Amo  poesia, mas confesso que pouco sei sobre o assunto. Amo porque sinto, porque me emociono, me encanto, mas longe de mim teorizar sobre os escritos que vem do fundo da alma, que expressam às vezes o lado sombrio da existência.  Lembro-me do Rainer Maria Rilke em Cartas para um jovem poeta, presente de um velho amigo que me acreditava um poeta aprendiz. Confesso que depois de ler, fiquei tempos sem escrever, pois não sabia se o que escrevia era mesmo poesia. “Não faça poesia sobre acontecimentos, pois não é poesia...”

Mas estou diante do livrinho de poesia da amiga Bete Cunha, Poemas para uma conta de mais, cujo nome sugere um poema cartesiano. Poema pode ser a soma de tudo e mais alguma coisa. O livro é bilíngue e algum leitor distraído pode pensar que se trata de uma autora nascida em algum lugar das Américas em que o castelhano se tornou dominante. Mas não, ela é daqui mesmo, nascida em São Caetano do Sul, de pai cearense e mãe de origem italiana. Essa mistura de etnias que o pai trouxe dos confins do Brasil, índias, portugueses homens, mulheres negras vindas da África se amalgama com uma descendente de italianos, cuja formação envolve também noutras tantas etnias, como gregos, fenícios, mouros, vândalos entre outros.

Mas por que um livro de poesia em português e espanhol? Bete talvez tenha um sonho, o de tornar a América Latina uma só, nem portuguesa, nem espanhola, mas ibérica.  Eu ainda lhe pergunto se considera a sonoridade espanhola mais musical do que a portuguesa. Ela não saberá responder e talvez se limite dizer: Ya no sé de mis fronteras/ me he perdido entre las tuyas/ no sé si vou o comienzo...”

Em Te ouço, ela diz: “Por entre as sombras, nas dobras da luz, eu te procuro.”  E aí me lembro novamente de Rilke quando ele diz: “Fale das suas tristezas e dos seus desejos, dos pensamentos que o tocam, da sua fé na beleza”.

“Ninguém/nem améns/poderão celebrar a missa dos demais. Eu e você sós/ nessa conta de mais”. Para o criador nada é pobre, nem uma conta de mais, não há coisas mesquinhas ou indiferentes. A conta de mais soma coisas, soma lembranças, soma esperanças, soma desejos não realizados. Mas as contas de menos, subtraem de nossas memórias aquilo que perdemos ou que não desejamos.  Como diz Bete no poema, somos in-divíduos, únicos e inexpugnáveis. Ninguém  “... saberá de nós o que fomos”.

Em essência, os versos “Tempo,/ tempo passado/ presente, futuro/ relativizações da essência de um igual”, me lembraram T.S.Eliot: “O tempo passado e o tempo presente/ Estão ambos talvez presentes no tempo futuro/ E o tempo futuro contido no tempo passado./ Se todo tempo é eternamente presente/ Todo tempo é irredimível.” .Não sei se a Bete Cunha leu esse poema, mas ela e Eliot concluem de forma diferente a reflexão sobre o tempo. Para a poeta é tudo relativo, mais um experimento. “Em la curva dos los años, em el espacio del aprender...”. Enquanto Eliot se perde em sua erudição sem fim, uma perpétua possibilidade em direção à porta que jamais será aberta.

Enfim, ler os poemas para uma conta de mais foi prazeroso, e me ajudou a rever Rainer Maria Rilke e seu pequeno livro para entender um pouco mais de poesia e sentir o “cheiro de terra amanhecendo no ar”. Bete ainda tem muitos versos escondidosque foram escritos desde os nossos tempos de juventude inquieta e esperançosa, mesmo sem esperanças que precisam emergir em novos livros para somar às nossas contas.

Poemas para uma conta de mais – Bete Cunha.