Moema Giovanella

 

 

 

 

Resumo

Desde os anos 80, têm se modificado substancialmente as relações entre o mundo corporativo e a sociedade, entre as empresas de uma mesma cadeia de negócios e, dentro das companhias, entre os acionistas, os conselhos e a direção executiva. Neste contexto se estabeleceram então teias complexas de relações, as quais têm levado a produtivas discussões e a mudanças substantivas nos institutos legais em todo o globo, principalmente após a crise iniciada em 2008 nos países europeus. Evidencia-se que o bem estar coletivo pode ser mais bem alcançado quando os agentes econômicos buscam a maximização de seus próprios interesses, do que quando a ordem econômica e os objetivos sociais são definidos por uma autoridade central. É a partir da inserção de boas práticas de governança corporativa que se poderá alcançar justiça, transparência e responsabilidade das empresas no trato de questões que envolvem os interesses do negócio e os da sociedade como um todo¹.

 

 

Palavras-chave

Governança Corporativa. Direito Societário Europeu. Companhias Sustentáveis. Plano de Ação. Green Paper.

 

 

 

 

Introdução

Durante épocas revisionistas, como a vivenciada globalmente no cenário atual, geralmente resultam em avanços, não obstante possam por vezes provocar sentimentos de frustração e preocupações. Entretanto, levantam-se novas oportunidades que, se bem identificadas e capturadas, podem levar à construção de um futuro melhor.

            Veículos dos avanços materiais, do desenvolvimento e das conquistas, as grandes corporações de negócios alcançaram no começo do século XXI uma dimensão e uma importância sem paralelos na história das civilizações, juntamente com responsabilidades alavancadas, em meio a uma nova ordem que se mostra cada vez mais complexa, oscilante e volátil.

            Para poder chegar em seu estágio atual, aonde suas dimensões se encontram rivalizadas com as da maioria dos Estados-nação, as companhias passaram por estágios como do empreendedorismo, com suas raízes no século XIX, do expansionismo, coadjuvado pelo desenvolvimento dos mercados de capitais; e o de fragmentação, resultado do processo sucessório e da vigorosa demanda por recursos. Aperfeiçoaram-se nestes estágios os processos de gestão, assumindo os dirigentes executivos uma nova classe autofortalecida de poder, a qual dominou o desenvolvimento industrialista dos países centrais da segunda metade do século XX, reconfigurando o ambiente corporativo para o novo estado industrial de J. K. Galbraith.

            A partir das últimas décadas do século XX, um novo estágio surgiu, o qual, sobreposto aos anteriores, caracterizou-se pela busca de um sistema equilibrado de decisões, que pudesse dar sustentação à perenidade das corporações, à preservação de seus objetivos tangíveis e intangíveis. Tal estágio foi o despertar da governança corporativa, tornando-se, a partir de seu aperfeiçoamento, disseminação e prática, um dos pontos centrais da dinâmica empresarial do século XXI.

            Para sua concretização é fundamental que se disponibilizem informações de qualidade, que se formalizem conceitos adequados e úteis para a boa governança das corporações e se construam modelos funcionais e eficazes de alta gestão. É exatamente com o nascimento do século XXI que tais informações se fizeram necessárias diante das ocorrências que então abalaram, nos mais desenvolvidos mercados, a confiança do mundo corporativo, como se evidenciou claramente na crise europeia, iniciada em 2008.

            Proposta de salvaguarda dos interesses dos investidores, a governança corporativa, que é um dos processos fundamentais para o desenvolvimento seguro das companhias, ganhou então maior impulso com tais fatores supracitados. É evidente que não será este fator isoladamente que evitará sobre e subprecificações, dilapidação de patrimônios pessoais e coletivos, destruição de valor e movimentos históricos de ascensão e queda de grandes empreendimentos, por serem tais eventos devidos também a fatores externos às companhias e a descontinuidades de toda ordem, desde mudanças em estruturas de concorrência, até dissidências tecnológicas e rupturas comportamentais. Entretanto, uma boa governança certamente torna os negócios mais seguros e menos expostos a riscos externos ou de gestão; ajudando assim a fortalecer empresas, reforçar competências para enfrentar novos níveis de complexidade, ampliar as bases estratégicas da criação de valor, servindo como fator de harmonização de interesses e, ao contribuir para que os resultados corporativos se tornem menos voláteis, aumentar a confiança dos investidores, fortalecendo o mercado de capitais, sendo assim fator coadjuvante do crescimento econômico.  

Em relação à temática das boas práticas, o que mais chama a atenção é o conjunto de diversidades que cerca as questões relacionadas à governança corporativa, caracterizando-se tanto pela ascendência das empresas, que se modifica por fusão e aquisições; a abrangência geográfica de atuação das empresas; os traços culturais das nações em que as empresas operam; instituições legais e marcos regulatórios estabelecidos nas diferentes partes do mundo; entre outros tantos que formam tal conjunto.

Dado esse diversificado grupo, somado ao desenvolvimento ainda recente das boas práticas de governança, é também grande a diversidade de conceitos que se encontra na literatura técnica da área, como espécie de: guardiã de direitos; sistema de relações; estrutura de poder; e sistema normativo. 

 

  1. Governança Corporativa

Os métodos de boas práticas definem as relações de gerência da organização de forma holística, tratando tanto do seu conselho de administração, dos acionistas e outras partes relacionadas, determinando assim tanto a sua gerência como o seu controle.

A inserção efetiva das boas práticas de governança é imprescindível ao desenvolvimento da organização, tendo em vista o mercado competitivo, sobrevivendo as companhias que permaneceram sustentáveis por um período maior de tempo.

Uma boa estratégia de governança corporativa é de interesse primordial da companhia, sendo papel das normas - tanto de nível europeu quanto regional - garantir que tais padrões sejam respeitados.

 

  1. Novas políticas de investimento a longo prazo

O desafio de realizar grandes investimentos, tipicamente de longo prazo, a fim de gerar valor para manter ou ampliar a participação no mercado, é defrontado constantemente pelas empresas. Com isso, surge a definição da política de tais investimentos como uma consequência do longo processo de discussão e da produção de cenários para a economia. Ainda, deve se compreender o ambiente macroeconômico na sua visão para médio e longo prazo como importante fator nas tomadas de decisões da companhia.

Com a inserção de estratégias de motivação, retenção e, ainda, a participação dos trabalhadores nos lucros da empresa, tornou-se possível visualizar o impacto positivo dos mesmos pelos relatórios elaborados pela UE através de um maior engajamento dos empregados na companhia, em consequência da aplicação de uma visão holística, projetando seus objetivos em uma perspectiva a longo prazo.

 

  • A busca europeia pela Governança Corporativa

Prova incontestável da força da inserção das boas práticas deu-se pela recuperação dos mercados no triênio 2003-2007, quando as práticas passaram a ser amplamente consideradas, mudança esta advinda com força pelo ativismo de investidores e pelos novos e rigorosos institutos legais, como a Lei de Sarbanes-Oxley, cujas exigências tendem a ser mundialmente adotadas. 

            Ainda assim, foram novamente abalados os mercados a partir da segunda metade de 2008, com a crise financeira internacional. O mercado de capitais registrou verdadeiro derretimento das cotações das companhias, em todos os continentes: em seis meses as perdas totalizaram 21,5 trilhões, recuando para os níveis de 2002. Desde então, questionou-se as práticas de governança e os métodos de avaliação de riscos, aumentando-se as pressões de ativistas por maior regulação, sendo então indagado aonde estariam os conselhos que não enxergaram tais processos viciosos, riscos inadmissíveis e megafraudes que levaram à crise global, abrindo-se assim um novo período de reflexões e reafirmação.

Ao analisar os fatos decorrentes da crise financeira, iniciada em 2008, pode-se notar que muitos de seus fatores poderiam ter sido evitados desde seu início, trazendo assim, como debate central, o papel da regulação e da governança das empresas e governos.

A crise financeira global de 2008-2009 catapultou a questão da governança corporativa para o topo da lista na agenda de políticas globais. Lacunas neste assunto – desde uma gestão inadequada de riscos até a utilização de uma estrutura de incentivos distorcidos – contribuem para o surgimento de crises como a supramencionada, sendo as boas práticas de governança corporativa cruciais para corresponder aos anseios da economia europeia, assim como para outras no mundo todo. 

A América Latina, por exemplo, possui um conjunto único de características, num guia de boas práticas ao mercado, configurando uma predominância de conglomerados e uma estrutura de propriedade concentrada e, frequentemente, familiar.

 

  1. Plano de ação: Direito Societário e Governança Corporativa Europeia

No final do ano de 2012 a Comissão Europeia montou um plano de ação com relevância à área econômica europeia para o ano de 2013, a fim de modernizar o quadro jurídico da UE, transformando as companhias em mais sustentáveis e introduzindo uma conscientização da importância de um maior engajamento dos acionistas nas mesmas. Tais diretrizes trouxeram ainda um processo de codificação das diretivas já utilizadas por diversas companhias.

Muitos dos critérios abordados foram baseados nos debates advindos após o Plano de Ação de 2003 ² e nas subsequentes consultas, de 2005 e 2006 ³, sobre as prioridades futuras de tal plano de ação. Diversas iniciativas trazidas pelos referidos projetos foram adotadas pela Comissão de 2013, particularmente as que cabem às boas práticas de governança, sendo estas últimas introduzidas na Diretiva Contabilística4, ao exercício de direito dos acionistas5, e na Décima Diretiva de Direito Societário, relacionado à fusões transnacionais6.

  1. A Estrutura de Governança Corporativa da União Europeia

Nos últimos anos, presenciou-se uma série de deslizes quanto à parte organizacional das empresas, levando estas fraquezas à crise financeira de 2008-2009, a qual demonstrou claramente a ausência de tais requisitos ao gerenciamento das companhias. A Comissão Europeia, a fim de solucionar o mais rápido possível a problemática relacionada à assunção excessiva de riscos em instituições de crédito e ao recente acúmulo de riscos excessivos no sistema financeiro, lançou em 2010 o Green Paper em governança corporativa nas instituições financeiras e, em 2011, propôs regras estritas sobre o tema para tais organizações7.

            Apesar dos esforços lançados pela Comissão, conseguir atingir a atenção das companhias de fora do setor financeiro não se demonstrou como uma tarefa fácil de ser atingida. Ainda, não se pode deixar de notar a perceptível falta de interesse dos acionistas no gerenciamento da contabilidade das ações para auxiliar em suas tomadas de decisões e nas próprias ações.         

 Investidores e empregados devem estar adaptados às necessidades da sociedade atual e às mudanças no cenário econômico.

Tal temática se tornou primordial na Governança Corporativa, entrando na pauta de debates dos estrategistas da Comissão Europeia Visto que muitos acionistas continuam com uma visão a curto prazo de suas ações.

A comissão lançou em seu Green Paper uma discussão quanto a questão de melhorias na efetividade das leis relacionadas à implementação das boas práticas, acrescentando ainda a necessidade de a regulamentação atingir toda a UE, podendo-se notar ainda o forte suporte a medidas europeias em campos específicos. O parlamento europeu deixou claro seu ponto de vista adotado na resolução de 20128 ao destacar a importância da governança corporativa à sociedade como um todo.

Com a facilitação da liberdade de estabelecimento das companhias, salientando a transparência, segurança jurídica e controle das operações, torna-se o Direito Societário Europeu a pedra angular de seu mercado interno. A tal ramo do direito, compete a proteção dos interesses dos acionistas e a quem couber relacionar, a manutenção da publicização do capital das Sociedades Anônimas, a divulgação das filiais, fusões e repartições, regras mínimas para membros únicos de Sociedades de Responsabilidade Limitada de capital fechado e aos acionistas, assim como formas legais, tais quais: a Companhia Europeia (SE), o Agrupamento Europeu de Interesse Econômico (EEIG) e a Sociedade Cooperativa Europeia (SCE).

As dificuldades que surgem no processo de integralização das normas de Direito Societário, com abrangência para todo a UE, encontram-se em questões como a ausência de progresso em algumas iniciativas de simplificação e no estatuto proposto pela Companhia Privada Europeia (SPE).

Ainda assim, a dimensão transfronteiriça dos negócios aumentou de forma considerável, tanto na perspectiva da companhia quanto ao consumidor.

Tais assuntos recaem sobre a análise das funções da Comissão Europeia, a qual iniciou um processo reflexivo no futuro do Direito Societário europeu, começando pela publicação de um relatório preparado por um grupo de análise ad hoc e por uma conferência pública em Bruxelas, nos dias 16 e 17 de maio de 2011. Acrescentando-se ainda ao tema, foi lançada uma consulta on-line, em fevereiro de 2012, a fim de reunir opiniões através do espectro do conselho de administração dos acionistas, sendo que a maioria dos entrevistados foi a favor de novas medidas que modernizassem a estrutura das normas societárias existentes, tendo ainda o Parlamento Europeu deixado expresso o seu ponto de vista da evolução do Direito Societário Europeu em resolução adotada em 14 de Junho de 2012.

Fruto da consulta pública realizada, das várias discussões com acionistas e da própria análise da Comissão, o plano de ação montado, esboça as iniciativas à modernização do direito societário e da estrutura da governança corporativa, identificando para tal, três linhas principais de ação:

(i) Intensificação da transparência;

(ii) maior empenho por parte dos acionistas;

(iii) apoio ao crescimento e a competitividade das companhias

As normas de governança corporativa da UE serão aplicadas apenas às companhias listadas na bolsa de valores, porém, o Direito Societário da UE deve ser aplicado, em princípio, a todas as Sociedades Anônimas, havendo uma garantia pela própria Comissão de que estas inciativas não criarão uma sobrecarga desnecessária às organizações, tomando conta particularmente da situação específica das pequenas e médias empresas.

            Não se pode deixar de mencionar que tais iniciativas serão apenas baseadas em previsões para evitar possíveis riscos, não podendo o Plano de Ação realizar conjecturas prévias sobre os resultados. Sendo assim, é então possível que a Comissão venha a modificar seu planejamento, se necessário.   

 

  1. Fortalecimento das regras de transparência para investidores institucionais

Através das pesquisas realizadas após a introdução do Green Paper de 2011, evidenciou-se a necessidade de melhorias na transparência nas políticas de votação adotadas por investidores institucionais. Códigos de boas práticas como o UK Stewardship Code, o Eumedion Holandês, o de governança externa do Fundo Europeu e a Rede de Princípios Globais de Governança Corporativa recomendam que os investidores estejam sempre atentos às responsabilidades quanto ao seu exercício, particularmente quanto à votação e o engajamento dos mesmos.

            Ainda, tais informações poderão ter um impacto positivo nos cuidados quanto aos possíveis riscos futuros, permitindo assim a otimização das decisões de investimentos, facilitando o diálogo entre companhia e investidores, encorajando o engajamento dos acionistas e fortalecendo a responsabilidade da companhia para com a sociedade civil.

            Não se pode deixar de lembrar também a utilidade de tais informações para a entrada em destaque do portfólio das empresas que agem de acordo com as boas práticas.

            Caso haja uma ação passiva dos acionistas quanto à interação com a companhia, através do voto, o funcionamento do sistema aplicado de governança corporativa será menos efetivo, não podendo então as expectativas quanto às políticas de boas práticas serem alcançadas.

 

  • Supervisão da política de remuneração dos acionistas

A remuneração executiva se tornou um dos maiores tópicos de discussão nos últimos anos. Segundo a Comissão Europeia, as companhias podem se beneficiar com as políticas de remuneração que estimulam a criação de valor da empresa a longo prazo e de que, genuinamente, melhoram a performance da mesma.

            Políticas ineficientes de remuneração ou de estrutura de incentivos promovem a transferências de valores injustificáveis da companhia, seus respectivos acionistas e partes relacionadas aos executivos. Levando em conta tal fator, juntamente com a existência de outras possibilidades para a supervisão, os acionistas deverão estar preparados para exercer tal função para a política remunerativa, aplicando e implementando-as.

            Os acionistas devem então, novamente segundo os resultados da Consulta do Green Paper de 2011, ter uma compreensão clara das informações relacionadas as políticas de remuneração geral e a individual dos diretores.

            Deve-se atentar ainda ao ponto de vista dos acionistas, permitindo que estes o expressem através do voto obrigatório nas políticas remunerativas da empresa, promovendo a supervisão da maneira com que tais políticas foram implementadas.

            Atualmente, nem todos os Estados Membros dão o direito de voto sobre as políticas remunerativas aos acionistas, não sendo também de fácil comparação as informações disponibilizadas pelas companhias de diferentes Estados Membros.

 

  • Melhorias na supervisão pelos acionistas das partes relacionadas

O cenário atual do ordenamento jurídico europeu exige que as empresas incluam em sua contabilidade anual uma nota das transações com as partes relacionadas, demonstrando as informações necessárias, tais qual o valor e a natureza das transações.

            Entretanto, devido ao fato de terem se mostrado insuficientes tais exigências, o Forum Europeu de Governança Corporativa recomendou a introdução de princípios comuns pela Europa, o modo das transações com partes relacionadas.

            Propôs ainda que, deverá, particularmente, o tipo de transação que ultrapasse certo limite, ser sujeito a avaliações por um conselheiro independente, devendo ainda ser aprovado pelos acionistas.

            Através dos resultados do Green Paper de 2011, levantou-se a questão da necessidade de promover uma maior proteção contra transações com partes relacionadas. Em consideração às respostas e orientações contidas na declaração do Forum Europeu de Governança Corporativa, a Comissão Europeia acredita que deve se reforçar a ideia de implementação de tal controle pelos acionistas.

 

  1. Participação nas ações pelos empregados

De acordo com os levantamentos trazidos pela Comissão, o interesse dos empregados na sustentabilidade da sua companhia é um dos elementos fundamentais para o sucesso de um bom projeto de governança corporativa. O envolvimento de empregados nos relacionamentos da companhia se transforma em informação, consulta e participação no quadro de acionistas como um todo, podendo evoluir ainda para um envolvimento financeiro, particularmente quanto à transformação do empregado em acionista.

Tais esquemas de participação acionista pelos empregados já é utilizada por diversos Estados Membros, possibilitando o desenvolvimento de um papel importante no crescimento da orientação a longo prazo dos acionistas.

Por conter diferentes ângulos para a problemática – impostos, segurança social e leis trabalhistas – a Comissão considerou que se fazia necessária uma análise mais detalhada sobre o assunto, em particular em relação à dimensão de seu mercado interno. Com isso, possibilitou-se a identificação de iniciativas mais apropriadas a encorajar o desenvolvimento de esquemas de participação acionista por empregados transnacionais na Europa.

 

  1. Melhorias da estrutura de operações transfronteiriças de companhias europeias

O Direito Societário Europeu é parte integrante do mercado interno, facilitando a liberdade de estabelecimento de companhias enquanto viabilizador da concretização da segurança jurídica às operações, dando ainda o suporte necessário ao crescimento dentro de um mercado competitivo.

Fora as regras contidas nos estatutos para os institutos como: European Company (SE), European Cooperative Society (SCE) e European Economic Interest Grouping (EEIG); não há atualmente regras na União Europeia que possibilitem a preservação da personalidade jurídica das companhias durante a transferência transfronteiriça de seus escritórios.

 

 

 

  1. Disseminação das praticas na América Latina

Os mercados de capitais nacionais estão em estágio de desenvolvimento inicial, representando assim, especiais desafios para atrair investimentos e elevar a importância das práticas de governança. 

Surge dentre os diversos desafios lançados à temática a ampliação do caráter protecionista dos direitos e interesses dos acionistas, a fim de garantir que os minoritários tenham confiança suficiente para investir nas empresas listadas. 

Desperta assim, no cenário da última década, uma conscientização da necessidade de adaptar tais práticas tanto pela Comissão Europeia quanto pela Mesa Redonda Latino-Americana de Governança Corporativa. Essa iniciativa é um trabalho contínuo da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e da Corporação Financeira Internacional/ Grupo Banco Mundial (IFC), os quais reúnem anualmente formuladores de políticas, reguladores, bolsas de valores, investidores, empresas e outras partes que se interessem na análise de questões especificas de governança para o contexto da América Latina. A primeira tentativa de definir as prioridades das políticas públicas e as boas práticas para a região surgiu pelo Relatório Oficial sobre Governança Corporativa na América Latina, publicado em 2003, prosseguindo-se com a criação do Círculo de Companhias, pela Mesa Redonda Latino-Americana de Governança Corporativa.

As empresas do círculo criado trouxeram melhoria notável dos níveis de lucratividade, preços e liquidez de ações, além do custo de capital mais baixo do que seus equivalentes da América Latina. Os anúncios públicos de melhorias na governança foram seguidos, em curto prazo, por um aumento médio imediato de 8% no valor das ações acima do que seria normalmente esperado. Tendo em vista tal analise, torna-se mais benéfico aos acionistas investir em empresas com sólidas politicas de governança corporativa.

Partindo ainda dessa mesma análise comparativa entre as empresas listadas, levando em conta o impacto da crise financeira nos resultados da governança corporativa durante o segundo semestre de 2008, as companhias do Círculo registraram melhores resultados operacionais e de mercado, podendo se comprovar ainda que tal grupo aumentou sua liderança nos indicadores Preço/Lucro por ação e Preço/Valor patrimonial por ação, ao se comparar com os resultados de 2005-20079.

Os resultados demonstram que os investidores perceberam que as empresas do Círculo tinham o melhor valor entre as listadas, ainda que em época dificultosa ao mercado.

Dessa forma, estudos foram feitos para garantir que tais resultados obtidos no momento da crise fossem referentes às boas práticas, evitando possíveis atribuições a outros fatores. Novamente, demonstraram os resultados que a integração do Círculo e/ou a negociação de ações em mais de uma bolsa de valores (cross listing) em mercados de alto padrão regulatório, funcionam perfeitamente para abrandar a queda do preço de ações nos momentos de crise.

Nota-se assim que tais resultados, qualitativos e quantitativos, são oportunos nos momentos de crise, nos quais muitas empresas estão lutando contra o que podia se tornar a pior crise econômica de gerações.

Novas fontes de financiamento surgem a partir de melhorias das boas práticas de governança, devendo as empresas estar constantemente atentas a manutenção dos altos padrões de tais práticas. Tais táticas ajudam as companhias a atrair novos investidores e explorar novas fontes de financiamento, motivando as próprias empresas a continuar aperfeiçoando suas praticas de governança para reter acionistas existentes ou atrais novos investidores de varejo e/ou carteira.

 

  • Atraindo e retendo executivos para garantir a implementação de estratégias

 

“As pessoas investidas de responsabilidades de gestão, em qualquer tipo de empresa, têm a obrigação de assegurar que essas empresas continuem a existir no futuro e, além disso, compreendam seus reais deveres sociais. Elas devem entender que uma organização é muito mais do que apenas a propriedade de um ou mais indivíduos; ela é parte da própria sociedade, fornecendo oportunidades de emprego e um ambiente onde várias pessoas possam buscar seu desenvolvimento profissional.”

 Roque Benavides, Buenaventura, Presidente Executivo9

 

Não se pode olvidar que, organizações com equipe sólida e eficiente reunida em torno de visões e missões comuns, com capacidade de implementar seu plano estratégico, terão seus recursos financeiros fluindo em consequência. O Círculo de Companhias da América Latina ressalta em seu Guia Prático de Governança Corporativa a importância da realização de uma seleção de membros da diretoria executiva de forma objetiva para garantir que a companhia contrate as melhores pessoas para administrar o negócio – não com base na associação da direção com a família controladora. 9

Para os líderes da Natura, o sucesso de sua governança corporativa se baseia no comprometimento e engajamento de todos os funcionários, em todos os níveis, bem como na compreensão comum da estratégia por toda a companhia9, retendo assim funcionários talentosos e comprometidos com os princípios e crenças próprios da companhia. 

 

  • O processo contínuo da busca de melhores práticas

A reflexão das organizações, quanto às novas necessidades e oportunidades derivadas de práticas de boa governança das mesmas, deve ser ininterrupta, tendo em vista que o cenário e o próprio desenvolvimento dos negócios evoluem constantemente.

A série de escândalos envolvendo grandes corporações, tanto nos Estados Unidos, Europa como em outros lugares, tornou o mercado cada vez mais exigente quanto a tais melhorias, a fim de acrescer a confiança dos investidores. Observou-se na América Latina, em países como o Brasil, um ambiente propício para uma melhor governança, aonde, ultrapassado o período inicial do impulsionamento de medidas básicas pelos investidores, deu-se início a uma fase de refinamento de suas solicitações, buscando estes uma melhoria na qualidade de divulgação de informações, da composição de conselhos de administração, entre outros.

 

  • A tangibilidade dos benefícios

A influência positiva no desempenho das empresas, por meio da adoção de tais técnicas, surge como premissa nas bases de discussões sobre governança corporativa. Dessa maneira, acadêmicos e especialistas na área vêm tentando demonstrar empiricamente os resultados das boas práticas de governança no sucesso das companhias, investigando como afetariam na sua rentabilidade, volatilidade das ações, valor das empresas e outros resultados9

Apesar da emergência da crise financeira na segunda metade de 2008, a pesquisa feita entre empresas do Círculo de Companhias e outras não participantes da América Latina, demonstrou que os indicadores do panorama geral se encontravam a favor das do Círculo: as integrantes do Círculo mostraram um retorno sobre o patrimônio líquido superior aos dos seus equivalentes latino-americanos (7,9% em comparação a 5,1%), (...) e um melhor índice de solvência (8,3% em comparação a 1,8%).9

Ainda no campo da pesquisa acima, não se pode deixar de citar que, na comparação dos Dividendos/Preço de mercado de ação (dividend yield), as empresas do Círculo de Companhias uma redução significativamente menor no preço de mercado da ação do que o grupo mais amplo.9

Ao conceber tais resultados positivos e estatisticamente significativos, evidencia-se o claro sinal dos benefícios das boas práticas às corporações, os quais atenuam a deterioração do mercado de ações durante um período de grande dificuldade do mercado, após o filtro de outros atributos específicos.

Tais experiências adquiridas através da utilização de políticas de boas práticas tornaram visível a constatação de que são mais bem-sucedidas as empresas que, ao enfrentar complexos desafios de negócios, adotaram uma atitude de constante aprendizado, procurando gerar valor ao acionista e levar em conta as perspectivas de todos os interessados.

 

  1. Conclusão

As tendências de governança corporativa comentadas têm forte potencial para influir substantivamente na forma como serão conduzidas as empresas no século XXI quanto à estrutura e ao exercício do poder, às relações internas e com o ambiente externo, à definição da estratégia, à harmonização dos interesses privados em jogo em suas operações e à conciliação do máximo retorno total dos seus proprietários com as exigências de sua inserção no esforço global por maior e mais rápida inclusão socioeconômica e dilatação dos mercados básicos em todas as partes do mundo.

            A amplitude dos impactos positivos dos princípios dos propósitos e das práticas de boa governança é, assim, uma das raras unanimidades que se estabeleceram os últimos anos nos campos da economia, das finanças e da administração, podendo-se incluir seguramente nas organizações do terceiro setor e do Estado.

As avaliações trazidas por estudos acadêmicos, em visões de investidores e de administradores, em justificativas de proposições normativas de instituições reguladoras dos mercados e em relatórios de organizações multilaterais, revelam que a questão chave do Estado não é de governabilidade, mas de governança. Enquanto a primeira é uma conquista circunstancial e geralmente efêmera do poder estabelecido, a segunda é uma conquista da sociedade, estrutural e duradoura, estando necessariamente alicerçada nos princípios definidores da boa governança das corporações: fairness, disclosure, accountability e compliance; todas trazidas pelo Comissão Europeia em seu planejamento estratégico visando uma maior estruturação tanto dos Estados Membros, quanto das companhias integradas pela sociedade europeia, a fim de evitar novos tempos de crise.

            O processo dos movimentos históricos de fortalecimento da governança corporativa tendem a ser ainda mais robustecidos, levando-se em conta que, por um lado, ainda se observam nos mercados questionamentos e cobranças, de outro, estão em pleno curso processos de construção, em busca não só de maior regulação por forças externas, mas também de autorregulação no interior das companhias.

Constata-se então que o capitalismo, o mundo corporativo, e a ciência da administração são categorias históricas em permanente coevolução, não devendo nenhuma destas desmoronar por estarem conectadas, principalmente ao se tratar do campo da administração, onde se situa a governança corporativa: seja pelos seus princípios, seja por estar, como esteve desde seu nascedouro, em pleno movimento de aperfeiçoamento, dentro e fora das companhias.

     

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

  • Referências

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² Governança Corporativa em tempos de crise – IBGC 2009

³ Communication from the Comission to the Council and the European Parliament Modernising Company Law and Enhancing Corporate Governance in the European Union – A Plan to move Forward, COM(2003) 284 final

4 Directive 78/660/EEC

5 Directive 2007/36/EC

6 Directive 2005/56/EC 

 7 2011 Green Paper Feedback statement 15/11/2011

 8 Resolução do Parlamento Europeu sobre a estrutura da governança corporativa às empresas europeias 29/03/2012

Guia Prático de Governança Corporativa – Experiências do Círculo de Companhias da América Latina. 2010

 

  • Bibliografia

 

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ROSSETTI, J. Paschoal e ANDRADE, Adriana. Governança Corporativa – Fundamentos, Desenvolvimento e Tendências. In: São Paulo: Editora Atlas S.A., 2012.

 

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