MARCELO ROCHA CONTIN

"PLATÃO E A PAIDÉIA: A FORMAÇÃO DO HOMEM E O PENSAMENTO RACIONAL"

CAMPINAS

2006

PAIDÉIA PLATÔNICA

Para realizarmos uma analise do pensamento de Platão devemos ter em mente o seu conceito máximo que é o de Bem, Belo e Bom e Justo. Estes quatro elementos nos revelam que eles são independentes e interdependentes, isto é, são as categorias máximas às quais o seu pensamento se refere e que compõe a base de todo o seu sistema.

O Bem para ele é o fim último que o homem busca, é a virtude máxima, ou seja, o Bem para ele é o Absoluto. Consequentemente, o Belo será a realização efetiva do Bem, ou seja, a busca do homem pelo Bem o conduz de fato ao que é Belo, da mesma forma que na anterior, agora o que é o Bem também é o Belo, pois o Bem em si reúne o Belo. O Bom para Platão, será sem dúvida, a busca pelo que de fato é Belo e que de fato é Bem, ou seja, a bondade é uma conseqüência indireta da busca pelo Bem que culmina por sua vez na Justiça,que para Platão, deve ser entendida como o reto seguimento às leis. A Justiça é o elemento ordenador da desordem possibilitando assim, uma harmonia na busca do bem. Assim, a Justiça é como o Belo e o Bom, é uma derivação da busca pelo Bem Absoluto.

Para que esta busca empreendida pelo homem possa se realizar, ele deverá utilizar não de sua opinião (doxa), mas de sua inteligibilidade, ou seja, o homem deve se pautar nesta busca pela razão (dianóia) auxiliado pelo sei intelecto (noesis). Neste processo, o homem fará uma captação das idéias puras, aproximando-se de idéias maiores que englobam as menores até chegar a idéia Absoluta que é a idéia do Bem. O nome que este caminho descrito por Platão recebe para a realização do Homem no mundo sensível, é o nome de anaminese, que é um resgate das idéias puras, diferente das formas deturpadas do mundo sensível, e que existem em um plano superior, onde somente o filósofo, que tem por finalidade a busca pelo saber, pode chegar mais próximo da verdade.

Como decorrência deste sistema exposto, percebemos em Platão que o conhecimento é visto como a busca pelo saber, ou seja, esta atitude é um ato de amor, não um amor qualquer, mas um amor à sabedoria, onde o saber filosófico, na verdade, é uma negação de se saber que sabe, provocando assim, um contínuo desejo de saber mais.

Este amor descrito por Platão, é algo que escapa ao nosso controle pois, é um desejo da alma, ou seja, é um querer se encontrar e se unir ao Bem que gerou aquilo que nos movimenta, o que na concepção de Platão é a alma. Contudo, ele alerta para alguns pontos que devem ser observados. Somente o filósofo pode conhecer a verdade, isto é, se unir ao Bem pois ele é o único dentre todos que assume uma atitude de reconhecimento da ignorância que possui, e não está preocupado em saber por saber apenas, mas esta preocupado com o amor à sabedora, a contemplação à verdade, que é o ponto último onde o filósofo deve almeja chegar.

Toda esta forma de pensar platônico, não se faz facilmente compreendida, é se torna necessário então, utilizar de recursos para a sua inteligibilidade. Como elemento comum em sua época existiam os mitos que serviam para explicar a realidade sem contudo esgotá-la, permitindo assim, uma assimilação renovada e sempre atual. Platão recorre às metáforas na intenção de fazer este papel de correspondência da verdade, ativando e despertando a inteligência, o intelecto e fazendo com que a consciência interprete a realidade e possa ao mesmo tempo, compreende-la e assimila-la à luz de conceituações inteligíveis. Portanto, a expressão de crença que o mito propõe é deixada de lado, e em Platão as metáforas passam ser uma nova forma de interpretação.

As metáforas utilizadas por Platão podem ser entendidas como uma forma de possibilitar o conhecimento como já dissemos anteriormente. Podemos ver como isto ocorre quando Platão compara o conhecimento como um descobrir, um desvelamento, ou seja, é possível através do conhecimento se ter Luz, onde a realidade passa a ser vista de uma forma mais nítida. Seguindo esta mesma linha de raciocínio, o Bem então que é a finalidade última do homem, é comparado ao Sol, que possui em si a máxima claridade e que torna todas as coisas que existem na realidade mais nítidas ainda. Em contrapartida a falta de conhecimento será comparada às trevas, e o conhecimento distorcido da realidade que impede de ver as coisas como de fato são, será comparado às sombras. desta forma as sombras e as trevas impedem o conhecimento, fazendo com que os homens não mais acreditem na verdade, mas acreditem que as distorções que percebem são a verdade, quando na verdade, não são. Contudo, destaca-se que este processo de sair das trevas para as sombras e da luz para o sol, não é um processo instantâneo, é um processo gradativo, que deve ser galgado passo a passo, até que a consciência, de fato, possa se acostumar a contemplar as idéias puras como elas o são. Esta forma de conduzir o homem ao mundo das idéias esta representada pela alegoria da caverna a qual discorreremos mais adiante.

Cabe a nós neste momento entender o que significa para Platão a Paidéia, ou seja, a formação do homem. Para Platão, o homem deve ser educado não em uma única disciplina ou forma de pensamento, ele deve ser educado num contexto mais amplo, onde através do exercício da arte, justiça, beleza, Política, cultura, etc., o homem possa purificar sua alma e caminhar rumo á direção do Bem. Desta maneira, o homem é um ser de várias dimensões que somente são incorporadas e entendidas quando ele as vive na prática, construindo para si um caráter social e intelectual que o conduz à Justiça, Beleza e Bondade que culminarão no Bem Absoluto.

O único homem que para Platão alcançou a Beleza, Justiça e Bondade, foi Sócrates. Este foi seu mestre e através de sua vivência, deixou para seus discípulos, inclusive Platão, algumas máximas a qual marcaram e demonstraram o status de filósofo que Sócrates possuía, não por mérito próprio, mas pela sua vida pública. Estas máximas são: "Só sei que nada sei" e "Conhece-te a ti mesmo". A grande beleza de Sócrates para Platão, está ai, pois: o verdadeiro filósofo reconhece sua ignorância e se coloca à procura do saber;ainda, o verdadeiro filósofo busca não ter idéias pré concebidas, mas busca despertar estas idéias conhecendo até que ponto pode chegar; e por fim, o verdadeiro filósofo coloca em prática a sua virtude de realizar a arte Política de forma transparente, colocando o seu conhecimento à disposição para a realização, ou que seja, a aproximação, assemelhação com o que de fato é verdade, propiciando assim e o melhor fim para todos os homens. Sócrates foi belo para Platão por realizar estas coisas, às quais muitos filósofos, ou melhor, sofistas, não realizavam. O Domínio de Sócrates não era meramente retórico, mas era o domínio de uma razão que esta em busca do conhecimento, uma razão vivênciada na prática.

Portanto, em Platão vemos que seu mestre possuía uma missão que era a de busca pelo conhecimento, ele descobriu que sabia que nada sabia. Porém, esta relação de busca, que levou Sócrates a descobrir isto, foi incorporada por Platão, e como já dissemos anteriormente, é um relação de amor (Eros), ou seja, o amor que motiva a busca do conhecimento, é um amor de carência, de querer sempre mais, um desejo de superação que está além do mundo sensível. Resta a nós nos confortarmos apenas a preenchermos de amor nossa alma, isto é, de buscar o conhecimentos, e com os resultados obtidos,transcendermos o mundo sensível e alcançarmos o mundo das idéias, enfim possamos contemplar de fato, as mesmas que estão a inspirar a ação do homens que buscam a verdade, ou seja, os filósofos.

Esta busca empreendida pelo homem se dará através do instrumento da razão, isto é, a razão é o que norteia, conduz, orienta o homem e permite com que ele apreenda a realidade e transcenda de um mundo para outro. A razão somente se realiza com alguns pressupostos que são decorrências de sua reta utilização. Estes pressupostos são: a contemplação do Belo, o reto caminho da Justiça e da arte da Política e por fim a apreciação do que de fato é o Bem Absoluto. Ou seja, esta reta condução da razão coloca o homem diante destes pressupostos a seguir, e que o direcionarão em sua procura pelo Bem.

Mas perguntamos neste momento: O que é a razão em Platão? Vemos que a razão (Logos) em Platão, é um estado onde se consegue ultrapassar o sensível, isto é, é uma condição onde a uma fusão da concepção de Paidéia com a concepção de razão, ou seja, o conhecimento é o objeto de análise da razão, que através da exploração da realidade ou objetos que constituem o mundo das coisas e das próprias idéias, e que leva até a intelecção e a possível analise da correspondência da idéia da coisa em si.

Em sua obra "A República", Platão dá claramente os elementos que constituem a sua concepção de educação e de que modo ela deve ser procedida. Seu objetivo é o de constituir uma cidade ideal, onde todos seriam educados segundo seus métodos, dando acesso a uma sociedade justa e verdadeira. Nesta obra sua, a Paidéia se divide entre classes: Agricultores, que devem ser educados para o serviço prático, ou a chamada Tekné (técnica), que servem para garantir a subsistência da cidade; Soldados, que devem ser educados pela ginástica e música, para que tenham agilidade e sensibilidade para defender a hegemonia a soberania da pólis; por fim tem-se a classe dos Governantes, que deve ser educados pela filosofia, pois é esta classe quem vai decidir os rumos que a cidade deve tomar, visando o bem comum.

Platão está preocupado com uma vida harmoniosa, onde a educação atende aos interesses de determinados fins, evitando assim, distorções que possam ser cometidas por pessoas que não possuem uma educação destinada a uma função específica. Portanto, a educação em Platão, descobre a realidade e desvela para a alma a mesma, fazendo com que esta, conheça e contemple o mundo perfeito que é o mundo das idéias. Como a alma somente poderá se unir a este mundo depois que se desprender do corpo, então ela deve buscar ao máximoo conhecimento e se pautar por ele, para que possa estar no caminho da verdade a fim de encontrar-se com o Bem Absoluto, que é a finalidade máxima do homem.

Finalizando esta apreciação sobre a Paidéia platônica, apresentaremos aqui o mito que é a base de seu pensamento e que nos parece conveniente colocá-lo no final do estudo, pois agora se poderá ter uma compreensão mais exata sobre todos os elementos da teoria de Platão, para depois tecermos algumas considerações sobre este mito e sua importância.

"O Mito da Caverna" ou "Alegoria da Caverna", de Platão apresenta uma caverna escura com uma pessoas acorrentadas perto da parede e atrás desta pessoas está um fogueira, a qual estão passando, pessoas com objetos que à luz da fogueira refletem sua sobra na parede da caverna, onde os que estão acorrentados acreditam que estas sombras são os objetos reais. Uma destas pessoas que está acorrentada se solta e começa a escalar a caverna em direção à saída e percebe que as sombras que viu não eram os objetos verdadeiros, então ele caminha e chega até a fogueira e vê que os objetos que passam perto dá e a fogueira e refletem sua sombra não correspondem à verdade. Continuando sua caminhada, ele busca subir para fora e é auxiliado por uma pessoa, que o orienta para saída em direção à luz. No princípio a luz é muito forte e cega, aos poucos este que escapou, começa a se habituar com a luz e ver de fato como as cosas são, ele volta para a caverna para dizer aos outros o que viu, mas os outros não acreditam nele, e ele é tachado como louco.

As figuras simbólicas falam que o mundo das sombra, são aquilo que vemos e que é uma distorção da realidade, ou seja, é o mundo sensível (eikasía). A fogueira e os objetos que estão perto da fogueira são as crenças, ou o que se acredita verdadeiro (pistis). A escalada para fora orientada por alguém é o estágio da opinião (doxa), dos primeiros questionamentos da realidade, quem orienta nesta escalada é o filósofo, ou melhor, em nosso dias o educador. Por fim, temos a saída para fora que é o estado maior que se alcança, que é a intelecção pura (noésis). Percebe-se neste mito, que o educador conduz a pessoa para fora das sobras e que a deixa depois para que ela siga seus próprios passos.

Assim, a Paidéia de Platão é uma autonomia para a razão em busca da não distorção e do conhecimento verdadeiro da realidade, a fim de que se possa alcançar a realização máxima de cada homem que é o Bem como finalidade em-si e por-si.

II - BIBLIOGRAFIA

ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. 3a. ed. São Paulo: Martinz Fontes, 1998.

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PLATÃO. A República. Trad. Maria Helena da Rocha Pereira. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1983. pp. 317 - 339.

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