Pobre de mim

Hoje o dia amanheceu preguiçoso, chuvoso, gelado, chegou pedindo chocolate quente, sofá, cobertor e filme. E também pipoca quentinha, cheirosa.

Mas acontece que para mim o dia não trouxe, nem pediu nada de tão bom assim, pois sequer tenho endereço fixo e perambulo pelas ruas fugindo dele que teima em acompanhar-me por onde quer que eu vá. As minhas poucas roupas não conseguem afasta-lo de mim, que atravessa minha pele e viaja pelo meu corpo, como a procurar abrigo para aquecer-se. Nem mais sei o que faço com minhas mãos geladas. Não sei onde aquece-las.

Depois de certo tempo a perambular pelas ruas, com as pernas já cansadas, doidas, o sono foi chegando, fazendo de tudo para que eu encontrasse um lugar para deitar, para que ele me fizesse companhia, e me ajudasse a sonhar com um dia bem diferente do que eu estou vivendo. Travamos uma luta grande, mas ele apossou-se de mim, e nós dois, junto com o frio fomos caminhando sem rumo.

Pouco a pouco a fome nos encontrou. A fome de alguns dias, a pedir que eu a saciasse. Pobre de mim que não conseguia livrar-me dos três, que teimavam em acompanhar-me por onde quer que eu fosse. Inimigos ocultos e tão presentes em mim. Mas o que fazer se nada posso?

Já quase no final da noite um cobertor me foi oferecido, e eu sequer me questionei se devia ou não aceitar. Agarrei-o com unhas e dentes, e ele desceu quentinho, aquecendo-me por dentro. Era o álcool travestido em cobertor.

Nessa hora senti uma saudade imensa da casa de meus pais, do fogão a lenha sempre aceso para manter aquecido o café. Após o jantar, louça lavada secando à beira do fogão, e um pedaço grosso de lenha, que mantinha as brasas prontas para reacender logo que o dia amanhecesse. Sinto até o cheirinho do café chegando em nosso quarto a avisar que já era hora de levantar e ir para o trabalho. Sai de lá a tanto tempo, deixando como despedida, um bilhete debaixo da lata de café: “eu vou, mas volto trazendo o melhor para nós”.

Fui então para a cidade grande, levando comigo uma trouxa de roupas, meus documentos e um tanto de dinheiro que consegui economizar. Logo que cheguei fui procurar uma pensão para morar, e percebi que o muito dinheiro que eu trazia era tão pouco, que não dava para nada. Logo de manhã sai pelas ruas a procura de um emprego, tão difícil de encontrar. A minha qualificação era nenhuma.

Na volta, encontrei minha trouxa do lado de fora do quarto. Sem falar coisa alguma, fui embora rumo ao nada, e nada encontrando, deitei-me num banco gelado de uma praça qualquer.

Pobre de mim que não me queria assim...