A CLASSE MÉDIA: tão longe de Deus e tão perto do Estado.


Sonegar impostos é um crime. Isso se aprende desde os primeiros anos escolares. A cidadania se faz com o cumprimento rigoroso das leis, o respeito ao direito dos demais. Entretanto, não há nada mais antipático do que pagar impostos e não adianta alguém falar que não, que faz parte da cidadania e coisa e tal. Talvez os suecos, os noruegueses ou os dinamarqueses sintam satisfação em fazê-lo, pois o Estado cumpre com as suas obrigações, atuando como um Robin Hood moderno, fazendo com que os ricos paguem muitos impostos e possibilitando uma vida digna para todos os cidadãos. Essa vida digna inclui segurança, saúde e educação, coisas que não existem em nosso país.
Quem tem um mínimo de condições, faz sacrifícios para manter os filhos nas escolas de nível fundamental e médio particulares porque o sistema educacional público está falido. Quem pode paga planos médicos porque o sistema de saúde é absolutamente precário e ainda paga-se guarda noturno e diurno, alarmes, muros altos, cães etc. Depois de tudo isso, os assalariados, essa vítima indefesa do fisco, chegam a pagar quase quatro meses de salários anuais para o governo. Tudo sem contar os outros impostos que são pagos no consumo de alimentos, roupas, serviços em geral, telefone, energia elétrica etc. que aparecem embutidos nos preços e fazemos de conta que não pagamos. O mais irônico de tudo é que os assalariados que chegam a pagar quase quatro meses de salários como imposto de renda, vivem atolados nos cartões de crédito e cheques especiais para cobrir os orçamentos.
Depois de tudo isso quando o dentista nos apresenta um orçamento para um tratamento, este vem nas seguintes condições: 1800 sem o recibo e 2300 com recibo. Pagar com o recibo implica em um custo adicional que pesa no orçamento e na realidade nem sempre se resgata o valor pago a mais na declaração anual. Alguns dentistas e médicos utilizam uma manobra que coloca os clientes naquilo que na linguagem de malandro se chama de sinuca de bico. Se parar o bicho come, se correr o bicho pega. Eles se negam a pagar o imposto e transferem para seus clientes, na maioria assalariados, todo o ônus dos encargos da sociedade. Seria mais decente dar o preço com o recibo e fim de papo, pois assim o cliente poderia concordar ou não. Se não concordar, deve procurar outro profissional que poderia apresentar um valor mais acessível ou então esperar um momento mais favorável ao bolso. Essa forma matreira permite que se cobre o valor real ou muito próximo dele pelo serviço sem nenhum encargo, aumentando a concentração de renda, pois também médicos, advogados, artesãos, pequenos comerciantes etc, todos livram a cara, sobrando para o assalariado a responsabilidade pela sustentação da grande máquina. Máquina essa repleta de empreguismo, pagamentos por fora, nepotismo, mensalões, salários milionários, aposentadorias privilegiadas, como a de alguns políticos, jornalistas e artistas que foram premiados por terem sido perseguidos pela ditadura.
Enfim, considerados pelo Estado como ricos, mas vivendo de aparências, como pobres, endividados e com a espada no peito esperando o próximo corte no emprego, que pode chegar a qualquer momento. Mas e o governo? Ora o governo, ainda vai cobrar desses pobres infelizes o imposto de renda do ano em que foram vítimas do sistema. E assim, somos todos indefesos como no Processo de Kafka ou Big Brother de Orwell. Tendo de um lado o Estado e de outro o mercado, todos se rendem e se ajoelham diante da Grande Máquina que nos repõe pequeninos, em face de indecifráveis palmeiras.