Adilson Marinho*

Poder disciplinar em Michel Foucault

 

Resumo

O presente trabalho tem por finalidade acompanhar as mudanças ocorridas nas formas de punição desde a idade clássica (séculos XVII e XVIII) , culminando com a instituição da prisão como a forma suprema de disciplinarização.

Basear-me-ei na obra de Michel Foucault, “VIAGIAR E PUNIR”, e em seus comentadores como leitura complementar. O referido trabalho está dividido em quatro momentos, a saber:

Primeiro, uma apresentação do modo de punir denominado suplício, demonstrando a necessidade de mudança para um novo poder de coação e dominação. Em seguida apresentar a reforma que se dá no sistema disciplinar idealizado pelos reformadores humanistas, até chegar a instituição prisão e o modo de seu funcionamento e finalmente uma apresentação desses mecanismos de disciplina sob a ótica de Foucault.

Palavras – chave

Poder disciplinar – suplícios – delinqüência – controle – sociedade disciplinar – prisão – carcerário – punição.

Abstract

The present work have for finality to escort the change occurred in the forms of punishment since the classical age (century XVII and XVIII), culminating with the institution of the prision how the supreme form of disciplinarization.

I go to sabe-me in the production of Michel Foucault, ”TO VIGIL AND DISCIPLINE”, and in yours commentator how completing reading. The related work is divided in four moments, the know:

First, one introduction of the mode of to punish called torture, demonstating the necessity of change for one new power of coation and domination. In following to show the reform what give in the to discipline system idealizated for humanists reformers, till to arrive the prision institution and the mode of your functionament and for finality we will see the what Foucault say us about this mecanism of discipline.

Key words

To discipline power – tortures – delinquency – control – discipline society – prision – warden - punishment.

 

Introdução

Ao analisar a Tecnologia do poder como princípio de humanização  da penalidade e do conhecimento do homem, Foucault se utiliza da prisão para demonstrar a mudança de atitude com relação à disciplina no Ocidente; destaca três figuras de punição cada qual ilustrando a maneira que a sociedade trata os criminosos como objetos a serem manipulados:

ÆA tortura como uma arma da soberania;

ÆA correta representação como um sonho de reformadores humanistas na época clássica;

ÆA prisão e a vigilância enquanto encarnação da tecnologia do poder disciplinar.

*Graduado em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná.

Bio - político = poder sobre o corpo

O ato de executar alguém publicamente representava a vitória do soberano sobre o corpo – “liquidado e reduzido à poeira” – do súdito rebelde. Procurava por um “cerimonial “, onde, através de rituais diversos, procurava-se reconstituir a dignidade real, lesada pelo “criminoso”.

A partir do momento que se percebeu o poder real um tanto quanto frágil, elaborou-se uma reforma no sistema judiciário vigente. De acordo com Foucault essa reforma não se fundamentou no humanismo, mas estava alicerçada no desejo  de instaurar um poder de julgar e subjugar, para esse fim criou-se uma nova distribuição do poder, diminuindo o custo econômico e político da punição.

Procura-se tornar tão discreto quanto possível o singular poder de punir, sai de cena a morte, e todos os investimentos do poder direcionam - se  para a gestão de vidas; extermina-se o aspecto físico, dando lugar ao bio – político.

O controle agora passa a ser organizado de modo a permitir o adestramento de corpos, de inserir os corpos numa mecânica propiciadora de lucros.

“ reforma no poder de punir deve ser lida como uma estratégia para o remanejamento do poder de punir. ( Vigiar e Punir, 69, 2003).

A intenção maior seria a diluição do poder na sociedade, na qual não seria mais necessário punir, porque, não seria mais poder sobre alguns, mas, como uma reação imediata de todos em relação a cada um.

“ vigiariam-se uns aos outros, tendo sido dominada sua mente e seu espírito e modo de pensar. (Vigiar e Punir, 107,2003).

1. A Punição na época dos suplícios:

  • A vingança do poder do rei.

 

Os criminosos eram forçados a confessar seus crimes para o “povo”, num espetáculo público, no qual eram esquartejados, queimados com éleo quente, isso tudo fazia parte de um ritual político, que representava o desejo do soberano.

Uma quebra no cumprimento da lei era um ataque ao corpo do rei, por isso era preciso uma demonstração de poder exemplar, fazendo parecer que isso era um ato terrível. Nesse processo o corpo era o objeto utilizado para se vingar do afrontamento.

Mesmo o rei sempre prevalecendo nesse duelo de forças, havia um desgaste destas mesmas forças, obrigando-o sempre que o poder era desafiado a reativar e reaplicar a punição cada vez com maior ferocidade sobre o condenado.

Contudo o soberano nesse teatro atroz não estava só, havendo procedimentos legais a serem observados até a consumação da pena capital.

“O estabelecimento de uma acusação e os procedimentos de verificação da acusação eram prerrogativa absoluta dos magistrados”. (Trajetória Filosófica, 160, 1995). No entanto o acusado era mantido afastado desses procedimentos, que eram mantidos em segredo, enquanto eram construídas as provas abaixo de rigorosas regras, tornando assim a informação penal no elemento que pode produzir a verdade na ausência do acusado. Estando satisfeitos sobre a verdade das acusações, a lei poderia parar seus procedimentos, porém, a confissão se fazia imprescindível; era obtida por meio de tortura, e várias vezes para abreviar a dor e o sofrimento muitos acabavam por confessar mesmo sem culpa.

Os suplícios,  arte de incutir dor controlada, subdividindo-a em mil mortes se caracterizava por infligir “as mais excêntricas agonias, antes do término da existência” (Trajetória Filosófica, 161, 1995 ), porém, a dor pela qual deveria passar o condenado deveria ser equivalente ao crime cometido.

 

  • A tortura como forma de verdade.

 

Não era somente o poder do soberano que era submetido a rituais, como também a verdade da acusação que através da tortura conduzia a confissão. A figura da tortura além de uma demonstração de poder tinha como objetivo revelar a verdade, ao contrario do poder do soberano que era descontínuo e por isso  teria de ser renovado e reestruturado a cada nova  quebra de poder afim de coagir o povo a não mais cometer um crime, e desse modo afrontar o poder real.

 Mas também este ritual da confissão era vulnerável, pois precisava de um público, sem o qual toda a eficácia da cerimônia seria anulada; o problema consiste justamente de que a presença de grandes multidões nas demonstrações de forças é uma faca de dois gumes, já que o objetivo de inspirar medo saia pela culatra e causava inúmeras revoltas, onde consideravam a condenação injusta, e acabavam se identificando mais com o acusado do que com os executores, ainda mais que o criminoso aproveitava a ocasião para se proclamar inocente, invertendo desse modo os papéis, podendo ser causa de uma revolta.

2- A reforma humanista:

2.1: Menos violência mais controle

 

No século XVIII, um grupo de reformadores humanista, começou a atacar o excesso de violência, pedindo a abolição do “teatro de atrocidades”, que em sua opinião tinha na essência apenas a violência, devendo, portanto mudar para que não fosse apenas uma vingança e sim uma punição dos crimes. Os reformadores propuseram um novo estilo de punição que combinava clemência com uma maior eficácia de aplicação, tendo como justificativa principal o contrato social, que as pessoas ao se reunirem teriam instituído para formar a sociedade, desta forma o crime não mais constitui uma afronta ao poder real, mas na quebra do contrato, sendo assim a sociedade como um todo, é a vítima.

O critério que agora deveria ser adotado para que a justiça operasse é a humanidade para com o condenado que desta maneira não está só, mas envolve a sociedade inteira.

A punição deve agora ser transparente compatível com o crime cometido, devendo fazer lembrar imediatamente a natureza do crime e o remédio imposto para corrigi-lo, em suma uma recompensa para a sociedade  e uma  lição para o  criminoso.

Em 1791 os humanistas propõem uma legislação criminal, que relembra o velho código de Hamurabi e a Lei de Talião, “olho por olho dente por dente”, devido à necessidade de uma punição exata na relação da natureza do delito com a pena imposta, como exemplo: Se o crime for ser preguiçoso a pena será a condenação a trabalhos forçados, se tiver sido feroz sofrerá dores físicas e assim por diante.

A punição poderia ser considerada eficaz, apropriada e humana, quando se conseguia estabelecer uma transparência entre o ato cometido e a correção, ou seja, a punição deveria atacar o crime na sua fonte, fazendo com que a mesma força que o provocou se volte contra o criminoso.

Os humanistas mesmo não ignorando o corpo, têm na alma seu objetivo principal, para eles a forma ideal de punição eram os trabalhos públicos, deixando os criminosos em evidência, bem a vista de todos, beneficiando deste modo duplamente a sociedade,  com seu trabalho e sua lição, na qual a punição é transformada numa espécie de moralidade pública.

Neste processo “ a moralidade da punição não deve divulgar um efeito físico  do terror” (Trajetória Filosófica, 164, 1995 ), desta forma ameniza a resistência popular haja vista o próprio criminoso ser uma lição moral para todos. O corpo deixaria de sofrer as atrocidades do suplício, agora o réu é manipulado para se libertar do “mal” que teria cometido com a  mudança de sua mentalidade.

Se antes o saber do crime através da tortura era obtido em segredo, e tornado público através da confissão do criminoso, agora, os reformadores humanistas constróem “um código no qual todas as variações dos criminosos e punições seriam conhecidas de forma objetiva, exaustiva e pública.” ( Trajetória Filosófica, 164, 1995).

Muitos  elementos dos objetivos humanistas serão incorporados mais tarde pela nova forma de saber e correção denominada de Tecnologia Disciplinar.

3- A prisão

 

3.1-  Punição e vigilância nas prisões

 

A prisão, pré - existe aos modos sistemáticos utilizados para a disciplina que a classificam como instituição ( afim de tornar os indivíduos dóceis e úteis), que tem inicio nos séculos XVIII e XIX , quando ocorre a passagem para uma penalidade de detenção, mas na realidade essa penalidade dava abertura a mecanismos de coerção já elaborados em outros lugares, como: Nos hospitais, nas escolas, nos reformatórios, etc. essas instituições  podem aparentar finalidades diferentes, mas , seus objetivos são a produção de corpos dóceis, dentro de padrões de normalidade, aptos para a produção.

A detenção foi tida como a pena por excelência ; uma justiça que se dizia igual para todos e um aparelho que se pretendia autônomo, no entanto  é carregada de inconvenientes sendo perigosa quando não inútil, e no entanto não vemos o que pôr no lugar, em suma “ ela é a detestável solução, de que não se pode abrir mão”. (Vigiar e Punir, 196, 2003).

As prisões eram caras, por isso obrigavam os prisioneiros a trabalhar para pagar sua correção. Ensinariam aos que se desviaram ( do programa) da norma, as alegrias do trabalho, ainda mais que seriam pagos, haja vista não contrariar o sistema que obriga a se remunerar todos neste modelo de sociedade. Reuniriam neste reformatório ideal, o econômico e o moral, o individual e o social.

Este modelo posteriormente foi aperfeiçoado, acrescentando-se o “isolamento”, em que o detento iria descobrir –“no fundo de sua consciência a vós do bem “- , procuravam desta maneira com que o próprio indivíduo  fosse sujeito da transformação de seu próprio comportamento.

Mas o isolamento completo enlouquece, e havendo a procura de um menor custo, dá-se a união dos dois métodos, alternando com o isolamento, o trabalho como agente da transformação carcerária. Contudo isso provocou grande oposição por parte dos trabalhadores, contra os serviços na prisão, uma vez que os operários temiam a concorrência com o trabalho penal, por causa dos baixos preços que arruinariam seu salário. “Há uma campanha de imprensa nos jornais operários sobre o tema de que o governo favorece o trabalho penal para fazer baixar os salários “livres” “. (V.P., 203, 2003).

Mas a prisão não é uma oficina e sim uma máquina de que os detentos operários são ao mesmo tempo as engrenagens e os produtos, sua importância não está no trabalho, mas no valor que ele transmite aos detentos afim de mantê-los ocupados para que em sua alma renasça a calma. “ A utilidade do trabalho não é o lucro nem mesmo a formação de uma habilidade útil” (V.P,204,2003), mas sim , a reafirmação de que precisa manter-se pelo trabalho, com o sistema assalariado e tirar do ladrão o conceito de viver as custas do trabalho alheio.

A prisão deve ser equiparada ao médico, que medica seu paciente até estar curado, e aí para a medicação, ela também deve intervir com o detento até estar completamente regenerado, com a possibilidade de liberdade provisória, correndo o risco de ser reintegrado a prisão a menor queixa com fundamento.

Para que o sistema funcione bem, se utilizam da divisão e classificação dos criminosos em três categorias:

F Os que tem um maior nível de estudo, que se tornam perversos quer por disposição inata , por possuir uma “moral iníqua” ou por uma apreciação própria dos deveres sociais; estes devem ser isolados  afim de não contagiarem os outros com suas idéias, e se for preciso o seu contato som os outros, devem usar uma máscara parecida com as usadas em esgrima.

F A seguir os embrutecidos ou passivos, arrastados para o mal por covardia, preguiça, falta de resistência as más incitações; a eles deve-se aplicar mais educação do que repressão, isolamento à noite e trabalho em conjunto de dia, as conversas serão permitidas somente em voz alta.

F e por fim os ”inaptos e incapazes” que não podem ser utilizados para nenhuma atividade que exija o pensamento e força de vontade, não possuem instrução a ponto de conhecer os deveres sociais, nem inteligência suficiente para os compreender e combater seus instintos  pessoais, acorrem ao crime por sua própria incapacidade: devem viver em comum já que a solidão não traria proveito, no entanto formariam pequenos grupos, e seriam estimulados a se ocuparem em conjunto, sempre aos olhos atentos de um vigia.

Nesse novo saber importa qualificar “cientificamente o ato enquanto delito e principalmente o indivíduo enquanto delinqüente”. (V.P. 213, 2003).

3.2-  O pretenso fracasso da prisão

 

No princípio a prisão foi um dispositivo disciplinar cuidadosamente articulado, sendo logo a seguir denunciada como o grande fracasso da justiça penal.

“ As prisões não diminuem a taxa de criminalidade: pode-se aumentá-las, multiplicá-las ou transformá-las, a quantidade de crimes e de criminosos permanece estável, ou, ainda pior, aumenta.” ( V.P. 221, 2004).

Esses delinqüentes são fabricados pelo tipo de existência que a prisão os obriga a levarem; ou isolados na cela ou praticando um trabalho inútil, que não utilizarão mais tarde. Também pelo abuso do poder exercido pelos funcionários e a arbitrariedade da administração que aumenta o sentimento de injustiça que o prisioneiro experimenta, caracterizando uma das causas para tornar o seu caráter indomável.

O próprio mecanismo da vigilância, corrompido e ministrado por pessoas despreparadas que o fazem por profissão, favorece a organização e aproximação dos delinqüentes num ideal comum, (há uma solidariedade mútua) que os deixa aptos a cumplicidades futuras.

Mas o sistema usa de seu “fracasso”, e no momento que se entra na prisão aciona-se um mecanismo que torna o infrator infame e ao sair não pode fazer nada senão voltar a ser delinqüente sendo desta maneira reabsorvido e usado.

Como exemplo podemos ver o do “ operário condenado por roubo, posto em Rouen, preso novamente por roubo, e que os advogados desistiram de defender “.                         

Quando então ele mesmo toma a palavra, afim de descrever a sua vida.

“ Explica como, saído da prisão e com determinação de residência, não consegue recuperar seu ofício de dourador, sendo recusado em toda parte  por sua qualidade de presidiário; a polícia lhe recusa o direito de procurar trabalho em outro lugar ; ele se viu preso a Rouen  e fadado a morrer de fome e miséria como efeito dessa vigilância opressiva. Pediu trabalho à prefeitura; ficou ocupado 8 dias nos cemitérios por 14 soldos por dia:

Mas, diz ele, sou moço, tenho bom apetite, eu comia mais de duas libras de pão a 5 soldos a libra; que fazer com 14 soldos para me alimentar, lavar roupa e morar? Estava reduzido ao desespero, desgostei-me de tudo; foi então que conheci Lemaitre que também está na miséria; tínhamos que viver e a má ideia de roubar nos voltou”. (V.P. 223, 2004)

3.3- O CARCERÁRIO

Neste texto Michel Foucault, nos apresenta uma colônia, uma espécie de prisão adotada na França no século XVIII, denominada desta forma por consistir num lugar retirado da cidade, onde haviam pessoas de várias idades, desde menores infratores até os mais velhos, também havia uma variada gama de penas  que ia desde delitos comuns até crimes profundamente elaborados.

Na colônia existia várias escalas diferentes de classificação, tais como:

Ø O modelo da família: Onde o preso recebe aulas de afetividade e relacionamento com a família;

ØO modelo  oficina: onde o preso é instruído nas noções básicas de uma profissão (artesanato, agricultura);

 ØO modelo exército: onde o preso recebe formação de como se portar como um cidadão, aulas de exercícios físicos, de regime militar;

ØO modelo escola: onde o preso recebe uma hora e meia de aulas com                  disciplinas diversas.

ØO modelo judiciário: no qual o preso recebe diariamente por bom comportamento a redução de sua pena.

Em caso de mau comportamento recebiam punições de acordo com a infração cometida, caso fosse grave sua pena voltava a totalidade, anulando dessa forma os indultos concedidos.

“ A mínima desobediência é castigada e o melhor meio de evitar delitos graves é punir muito severamente as mais leves faltas; em Mettray  reprime-se qualquer palavra inútil; O isolamento é o melhor meio de agir sobre o mal das crianças, é aí principalmente, que a voz da religião, mesmo que nunca houvesse falado a seu coração, recebe toda a força e emoção; Ao entrar na colônia a criança é submetida a uma espécie de interrogatório para se Ter uma idéia de sua origem, posição de sua família, a falta que levou diante dos tribunais e todos os delitos que compõem sua curta e as vezes bem triste existência. Essas informações são postas em um quadro onde se anota sucessivamente tudo o que se refere a cada colono, sua estada na colônia e sua situação depois que sai.” (V.P., 243 e 244, 2003).

 

No sistema carcerário se inaugura um novo tipo de controle, no qual, se obtém ao mesmo tempo conhecimento e poder sobre os indivíduos que ousam resistir a normalização disciplinar, esses controles normalizadores eram fortemente enquadrados por uma medicina e uma psiquiatria que lhes conferia uma forma de cientificidade.

“Na normalização do poder de normalização, na organização de um poder-saber sobre os indivíduos, Mettray e sua escola fazem época.” ( V.P.,  245, 2003).

Esta instituição continua sendo prisão por deter ai jovens delinqüentes condenados pelos tribunais, mas que mesmo sendo citados haviam sido absolvidos em virtude do artigo 66 do Código, conjuntamente com alunos internos retidos, título de correção paterna.

Se na justiça penal, a prisão convertia o processo punitivo em técnica penitenciária, os sistema carcerário, transporta essa técnica da instituição penal para o corpo social inteiro; desta forma podemos acompanhar o processo de transformação sofrido na concepção do delinqüente que a princípio se dava como o adversário do soberano, depois inimigo social, transforma-se agora no servidor, que traz consigo o perigo múltiplo da desordem, do crime, da loucura.

A rede carcerária não consente em perder nem o que consentiu em desqualificar, onde o delinqüente é um produto da instituição, nunca estando fora da lei, mas desde o início dentro dela, intrinsecamente engajado  nos mecanismos que fazem passar da disciplina à lei, do desvio a inflação, onde o 

delinqüente é um produto da instituição.

“Em resumo, o arquipélago carcerário realiza, nas profundezas do corpo social, a formação da delinqüência a partir das ilegalidades sutis, o ressarcimento destas por aquela e a implantação de uma criminalidade especificada.” ( V.P., 249, 2003 ).

O sistema carcerário bem mais que a prisão consegue tornar natural e legítimo o poder de punir.

 

 

4- A ótica de Foucault:

 

4.1- A sociedade disciplinar

 

Em vigiar e punir Foucault enfoca a reforma do  sistema penal, quando modificando a velha prática de enclausuramento decidiram implantá-la, ele afirma que a prisão e a punição não são apenas um conjunto de mecanismos repressivos, mas muito além disso é uma função social complexa e por esse motivo deve ser abordada de forma muito mais profunda.

Tendo no corpo seu principal alvo Foucault descreve as suas relações de complexidade e sua produção, seu sistema histórico de articulações, sua  genealogia, e esse domínio do corpo a princípio e mais tarde da própria alma do criminoso ele descreve como o surgimento  da “Sociedade Disciplinar”: caracterizada como um modelo de controlar o tempo, de vigiar e registrar continuamente o indivíduo e sua conduta; esta “sociedade” deu lugar ao nascimento de saberes, onde o modelo prioritário de estabelecimento da verdade é o “exame”, onde a sujeição não se faz apenas na forma negativa da repressão, mas, no modo mais sutil do adestramento, da produção positiva de comportamentos que definem o indivíduo.

4.2- O PANOPTICO

 

Conjuntamente com o exercício  do poder disciplinar surgem instituições articuladas  a elas, que para simplificar o domínio elaboram um “projeto arquitetônico” próprio com celas dispostas em círculos bem iluminadas centralizadas por uma torre da qual apenas um vigia detém  o controle; esta arquitetura é o contrário da masmorra que com suas sombras no fundo protegia.

Foucault as chama de instituições de seqüestro pelo fato da reclusão que elas operam não pretender propriamente “excluir”, ao contrário visam fixar o indivíduo:

como exemplo a fabrica não exclui, mas liga os operários a um aparelho de produção, a escola fixa os alunos a um aparelho de transmissão do saber, o hospital psiquiátrico liga os indivíduos a um aparelho de correção, o mesmo acontece com a casa de correção ou a prisão.

Se antes havia o espetáculo do suplício agora há o “espetáculo da vigilância”. Opera-se uma transformação, (devido as necessidades de acompanhar as mudanças da sociedade e do estado) de uma arquitetura de espetáculo para uma arquitetura de vigilância.

Busca-se o controle total e individual, onde cada indivíduo, “acabará por interiorizar a ponto de observar a si mesmo”, exercendo a vigilância “sobre e contra si mesmo”, “portanto, mais que uma técnica particular, é um poder continuo e de custo irrisório.” Para isso o sistema irá se desdobrar no aperfeiçoamento e na diversificação de instrumentos de vigilância, para que o controle extrapole os muros da prisão.

Desta forma os indivíduos não têm  controle nem mesmo sobre o tempo, o poder tenta dispor dele, transformando todo o tempo dos homens em tempo de trabalho. Para esse fim utilizam-se de certas técnicas, aparentemente criadas para a proteção do trabalhador, mas que na verdade controla todo o tempo de sua vida.

O poder sobre o tempo nas diversa instituições é exercido continuamente como um dos nós que amarram esta rede de instituições.

“Cada uma das instituições disciplinares é destinada a uma função específica: as fabricas feitas para produzir, os hospitais, para curar, as escolas para ensinar, as prisões para punir”. A função das instituições é disciplinar a existência inteira do indivíduo pela disciplinarização do corpo.

O corpo do rei não é mais importante, agora na sociedade moderna o importante é o corpo da sociedade, que, atingido através dos corpos individuais será “protegido”, substitui-se a “eliminação pelo suplício” por “métodos de assepsia”: a criminologia, a eugenia, a exclusão dos degenerados. “Portanto não é mais o corpo supliciado mas o corpo controlado que deve ser qualificado como um corpo capaz de trabalhar.”

Este controle se estende mesmo “depois do indivíduo ser julgado por um tribunal, continua tendo seu comportamento constantemente julgado pelos guardas, pelo diretor da prisão, etc.”

4.3- Produtor de delinquência

 

A prisão se torna um produto produtor de delinqüência, em primeiro momento existe para “corrigir” o infrator, em segundo  se transforma em delinqüente, instituindo esta categoria se oferecendo como a única “salvação”.

A verdade, entretanto, é que a prisão não constitui em remédio ou solução mas reprodução de um certo estado de coisas.

Foucault exclama: “Temos que nos admirar de que há 150 anos a proclamação do fracasso da prisão se acompanhe sempre de sua manutenção.” (V.P., 226, 2003)

Neste momento ele inverte a questão: “ O pretenso fracasso não faria então parte do funcionamento da prisão?” (V.P., 225, 2003)

Vejamos algumas  razões para que esse fracasso aparente fosse tolerado:

A delinqüência dá à justiça criminal um estatuto de “ ciência “ e verdade, ao mesmo tempo que avaliza um aparato policial, que sem a perspectiva da delinqüência, não seria suportado.

Ainda a delinqüência possui uma utilidade econômico-política, ao serem utilizadas para derrubar governos, ao entrarem nas lutas sociais e ao questionarem as leis e a justiça . A produção do fenômeno “delinqüência” permitiu controlar e utilizar com objetivos contrários estas ilegalidades.

“ Pode se dizer que a delinqüência, solidificada por um sistema penal centrado sobre a prisão, representa um desvio de ilegalidade para os circuitos de lucro e de poder ilícitos da classe dominante.” (V.P., 233, 2003)

Os delinqüentes constituem uma  polícia clandestina, como se fosse um exército de reserva a serviço do poder, utilizados como espiões, denunciantes, provocadores usados para desmoralizar greves.

Ainda existe a utilização “como ilegalidade dominada, é um agente para ilegalidade dos grupos dominantes”. Como exemplo pode-se citar a prostituição, no século XIX, o tráfico de álcool no período da lei seca , que não seriam possíveis sem a mão de obra delinqüente.

“ A existência  de uma proibição legal cria em torno dela um campo de práticas ilegais, sobre o qual se chega a exercer controle e a tirar o lucro ilícito  por meio de elementos ilegais, mas tornados manejáveis por sua organização em delinqüência. Esta é um instrumento para gerar e explorar as ilegalidades.” (V.P., 232, 2003)

 

 

 

 

 

Considerações finais

 

 

 

Pode-se perceber a importância de um estudo e um conhecimento aprofundado das instituições correcionais, não só a prisão, mas, as fábricas, hospitais, escolas; desta forma poderemos compreender que as relações de poder se dão em toda a sociedade, no nível do indivíduo e não de uma massa sobre outra, o que acontece é que aquele que obtém o conhecimento das técnicas utilizadas para se impor esse poder, deterá o controle.

Nesse  processo, “força”, não necessariamente significa a posse de meios violentos de coerção, mas de meios que permitem influir no comportamento de outra pessoa. Pode se dizer, talvez, que os métodos para gerir a acumulação dos homens permitiram  uma decolagem política em relação as formas de poder tradicionais, rituais, dispendiosas, violentas e que, logo caídas em desuso, foram substituídas por uma tecnologia minuciosa e calculada de sujeição.

“Para Michel Foucault  a idéia de poder como um ente ou algo determinante não existe o que existe são relações  sociais que possibilitam a forma de interação entre o homem e objetos de poder”. (Poder disciplinar a partir da leitura em Michel Foucault, 26, 2002)

Constata-se que todo aparato formado pela disciplina teve motivos políticos e sobretudo monetários, no qual se utilizavam do controle do espaço, do tempo, da correção corporal, que foram meios que contribuíram para a formação acumulativa do capital juntamente com a acumulação  dos homens.

Como o poder esta disseminado em toda e qualquer relação social, os recursos para se exercer o poder são múltiplos: vai da persuasão á manipulação, da ameaça de uma punição á presença de uma recompensa.

Em vigiar e punir podemos notar toda a mudança que se opera nos modos de se exercer o poder , a disciplina, a coerção, quando a sociedade disciplinar tem seu surgimento, com características de um modo de organizar o espaço, de controlar o tempo, de vigiar  e registrar continuamente o indivíduo e sua conduta. Posteriormente esta sociedade disciplinar dará origem a novas formas de verdade, entre elas o exame, que é um modo de poder, onde a sujeição não se faz na forma negativa da repressão, mas sobretudo, ao modo mais sutil do adestramento, da produção positiva de normalidade.

Afim de um melhor adestramento da pessoa, começa a se investir sobre o corpo do indivíduo, “O Corpo agora é moldado trabalhado como se deseja para um determinado fim como no soldado”, ( As relações de poder segundo a ótica de Michel Foucault, 17, 1994) através da disciplina tem-se o controle total do indivíduo, com alta produtividade e submissão em igual proporção.

Pode-se dizer, talvez, que os métodos para gerir a acumulação dos homens, permitiram uma decolagem política em relação as formas de poder tradicionais, rituais, dispendiosas, violentas e que, logo deixadas em desuso, foram substituídas por uma tecnologia minuciosa e calculada da sujeição.

 

 

Bibliografia

            FOUCAULT, Michel; Vigiar e punir: nascimento da prisão; Editora Vozes; 27ª ed. Petrópolis, 2003.

Referências Complementares

 

DELUZE, Gilles; Foucault, tradução de Claudia S. Martins; Editora Brasiliense, 2ª ed. São Paulo 1991.

OLIVEIRA, Paulo C. Ramos; Artigo do jornal opinião. Retirado da Internet.

DREYFUS, Hubert, / RABINOW, Paul; Uma Trajetória Filosófica; Ed. Forense universitária; 1ª ed. Rio de Janeiro,  1995.

FOUCAULT,Michel; Microfisica do Poder; tradução de Roberto Machado; Edições Graal; Rio de Janeiro, 6a ed. 1986.

Coordenadoras: Profª. Dr.ª BAPTISTA Myriam V., / BONETTI Dilséia A. ; / ROSA Ronney Muniz; Poder Disciplinar em Michel Foucault, PUCSP – NCA –Novembro / 1996.

MUCHAIL, Salma Tannus; O lugar das instituições na sociedade disciplinar; PUCSP (sem data).

SGANZERLA, Sidinei; As relações de poder segundo a ótica de Michel Foucault; Monografia PUCPR , 1994.

SILVA, Lucinéia Damaris da; Poder disciplinar em Michel Foucault; Monografia PUCPR, 2002.