GESTÃO PÚBLICA CONTEMPORÂNEA: CONTEXTUALIZAÇÃO E INSTRUMENTOS

          Compreender de que forma a Gestão Pública deve se posicionar e realizar suas ações na atualidade é primordial para o bom desempenho do Estado e, consequentemente, da satisfação dos cidadãos, enquanto usuários dos bens e serviços públicos. Promover a profissionalização dos agentes públicos, por sua vez, também se torna um diferencial na transformação de uma administração pública essencialmente burocrática para uma administração pública social, que perceba e se importe com as demandas sociais.

Importante destacar, entretanto, que:

A literatura de Administração Pública é muito focada na parte legal e pouco em gestão. Claro que isso vem do fato das normatizações e padronizações na administração pública terem se iniciado com a legislação, mas também é fato que existe mais do que isso em termos de Administração Pública (ALVES, 2015, p.11).


          Em virtude destas questões, a proposição de estudos e a concepção de conhecimentos na área da Gestão Pública é cada vez mais relevante.


A Gestão Pública contemporânea: transformação de um “Estado Herdado” para um “Estado Necessário”

          Utilizando-se das concepções de Dagnino (2014), tem-se um Estado atual em fase de transição de um “Estado Herdado” para um “Estado Necessário”. O “Estado Herdado” se caracteriza pelas seguintes associações: patrimonialismo, autoritarismo e clientelismo; hipertrofia e opacidade; insulamento e intervencionismo; deficitarismo e megalomania. Historicamente, estas características produziram um Estado baseado na concentração no poder econômico e político nas mãos da minoria, a classe proprietária. Com o advento da República, o Estado não é mais patrimônio de uma única classe (a nobreza ou o clero), mas sim de diversos grupos que formam a sociedade.
         Assim, de acordo com Alves (2015), o Estado deixou de ser patrimonialista e virou republicano. Nesta fase transitória, destaca-se o Estado burocrático, como uma maneira de separar o público do privado, em uma alternativa governamental superior aos métodos patrimonialistas (BRESSER-PEREIRA, 1996).
          As demandas da população, de acordo com as características do Estado Herdado, eram tratadas de maneira genérica, ou seja, não havia preocupação com a elaboração de políticas públicas apropriadas e de acordo com as situações e os problemas enfrentados pela sociedade (DAGNINO, 2014). A partir da década de 90, a Administração Pública passou a incorporar novas características, dando espaço a uma visão gerencial da maneira de gerir o Estado. Dentre estas características, destacam-se a racionalização de procedimentos no nível das ações cotidianas de Estado e os esforços concretos para gastos mais eficientes (CARDOSO JR., 2011).
          Neste sentido, afirma Bresser-Pereira (1996, s.p):


No momento, entretanto, que o Estado se transformou no grande Estado social e econômico do século XX, assumindo um número crescente de serviços sociais - a educação, a saúde, a cultura, a previdência e a assistência social, a pesquisa científica - e de papéis econômicos - regulação do sistema econômico interno e das relações econômicas internacionais, estabilidade da moeda e do sistema financeiro, provisão de serviços públicos e de infraestrutura, - nesse momento, o problema da eficiência tornou-se essencial.


          Considerando tais mudanças sociais e governamentais, tornou-se necessária uma nova visão sobre o papel do Estado, dando início à transformação do “Estado Herdado” para o “Estado Necessário” (DAGNINO, 2014). O “Estado Necessário” deve buscar a satisfação das demandas sociais que foram, até o momento, represadas pelo “Estado Herdado”. Para tanto, são necessárias transformações não somente na maneira de atuação do Estado, mas também no ambiente socioeconômico e político, ou seja, na própria sociedade, enraizadamente retrógrada e burocrática (DAGNINO, 2014).
          Entretanto:

Atualmente, as ações públicas atuam “no interior de um aparelho de “Estado Herdado” que não se encontra preparado para atender às demandas da sociedade quanto a um estilo alternativo de desenvolvimento mais justo, economicamente igualitário e ambientalmente sustentável” (DAGNINO, 2014, p.9).


          Esta situação ocorre devido à ausência de empenho governamental em adotar ferramentas de gestão pública capazes, de fato, de atender às demandas da sociedade nos mais diversos setores. A efetivação de um cenário de desenvolvimento requer um Estado capaz de promover mudanças, através da adoção de políticas públicas construídas a partir do diálogo social e do planejamento (BRASIL, 2011; DAGNINO, 2014).
          A gestão pública atual, apesar de haver avançado significativamente nas últimas décadas, ainda é um jogo de interesses (DAGNINO, 2014). Neste sentido, Brasil (2011, p.8) coloca:

Os desafios do País para os próximos anos não são poucos, e as transformações sociais exigem cada vez mais do Estado a garantia do bem-estar de todos. Para superar esses desafios é indispensável dotar o Estado de mecanismos para a busca contínua da eficiência, eficácia e efetividade do gasto, de forma que ele esteja apto a promover e induzir a entrega de bens e serviços à sociedade, consolidando o cenário virtuoso que se anuncia no Brasil do início do século XXI, além de gerar mais e melhores oportunidades a toda população.


          Neste sentido, a efetivação de um Estado Gerencial se faz iminente, considerando as demandas sociais que se apresentam cada vez mais complexas. No entendimento de Cardoso Jr. e Cunha (2015), a principal dificuldade para que isto aconteça diz respeito à resistência, por parte dos governantes, em utilizarem seu tempo para a proposição de reformas administrativas e para o planejamento de estratégias governamentais. É preciso que estes percebam que o tempo utilizado com este planejamento não é um tempo perdido e sim um tempo capaz de otimizar a realização das tarefas que serão executadas.
          Por fim, Dagnino (2014, p.60) afirma que “embora o quadro atual seja menos adverso do que o que vigorou até o início deste século, não existe ainda um ambiente receptivo para esse tipo de gestão pública”. Assim percebe-se cada vez mais a importância da utilização, ainda que gradativa, de instrumentos capazes de transformar a gestão pública de um Estado Herdado para um Estado Necessário, ou seja, para que a gestão pública se torne eficiente frente às adversidades enfrentadas. Dentre estes instrumentos, destaca-se o Planejamento Estratégico Governamental (PEG), abordado a seguir.


Instrumentalização da Gestão Pública contemporânea: o Planejamento Estratégico Governamental
          Na atualidade, se torna necessária uma nova visão acerca do Estado e da maneira com que este deve ser governado. Assim, a Gestão Pública contemporânea concebe a utilização de ferramentas administrativas capazes de auxiliar no desempenho das funções do Estado, ferramentas estas concebidas em virtude de estudos e aplicações específicas, conforme as demandas da própria sociedade.
         De acordo com Dagnino (2014), o planejamento enquanto ferramenta governamental passou a integrar os governos a partir da década de 20, iniciando sua relevância na União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS); na década seguinte, alguns países da Europa passaram a conceber a relevância do planejamento em seus governos. No Brasil, este conceito foi incorporado às ações de governo a partir da década de 50, tendo se aprofundado de maneira significativa durante o regime militar. Desta forma:

Com o final do regime militar, o Brasil iniciou um processo de democratização política que possibilitou o aumento da capacidade dos segmentos marginalizados de veicular seus interesses levando à expressão de uma demanda crescente por direitos de cidadania [...]. É o que vem sendo chamado de cenário tendencial de democratização (DAGNINO, 2014, p.29).


          Em 1962, foi criado o cargo de Ministro Extraordinário de Planejamento e seu Ministério tinha por funções articular e coordenar a política econômica do país. Na década seguinte, o Ministério de Planejamento foi transformado em Secretaria: a Secretaria de Planejamento (BRASIL, 2011).
            Apesar destes tímidos avanços, a concepção de planejamento encontrava-se inserida em um Estado baseado em ideais patrimonialistas, conforme abordado anteriormente. Transformações eram necessárias, a exemplo da reforma administrativa da década de 90, que elevou o setor de planejamento novamente ao status de Ministério: o Ministério de Planejamento e Orçamento (MPO) (BRASIL, 2011). A partir de então, novas concepções acerca da relevância do planejamento para a gestão estatal passaram a fazer parte das agendas políticas do país.
          Transformações políticas e sociais se faziam necessárias para que a ferramenta do planejamento pudesse encontrar um ambiente mais propício para ser implementada e subsidiar as ações de um novo governo, um governo contemporâneo. A função planejamento foi convertida em ações orçamentárias, a exemplo dos Planos Plurianuais (PPAs), destacados como ferramentas essenciais para a compreensão dos rumos a serem tomados pela administração pública (CARDOSO JR., 2011).
          Entretanto, o tratamento genérico conferido às demandas sociais não permitia que fossem evidenciadas as verdadeiras causas dos problemas. Assim, o planejamento estratégico surge como uma maneira de transformar a agenda política, promovendo um viés progressista para o modo de governar (DAGNINO, 2014).
            Na concepção de Dagnino (2014, p.14), “o PEG deve subsidiar as ações que se realizam no contexto maior da gestão pública; em particular aquelas que se relacionam ao ciclo de elaboração das políticas públicas (formulação, implementação e avaliação)”. Assim, o PEG se insere nos mais altos níveis de administração governamental, perfazendo, desde o início, um caminho a ser observado para a realização das ações do Estado em prol dos cidadãos.
           As novas demandas sociais ensejam, portanto, a adoção de projetos, de planejamentos, de regras estabelecidas no sentido de promoverem a eficiência do Estado. Cardoso Jr. e Cunha (2015, p.85) destacam “a importância de o poder público apontar um horizonte para o qual possam convergir articuladamente interesses diversos, desde que devidamente coordenados”. Este horizonte é possível a partir do PEG, onde muitos fatores devem ser observados, considerando a sua essência instável e baseada em transformações sociais constantes; entretanto, trata-se de um instrumento capaz de fornecer um plano de longo prazo para a Administração Pública Contemporânea.
          Importante ressaltar, ainda, que:

Uma administração pública sem lacunas e duplicidades, com papéis claramente definidos, é condição importante para melhorar a governança, facilitar a coordenação e propiciar melhores resultados. É essencial aperfeiçoar capacidades e instrumentos que subsidiem a tomada de decisão e a consequente melhoria da alocação de recursos, assim como o monitoramento e avaliação de sua utilização (BRASIL, 2011, p.17).


          É possível conceber, portanto a relevância do PEG enquanto ferramenta capaz de proporcionar um conhecimento amplo das situações-problema, buscando promover ações pautadas na eficiência governamental com características que possibilitem a resolução ou amenização destas questões. Entretanto, ainda existe um longo percurso a ser percorrido, conforme bem coloca Cardoso Jr. e Cunha (2015, p.100):
         O planejamento estratégico governamental no Brasil padece de alguns males: há uma considerável incompreensão sobre o lugar que ele deve ocupar na condução política dos processos de transformação social, em sentido amplo e em oposição a tudo que não é natural. Daí que não é demandado e não se busca seu desenvolvimento teórico e metodológico.
             Nota-se, portanto, a existência de uma demanda governamental concernente à sua própria organização, visto que cada vez mais s tornam relevantes ações pautadas no conhecimento prévio das situações-problema, por exemplo. No contexto do PEG, algumas ferramentas são utilizadas para que as estratégias adotadas estejam de acordo com a realidade e as demandas apresentadas. Dentre elas, tem-se a Metodologia de Diagnóstico de Situações (MDS), abordada a seguir.


Metodologia de Diagnóstico de Situações
          Realizar o diagnóstico de um problema que se configura como demanda social requer a adoção de uma prática metodológica, ou seja, a doção de critérios e requisitos que devem ser observados para que o estudo e os resultados obtidos possam ser validados. Neste sentido, no contexto do PEG, a MDS possibilita a utilização de uma metodologia bastante específica para a materialização de uma situação-problema e, por conseguinte, a busca por soluções.

          Inicialmente, pode-se dizer que a MDS “busca viabilizar uma primeira aproximação aos conceitos adotados para o PEG e ao conjunto de procedimentos necessários para iniciar um processo dessa natureza numa instituição pública” (DAGNINO, 2014, p.93). Neste sentido, uma das funções principais da MDS consiste em observar a ação governamental, a qual gera acúmulos de poder e resultados que são valorizados pela sociedade.
        Para a proposição de uma MDS, a ação estratégica deve levar em consideração algumas situações bastante específicas, e que afetam diretamente a metodologia e os resultados possíveis a partir de suas análises. Conforme Dagnino (2014), o contexto socioeconômico e político é instável; por esta razão, torna-se difícil visualizar a evolução desta metodologia de maneira puramente objetiva. Aplicar uma metodologia composta de regras e requisitos em um ambiente social implica reconhecer que esta metodologia pode (e deve) ser cambiante, ou seja, deve se adaptar às novas informações que vão sendo agregadas ao longo da análise da situação-problema.
          Outro aspecto relevante diz respeito ao ator social. O ator social pode ser definido como um indivíduo ou um grupo que possui um projeto político e que, por isso, controla forças específicas, razão pela qual “cada ator social tem a sua visão da realidade, dos resultados que deve e pode alcançar e da ação que deve empreender” (DAGNINO, 2014, p.98).

Trata-se, portanto, de um jogo social, onde a presença de interesses distintos e, muitas vezes, conflitantes, deve ser constantemente considerada, pois as regras deste jogo se transformam a todo o instante. Em resumo: “podemos entender a realidade social como um grande jogo integrado por muitos jogos parciais e que possuem suas próprias regras, em que atores se vêem envolvidos [...]. O governante, o ator que planeja ou o encarregado da gestão de uma situação podem ser vistos como jogadores [...]” (DAGNINO, 2014, p.108).

         De modo geral, percebe-se que cada vez mais se faz necessária a utilização de instrumentos de gestão capazes de qualificar a Administração Pública, em todos os seus aspectos. A transição de um “Estado Herdado” para um “Estado Necessário” só se torna possível a partir da adoção de novas práticas, concernentes às demandas sociais que se reconfiguram na contemporaneidade., a exemplo dos instrumentos aqui abordados.

REFERÊNCIAS

ALVES, P.V. Gestão Pública Contemporânea. Rio de Janeiro: Alta Books, 2015.
BRASIL, Ministério do Planejamento. Planejamento estratégico 2012-2015. Brasília: Ministério do Planejamento, 2011.
BRESSER-PEREIRA, L.C. Da Administração Pública Burocrática à Gerencial. In: Revista do Serviço Público, 47(1) janeiro-abril, 1996. s.p.
CARDOSO JR., J.C. Planejamento governamental e Gestão Pública no Brasil: elementos para ressignificar o debate e capacitar o Estado. Textos para Discussão 1584, Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, Brasília, março de 2011.
CARDOSO JR., J.C.; CUNHA, A.S. Planejamento e avaliação de políticas públicas. Brasília: Ipea, 2015.
DAGNINO, R.P. Planejamento estratégico governamental. 3.ed. Florianópolis: UFSC, 2014.