Autor: Davi Augusto Batista de Sá Araújo.

O medo é um componente de grande relevância para a compreensão da dinâmica social na contemporaneidade. Fato que se justifica pela presença constante desse sentimento nos diversos âmbitos da sociedade, caracterizando-o como “combustível” dos seres humanos, isto é, afirmo que somos movidos pelo medo, pois é a partir dele que temos coragem para superá-lo e com isso superar nossos limites. Assim, entendendo o medo como um mal necessário, se faz relevante pensar que ele não é um “bicho-de-sete-cabeças” como muitos o chamam, mas sim um sentir que transcende os sentidos, e que vai além das definições terrenas.
A sociedade atual apresenta-se como visivelmente influenciada pelo medo. Fatores como a maior incidência de doenças como a síndrome do pânico ou a depressão, e ainda a disseminação das práticas de retraimento por parte dos indivíduos, são frequentes no contexto social do mundo inteiro, tornando o medo um ponto de partida importante para a análise social na atualidade. Diante disso, faço pensar que o medo é maligno, mas também pode ser benigno, à medida que é apenas através dele que adquirimos coragem para enfrentar cotidianamente todas as atrocidades as quais estamos sujeitos em nossa caminhada.
A ausência de coragem está conosco em quase tudo que fazemos. Seja das contas do mês não fecharem por falta de capital, seja pela apreensão ao realizar um grande depósito ou retirada num banco local, bem como a perda de um ente querido e o posterior trauma consequente: temos o medo como principal motivador de nossas ações, uma vez que ele se comporta como a espinafre do herói Popeye, e nós, seres sociais, nos comportamos como Popeye, ou seja, quanto mais medo, mais Popeye nós somos, nos tornando “fortes” e mais inteligentes graças ao medo.
Compreendendo a situação do medo na atualidade como caótica, faz-se possível atestar que o mesmo não se importa com os seres humanos e os torna reféns de si mesmo, já que monopoliza as
relações, provoca términos e contribui de forma ativa para a não efetivação dos princípios éticos e morais na sociedade, pois faz com que os indivíduos ajam por sua razão e não pela razão própria deles, tornando-os alienados para consigo mesmos e com o mundo.
Sabendo disso, tomo como exemplo o personagem Raskolnikóv do romance russo Crime e Castigo do russo Dostoiévski. Ele é um cidadão de meia idade que largou os estudos na esperança de mudar de vida, mas falhou. Tendo falhado, Ródia (como o personagem é chamado) decide praticar um assassinato contra sua senhoria, no intuito de conseguir dinheiro para custear o que pudesse, acreditando numa teoria que ele mesmo criou de que “na história, aqueles que mataram por motivos nobres foram absolvidos ao longo do tempo e se tornaram feitos históricos e brilhantes motivados por fundamentos bons”. Entendendo isso, Ródia passa a história tentando fugir do movimento que ele mesmo criou, e se safar do assassinato que ele mesmo fez, nada muito diferentes de nós.
Por fim, saliento que o medo é uma relevante engrenagem para a análise da dinâmica social contemporânea, no sentido de que é ele quem norteia o agir dos indivíduos, pois a maioria dos indivíduos pensa quais as consequências de seus atos, calculando e “tendo medo” do que de ruim possa acontecer se o que ele planeja não for feito, tornando se assim um refém do medo. Adiante, o medo sempre esteve conosco e creio que nunca nos deixará, portanto questiono aqueles que se portam como reféns do medo: mesmo sabendo de tudo o que houve, há e pode haver, você deixará o medo tomar conta de você? Quando respondemos à essa pergunta, nos vemos com o medo, e demoramos a perceber que ele somos nós, sendo ele um fruto de nosso subconsciente e que é “tido” por nós sem que percebamos que tanto somos o medo quanto podemos deixar de sê-lo.