Em outra decisão semelhante, o Des. Rui Portanova, usou a palavra “TRIAÇÃO”, haja vista a duplicidade das uniões. Veja:

APELAÇÃO CÍVEL. RECONHECIMENTO DE UNIÃO ESTÁVEL PARALELA AO CASAMENTO E OUTRA UNIÃO ESTÁVEL. UNIÃO DÚPLICE. POSSIBILIDADE. PARTILHA DE BENS. MEAÇÃO. “TRIAÇÃO”. ALIMENTOS. A prova dos autos é robusta e firme a demonstrar a existência de união estável entre a autora e o réu em período concomitante ao seu casamento e, posteriormente, concomitante a uma segunda união estável que se iniciou após o término do casamento. Caso em que se reconhece a união dúplice. Precedentes jurisprudenciais. Os bens adquiridos na constância da união dúplice são partilhados entre a esposa, a companheira e o réu. Meação que se transmuda em “triação”, pela duplicidade de uniões. O mesmo se verificando em relação aos bens adquiridos na constância da segunda união estável. Eventual período em que o réu tiver se relacionado somente com a apelante, o patrimônio adquirido nesse período será partilhado à metade. Assentado o vínculo familiar e comprovado nos autos que durante a união o varão sustentava a apelante, resta demonstrado os pressupostos da obrigação alimentar, quais sejam, as necessidades de quem postula o pensionamento e as possibilidades de quem o supre. Caso em que se determina o pagamento de alimentos em favor da ex-companheira. APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA. (TJRS – Apelação Cível nº 70022775605 – Santa Vitória do Palmar – 8ª Câmara Cível – Rel. Des. Rui Portanova – DJ. 19.08.2008). 

 “Apelação. União estável concomitante ao casamento. Possibilidade. Divisão de bem. ‘Triação’. Viável o reconhecimento de união estável paralela ao casamento. Precedentes jurisprudenciais. Caso em que a prova dos autos é robusta em demonstrar que a apelante manteve união estável com o falecido, mesmo antes dele se separar de fato da esposa. Necessidade de dividir o único bem adquirido no período em que o casamento foi concomitante à união estável em três partes. ‘Triação’. Precedentes jurisprudenciais. Deram provimento, por maioria” (TJRS, Acórdão 70024804015, Guaíba, 8.ª Câmara Cível, Rel. Des. Rui Portanova, j. 13.08.2009, DJERS 04.09.2009, p. 49).

Notadamente, na maioria dos casos além da concomitância familiar há apoio material do companheiro em comum as duas famílias, ou seja, a segunda companheira também depende financeiramente do parceiro, mais uma característica da configuração de uma entidade familiar e não mero envolvimento eventual.

O vínculo nas uniões concomitantes é tão profundo, tão linear é a sua constância, e às vezes tão longo, que o tido como amante passa a colaborar, tanto direta quanto indiretamente, na formação do patrimônio do companheiro casado. [14] Uma vez tendo sido reconhecida a união paralela como união estável, esta passa a ter todos os direitos que a legislação oferece as companheiras, perdendo a característica de concubina. A partilha dos bens torna-se uma mera conseqüência disso, não importando o tipo de contribuição feita pela companheira, se direta ou indireta. 

Nesta esteira, vale fazer referência aos seguintes julgados:

“Apelação cível. União estável. Relacionamento Paralelo ao casamento. Se mesmo não estando separado de fato da esposa, vivia o falecido em união estável com a autora/companheira, entidade familiar perfeitamente caracterizada nos autos, deve ser reconhecida a sua existência, paralela ao casamento, com a consequente partilha de bens. Precedentes. Apelação parcialmente provida, por maioria” (TJRS, Acórdão 70021968433, Canoas, 8.ª Câmara Cível, Rel. Des. José Ataídes Siqueira Trindade, j. 06.12.2007, DOERS 07.01.2008, p. 35).

Apelação. União dúplice. União estável. Possibilidade. A prova dos autos é robusta e firme a demonstrar a existência de união entre a autora e o de cujus em período concomitante ao casamento de ‘papel’. Reconhecimento de união dúplice. Precedentes jurisprudenciais. Os bens adquiridos na constância da união dúplice são partilhados entre a esposa, a companheira e o de cujus. Meação que se transmuda em ‘triação’, pela duplicidade de uniões. Deram provimento, por maioria, vencido o des. Relator” (TJRS, Apelação Cível 70019387455, 8.ª Câmara Cível, Rel. Rui Portanova, j. 24.05.2007).

Colhemos a lição de Giselda Hironaka valendo citar os seus dizeres que descrevem sua enfática preocupação em evitar o demasiado apego a “letra fria da lei”: 

“Que o direito não permaneça alheio à realidade humana, à realidade das situações existentes, às mudanças sociais importantes que, sem dúvida, têm se multiplicado na história das famílias, exatamente como ela é. “Cerrar os olhos talvez seja mais um dos inúmeros momentos de hipocrisia que o Legislativo e o Judiciário têm repetido deixar acontecer, numa era em que já não mais se coaduna com as histórias guardadas a sete chaves” (MOREIRA, 2014).

 

 

5.1.3 Triação de Bens

 

Conforme preleciona Cunha (2016), a triação de bens, novo modelo de partilha patrimonial, foi pioneiramente adotada pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, o qual assegurou os direitos patrimoniais à companheira.

O caso em tela foi julgado em 25 de agosto de 2005 nos autos da Apelação Cível nº 70011258605, onde restou reconhecido o relacionamento paralelo entre as partes, assegurando o direto de 1/3 do patrimônio adquirido durante o relacionando simultâneo, à companheira, ocasião em que a meação se transformou em triação, ante a duplicidade de uniões. Salienta-se que esta partilha decorreu do falecimento do varão que constituiu a relação poliamorosa.

Neste sentido, em relação ao direito alimentar, entende-se ser aquele baseado na proteção da família, insculpido no artigo 226 da Constituição Federal, o qual é assegurado auxilio material ao integrante da entidade familiar que fora dissolvida, a fim de garantir a parte que apresenta necessidade, o mínimo necessário para prover seu sustento, conforme averigua no artigo 1.694 do Código Civil que garante aos parentes, cônjuges e inclusive aos companheiros, pedirem alimentos uns aos outros, a fim de atender suas necessidades básicas.

Em passos curtos, mas seguindo o caminho da aplicação dos efeitos jurídicos às relações simultâneas, em decisão recente, o Superior Tribunal de Justiça conferiu alimentos à concubina idosa que manteve relacionamento paralelo com um homem casado, a decisão foi proferida em março deste ano, sob o fundamento do Princípio da Solidariedade, visto que durante os 40 anos de relacionamento extraconjugal, a concubina, dedicou sua vida ao companheiro que sempre a sustentou. Decisão justa, que servirá como precedente para outros julgamentos.

Verifica-se não ser razoável permanecer desprotegendo a família, mesmo que fundada em laços de paralelismo consentido, onde a realidade social não é  nem pode ser desconhecida, a fim de que seja praticada a justiça, e as partes, todas elas, tenham reconhecidas juridicamente a entidade familiar, bem como todos os efeitos delas decorrentes, inclusive os patrimoniais.

Para alcançar os efeitos jurídicos provenientes do poliamor, sob a ótica da equiparação com os efeitos atribuídos à união estável, seria necessário o seu reconhecimento como entidade familiar no âmbito jurídico.

Ocorre que mesmo havendo omissão legislativa, o Poder Judiciário vem, mesmo que de maneira restrita, reconhecendo e atribuindo efeitos às uniões simultâneas fundadas no afeto, com características da publicidade, continuidade, boa-fé e principalmente com o objetivo de constituição de família.

Entre os efeitos atribuídos, consiste na questão patrimonial e na superveniente segurança jurídica do companheiro, que findo o relacionamento simultâneo fundado sob o prisma do poliamor, o qual dedicou parte da sua vida, não pode sair completamente desamparado ou ser incumbido de levantar inúmeras provas para garantir ao mínimo uma indenização quando demonstrada sua efetiva contribuição para o crescimento patrimonial, lastreado de injustiça ante a invisibilidade jurídica deste tipo de relação.

Desta forma, urge a necessidade de regulamentação legal acerca do tema, ou ao menos ter garantido uma uniformização dos Tribunais Superiores, garantindo direitos que efetivamente são devidos aos companheiros que escolhem conviver em uma relação poliamorosa.

Neste sentido, a primeira Escritura de União Poliafetiva lavrada no Brasil, foi realizada no Cartório de Notas e Protestos da Cidade de Tupã, interior de São Paulo, no ano de 2012, onde as partes relacionadas eram duas mulheres e um homem, que já viviam sobre o mesmo lar e buscaram declarar a relação e garantir seus direitos, estabelecendo na Escritura Pública os direitos e deveres dos conviventes e a adoção do regime de comunhão parcial de bens.

Assim, observando a garantia familiar das relações homoafetivas reconhecida pelo STF ao serem julgadas as ADI 4.277 e a ADPF 132 e principalmente ante as constantes adequações da sociedade, recentemente foi lavrada a primeira Escritura Poliafetiva entre três mulheres, desta vez no 15º Ofício de Notas do Rio de Janeiro. Referido documento trata da questão patrimonial e sucessória, bem como dispõe sobre a dissolução da união poliafetiva e sobre os efeitos jurídicos desse tipo de união.

No entanto, é importante salientar que “A escritura pública não é constitutiva da união estável. É gerada por uma presunção de que aquelas próprias pessoas ali compareceram e aquilo declarou, estando de gozo de suas faculdades mentais e aparentemente livres de coação”.

 

6  REGISTRO DE UNIÃO POLIAFETIVA

 

O Conselho Nacional de Justiça começou a discutir, no dia 24/04/2018, se cartórios podem registrar como união estável relações que envolvam mais de duas pessoas. Trata-se de um pedido de providências em que a Associação de Direito de Família e das Sucessões pleiteia a inconstitucionalidade da lavratura em cartórios  de escrituras de “união poliafetiva”, constituída por três ou mais pessoas. 

O pedido de providências foi proposto contra dois cartórios de comarcas paulistas, em São Vicente e em Tupã, que teriam lavrados escrituras de uniões estáveis poliafetivas.

Com esse julgamento, o CNJ irá orientar todos os tabelionatos do País sobre como se portar diante do chamado poliamor, ou seja, de pedidos para reconhecimento de famílias que sejam compostas por três ou mais partes.

O conselheiro João Otávio de Noronha, que é relator da matéria e corregedor-geral de Justiça, votou a favor do pedido de providência da Associação de Direito de Família e das Sucessões (ADFAS), para que o conselho proíba cartórios de concederem escrituras a uniões poliafetivas. “O conceito constitucional de família, o conceito histórico e sociológico, sempre se deu com base na monogamia”, argumentou.

O ministro voltou a polemizar e afirmou, ainda, que se fala muito no direito das minorias, mas que “ninguém é obrigado a conviver com tolerância de atos cuja reprovação social é intensa”. “E aqui ainda há intenso juízo de reprovação social. Sem querer ser moralista, estou dizendo o que vejo na sociedade”, relatou.

Após o voto de Noronha, o conselheiro Aloysio Corrêa pediu vista e o julgamento foi interrompido. Apesar disso, o conselheiro Luciano Frota informou que irá divergir do relator.

O requerimento da ADFAS questiona escrituras nesse sentido feitas por três cartórios. A entidade também pede que o conselho espeça recomendações a serviços notariais de todo país acerca da questão, a fim de vedar o reconhecimento de uniões com mais de duas pessoas.

Em nome do Ministério Público, o subprocurador-geral da República, Aurélio Virgílio, defendeu que não há nenhuma nulidade no ato do tabelião que reconhece esse tipo de relação, “desde que essa seja a vontade das pessoas”. Ele lembrou que a poligamia, assim como a homossexualidade, era considerada crime décadas atrás, e que isso não existe mais porque o conceito de família evolui com a sociedade. “Do ponto de vista dos direitos humanos, não vejo como admitir restrição, muito menos impor ao tabelião que tipo de declaração deve fazer sobre a vontade das partes”, disse.

Ele criticou, ainda, a demagogia com que é tratado o tema. “O poliamor não é novo na história, desde a antiguidade se pratica, talvez com bem menos dose de hipocrisia do que como se comenta hoje em dia”, afirmou. Para Vírgilio, a discussão diz respeito à esfera privada da vida das pessoas e, portanto, não cabe ao Estado interferir nesta decisão. Ele defendeu, ainda, que não cabe fazer interpretação restritiva das leis sobre o tema, pois uma visão nesse sentido levaria, também, ao não reconhecimento da união entre pessoas do mesmo sexo. “O caso não viola a Constituição nem o Código de Civil”, sustentou.

Segundo o ministro, permitir o reconhecimento de união estável com mais de dois integrantes seria fazer “tábula rasa da tradição de um povo”. “Vamos destruir todo milenar conceito de família em um sistema onde impera o cristianismo?” argumentou.

O corregedor citou que o Supremo Tribunal Federal reconhece a união homoafetiva, mas desde que seja monogâmica. “O Supremo permitiu o casamento de pessoas do mesmo sexo. Nem a esse ponto quisemos ir ao Superior Tribunal de Justiça, porque achamos que dependia do legislador, fomos conservadores. Tomamos todo cuidado na evolução do Direito de família. Este direito avança na legislação”. Ele lembrou, ainda, que o STJ julgou inúmeras vezes que não se pode reconhecer a dupla união estável (TEIXEIRA, 2018).

No dia 22/05/2018, durante sua 272ª Sessão Plenária, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) retomou o julgamento que fora interrompido por um pedido de vista do conselheiro Valdetário Monteiro. Até então, acompanhando  o voto do relator, Corregedor Nacional de Justiça, ministro João Otávio de Noronha quatro conselheiros tinham votado pela procedência do pedido – ou seja, pela proibição dos cartórios de lavrarem este tipo de escritura. 

Para o ministro Noronha, a legislação avançou ao reconhecer direitos como o divórcio, a união estável para casais hetero e homoafetivos, mas sempre com o propósito de incentivar a consolidação das relações no casamento e da família, e no sentido de preservar a monogamia. 

“Todos os povos respeitaram a monogamia como condição para uma convivência duradoura. A legislação foi criada para proteger a família legalmente constituída, por isso a fidelidade como exigência das uniões homoafetivas. Se as uniões poliafetivas não podem levar ao casamento porque constituiria crime de bigamia ou poligamia, então não podemos reconhecer essa situação”, disse o relator.

Para o ministro Noronha, seria muita precipitação o plenário avançar para legitimar algo que não caberia ao CNJ. “Cabe-nos vedar, porque não encontra amparo na legislação. Não quero ser tomado por um moralista, não estou julgando pelo meu pensamento, mas com a consciência jurídica”, disse. Seguiram seu voto os conselheiros Valtércio de Oliveira, Iracema do Vale, Márcio Schiefler e Fernando Mattos.

Duas divergências.

O conselheiro ministro Aloysio Corrêa da Veiga a primeira divergência em relação ao voto do relator. Para Corrêa da Veiga, é possível lavrar escrituras públicas em que se registre a convivência de três ou mais pessoas por coabitação. Contudo, de acordo com o seu voto, não se pode equiparar essas escrituras à união estável e à família.

“Não se pode negar a existência da pretensão de lavrar uma escritura pública em que haja convivência entre homens e mulheres que resolvam definir obrigações e dever de coabitação”, disse Corrêa, cujo voto, pela parcial procedência do pedido, foi acompanhado pelos conselheiros Arnaldo Hossepian e Daldice Santana.

O conselheiro Luciano Frota inaugurou a segunda divergência em relação ao voto do  relator, ministro Noronha,  no sentido de total improcedência do pedido – ou seja, pela permissão de que os cartórios lavrem escrituras de união estável poliafetiva. 

Para o conselheiro Frota, o direito deve acompanhar a dinâmica das transformações sociais e o nosso sistema jurídico possibilita a atualização de seu conteúdo, ajustando-se à realidade da sociedade.

 Luciano Frota citou, em seu voto, a desembargadora do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ-RS), Maria Berenice Dias, para quem hoje o que identifica uma família é o afeto, onde se encontra o sonho de felicidade: a Justiça precisa se atentar a essa realidade.

“Não cabe ao Estado determinar qual tipo de família deve existir, as pessoas têm o direito de formular seus planos de vida e projetos pessoais”, disse Frota. E citou a doutrina de Maria Berenice: “A intervenção do Estado na família deve ser apenas no sentido de proteção, e não de exclusão”.

 O julgamento foi suspenso por um pedido de vista do conselheiro Valdetário Monteiro. Cinco conselheiros ainda não votaram. O atual resultado do julgamento  é provisório, pois é possível que conselheiros alterem os votos já proferidos, o que pode acontecer até o final do julgamento.  Item julgado: 0001459-08.2016.2.00.0000.

(FARIELLO, 2018)

 

 

 

 

 

7 CONCLUSÃO 

 

O poliamor é fundado basicamente no afeto, onde três ou mais relacionados optam por este relacionamento simultâneo, os quais se aceitam e fixam suas normas de convivência, caracterizada pelo objetivo de constituição de família, pela boa-fé, publicidade e durabilidade das relações.

Almeja-se que as relações fundadas no poliamor, sejam tratadas sem estigmas e desigualdades, partindo do pressuposto de certificar que os envolvidos convivem como se família fossem, sendo consequentemente capaz de produzir efeitos jurídicos, entre eles os alimentos, a partilha de bens e o direito à sucessão, os quais devem ser garantidos aos conviventes, a fim de que lhes sejam assegurados um mínimo de amparo jurídico e a dignidade seja efetivada através do reconhecimento dessas entidades plurais como instituto de direito de família.

O relacionamento poliamoroso e as normas de convivência pontuadas entre eles, não atingem negativamente a terceiros, muito pelo contrário, busca-se apenas ter seu relacionamento simultâneo legalmente regulado, concretizando a garantia mínima de direitos aos indivíduos.

No entanto, até que surja norma regulamentadora específica, cada caso concreto deve ser analisado e havendo o preenchimento dos requisitos mínimos à configuração da união estável, entende-se ser possível e necessário o reconhecimento do poliamor, a fim de garantir uma mínima dignidade ao companheiro que decidiu pôr fim à relação ou quando esta tiver sido dissolvida pela morte de um deles, assegurando-lhe todos os direitos inerentes ao direito de família.

Portanto, o reconhecimento do poliamor como entidade de Direito de Família, minimizaria injustiças e preconceitos com os relacionados, passando o Direito a se adequar aos fatos da vida e as mudanças sociais, efetivando a liberdade entre aqueles que escolhem viver em um tipo de relacionamento ainda estigmatizado pela sociedade.

 

 

 

 

 

 

 

 

REFERÊNCIA

 

 

 

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CUNHA, Danielle. Triação de Bens: Uma análise do poliamorismo sob a ótica patrimonial. Disponível em: <https://juridicocerto.com/p/danielle-cunha/artigos/triacao-de-bens-uma-analise-do-poliamorismo-sob-a-otica-patrimonial-2525> Acessado em: Março de 2018.

 

 

DIAS, Maria Berenice . Amores Plurais. Instituto Brasileiro de Direito de Família. Disponível em:  <http://www.ibdfam.org.br/noticias/ibdfam-na-midia/15010/Amores+plurais+-+por+Maria+Berenice+Dias>.   22/08/2017. Acessado em: 22/03/2018.

 

DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 4ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016.

 

 

FARIELLO, Luiza. União poliafetiva: pedido de vista adia a decisão. Publicado dia: 22 maio de 2018. 

Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/86892-uniao-poliafetiva-pedido-de-vista-adia-a-decisao> Acesso em: 25/06/2018.

 

 

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PILÃO, Antonio. Entre a liberdade e a igualdade: princípios e impasses da ideologia poliamorista. Cadernos Pagu, Campinas, SP, n. 44, p. 391-422, jun. 2015. ISSN 1809-4449. Disponível em: <https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/cadpagu/article/view/8637379>. Acesso em: 22 mar. 2018.

 

 

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TEIXEIRA, MatheusPoliamor: CNJ discute reconhecimento de união estável com mais de duas pessoas. Disponível em: <https://www.jota.info/justica/poliamor-cnj-discute-reconhecimento-de-uniao-estavel-com-mais-de-duas-pessoas-24042018> Publicado em 24/04/2018. Acesso em: 06/05/2018.