Pobre coitado

 

Pobre coitado, que em seu desejo sem limites, passou a vida comparando-se sempre com o outro...  O que possuía mais. Mais saúde, alegria, dinheiro, poder... Para sentir-se menos, como se estivesse fora do caminho, na contra mão da vida, um não sei o quê que era. O estar-no-mundo para ele era suficiente para que se sentisse como se o último da fila fosse, amigo incondicional que era da menos valia...

Olhava sempre a vida do outro, como se a sua não existisse, como se fosse alguém digno da piedade alheia. Era o injustiçado, aquele que merecia mais da vida e era por ela ignorado. Não se contentava com o que tinha, estava sempre querendo mais e mais, querendo a vida do outro. O seu olhar a pedir vasculhava vidas alheias, para ver se encontrava algo que pudesse ser seu. Rebelava-se.

O sentimento de culpa que sentia, por não ser aquele que pretendia ser e não era, tratava de colocar em mãos alheias. Não se atinha que a inveja, a ira, a preguiça faziam parte de seus dias. Não se pensava assim, mas era assim que era visto por todos aqueles que tinham olhos para ver.

Pobre coitado que se sentia como se merecedor fosse do bom e do melhor, mas não fazia nada para conseguir o que pretendia fosse seu, pois esperava que tudo caisse a seus pés. Sempre. O amoldar-se às suas pretensões passava ao longe, a perder de vista. Limitado que era não se reconhecia como tal. Tampouco lutava para não sê-lo.

A sua participação no mundo o amedrontava de tal modo, que andava de mãos dadas com a dor de existir”.

Mas como saber que não sabia que mudar era preciso, que a vida é líquida e escorre entre os dedos de quem não a entende? Que segue em frente entrando por caminhos que se abrem, sem ater-se às bifurcações existentes? Vida líquida que não para em estação alguma. Segue rumo ao tudo e ao nada, a desafiar... A ousar. Segue altaneira, dia após dia, sem olhar para trás, evidenciando que nada jamais será como já foi... Nunca!  

Pobre coitado que invertia  sempre a situação para sentir-se menos mal, não se atendo às possibilidades que surgiam e que poderiam dele fazer um ser mais flexível, pronto para estar no aqui e agora, como um ser participante da vida... Como se possível fosse ser assim, na condição miserável que se impunha.

Ou não?