Pentateuco: algumas notas (8) Os títulos dos livros do Pentateuco

Quem está acostumado com o que chamamos de estudos bíblicos já sabe que o a bíblia se forma a partir de vários escritos, aos quais chamamos de livros. E os vários livros bíblicos são agrupados e esses agrupamentos de escritos recebem uma denominação que ajuda o estudante a se situar no estudo; ajuda a direcionar os estudos.

E quais são esses grupos de livros?

No Antigo Testamento são quatro grupos de escritos: Os escritos (ou livros) Sapienciais; os escritos Proféticos; os livros Históricos e os cinco livros do Pentateuco.

O Novo Testamento também pode ser agrupado. Temos o grupo de escritos dos Evangelhos, das Cartas Paulinas ou a ele atribuídas, das Cartas Católicas; um livro histórico (Atos dos apóstolos) e um livro “Profético” (o Apocalipse).

Mas aqui nos interessa apenas o primeiro grupo de escritos. Aquele formado por cinco livros, e que estão justamente no começo da bíblia e são denominados de Pentateuco.

Bem, já sabemos que o pentateuco é formado por 5 livros: Gênesis, Êxodo, Números, Levítico e Deuteronômio. Cada um deles retrata um aspecto da relação do homem com Deus e como Deus se manifesta no cotidiano e na história do povo. Entretanto é bom lembrar que os nomes que usamos em nossas bíblias, em português, não corresponde ao nome dos livros da Torá, dos Judeus.

O título dos livros da Torá (o nosso Pentateuco), é retirado das primeiras palavras de cada um dos livros. Assim o livro do Gênesis é: “NO PRINCÍPIO”; o livro do Êxodo, para os judeus é o livro dos “NOMES”; o nosso Levítico é intitulado de “CHAMOU”. O livro dos Números, para os Judeus é “NO DESERTO”. Já o Deuteronômio, os judeus chamam de “AS PALAVRAS”. Claro que isso tudo escrito em Hebraico. Isso porque na antiga tradição judaica o título do livro (que na realidade era um rolo de pergaminho ou papiro) correspondia às primeiras palavras daquele texto.

Como mudou para os nomes que damos atualmente?

Há uma tradição de que um grupo de judeus viveu em Alexandria (no norte da África). Entre eles havia 72 sábios que teriam traduzido os textos sagrados para a língua grega, a fim de facilitar a leitura entre os judeus dessa cidade.

Segundo essa tradição, a tradução feita por essas sábios, passou a ser denominada de “septuaginta”. Daí que em muitos estudos e comentários sobre a bíblia se fala da “versão dos LXX” ou “tradução dos LXX” referindo-se a esses setenta sábios ou a essa tradução.

Evidentemente não sabemos se essa tradição é ou não verdadeira. Se existiu ou não essa reunião dos sábios, mas sabemos que foi feita uma tradução da bíblia para a língua comum (koiné) dos judeus de Alexandria. E foi essa versão grega, de Alexandria, que fez a mudança dos títulos dos livros. Em vez dos títulos a partir das primeiras palavras, como era costume entre os judeus, a tradição dos LXX passou a usar títulos gregos: uma palavra que fosse uma espécie de resumo do livro.

Dessa forma o livro que os judeus chamam de “NO PRINCÍPIO” passou a ser o livro das Origens: Gênesis (em grego), indicando a origem do mundo, das criaturas, e do povo hebreu. O livro dos “NOMES” passou a ser a narrativa da Saída: Êxodo (em grego), narrando a saída do Egito e as aventuras do povo no deserto. O livro denominado de “CHAMOU” passou a ser Levítico pois trata de uma série de normas para o culto e a convivência. Por sua vez o livro “NO DESERTO”, passou a see denominado de Números (Aritmoi, em grego), pois comenta uma série de recenseamentos e recontagens dos hebreus seus descendentes. Por último o livro que os judeus intitulavam de “AS PALAVRAS”, na versão da septuaginta foi intitulado de Deuteronômio, que é a palavra grega para se referir a uma segunda lei.

Essa denominação dos LXX foi incorporada em nossas bíblias pela Tradição da Igreja. Isso porque no inicio da Igreja os cristãos de Alexandria tiveram muita influência na definição do Cânon, que é a lista dos livros que passaram a compor a bíblia. Como ali se falava o grego, essa foi a língua usada inicialmente quase como se fosse uma língua oficial da igreja nascente. Tanto que quase todos os escritos do Novo Testamento foram produzidos em Grego.

Todos esses comentários nos ajudam a entender que a formação e definição dos escritos bíblicos não se deu de forma mágica e definitiva. Antes, pelo contrário, ocorreu num processo muito humano. Partindo disso podemos dizer que a inspiração divina não ocorreu de forma mágica, ou como se fosse num transe, em que o redator sagrado escrevia aquilo que o Senhor “ditava”. Foi, antes uma dinâmica de interação entre o redator do texto sagrado e o autor sagrado que é o próprio Deus. Mas essa interação não se deu apenas num momento específico, e sim ao longo da história...

Neri de Paula Carneiro

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador.

Rolim de Moura - RO