Esta obra, Pedagogia do Oprimido, de Paulo Freire parece ser uma de suas mais importantes e o ponto de partida para se compreender o seu pensamento.

Logo de início nota-se uma nítida confusão entre os tipos e características psicológicos - retratados através dos termos opressor e oprimido - com o status social que deveria precedê-los.

Ele não nos fala, por exemplo,  em "dirigentes opressores" e "dirigidos oprimidos" o que condiria com o status social e daria um tom menos extremista e tendencioso à sua narrativa, além de possibilitar a modificação destes (dirigentes e dirigidos), na sua  condição de substantivos, através da introdução de novos adjetivos.

Ao elevar os adjetivos (opressor - oprimido) à condição de substantivos, ele divide a sociedade nestes tipos e características psicológicas (opressor - oprimido), que não se modificam significativamente, quando lhes acrescentamos adjetivos. Com isso acaba entrando em contradição com a sua proposta ulterior de diálogo. O motivo é simples, pois o termo opressor descrito como substantivo já carrega em si uma conotação, predominantemente, negativa sendo até redundante, por exemplo, colocar o adjetivo "ruim" após a palavra opressor. Quanto ao "opressor bom", este também pode existir, mas está restrito a uma avaliação psicológica individual que não tem validade para todos. Posso dizer, por exemplo, que "João agiu de forma opressiva com seu filho Alberto e Alberto reconheceu, posteriormente, pelos rumos de sua vida, que a atitude opressiva de seu pai foi boa". Entretanto, tal reconhecimento é muito particular e inexpressivo, porque o termo "opressor" em relação ao modo de sentir predominante em nossa espécie guarda uma conotação negativa. O mesmo pode ser colocado, inversamente,  em relação ao termo oprimido: "Alberto foi oprimido pelo seu pai João e João reconheceu, posteriormente,  que o fato de Alberto ter sido oprimido foi bom para os rumos da sua vida". Contudo, mais uma vez, esta caracterização psicológica individual do termo não o  torna menos negativo em relação ao modo de sentir predominante em nossa espécie. Poderíamos considerar um "opressor inteligente" e um "oprimido humilde", mas estes adjetivos também não modificam significativamente os substantivos opressor - oprimido.

          Outrora é fato que os tipos e características psicológicas do opressor - oprimido eram mais definidos e predominantes na sociedade em razão da proibição dos negros, índios e mulheres de frequentarem as escolas. Mesmo assim, não se podia dizer que a sociedade se resumia neste antipodismo, porque qualquer um pode ser taxado de opressor ou se sentir oprimido em dado momento e circunstâncias de suas vidas, ocupando a posição de dirigente ou de dirigido.

         Reconhecida a impossibilidade de se modificar os substantivos opressor e oprimido através dos seus adjetivos só resta, àquele que se identificou com o oprimido, o ressentimento que, apesar de não ser encorajado explicitamente na obra freiriana, destaca-se como única alternativa implícita.

        Posteriormente Freire transfere os seus tipos psicológicos para a sua concepção bancária de educação onde o opressor, agora, é identificado na figura do educador e "depositante de conteúdos de sua narração" e o oprimido  na figura dos educandos, que são como "vasos para os depósitos dos conteúdos da narração dada".

         Há, evidentemente, um pouco de verdade nesta observação que não é propriamente, novidade para aqueles educadores que, enquanto eram educandos, mais céticos, sentiram uma certa necessidade de justificação de seus questionamentos internos tais como: " Como se chegou a tal fórmula ou a tal conclusão? Qual será a serventia deste conhecimento no meu dia a dia?" Porém, o que Freire não cogita é que este ceticismo pode não ter  se desenvolvido para a maioria dos educandos se, no trajeto de suas vidas, quase não tiveram a confiança abalada. Pois é fato que não deveria ser ignorado, que numa experiência de vida onde a confiança é confirmada reiteradas  vezes, produz-se na mente do sujeito a ideia de que deve seguir confiando.  Ao passo que o ceticismo surge, quase sempre, de uma experiência de vida onde predominou a dúvida e a enganação.

         Quando os estudantes céticos tornam-se educadores, muitas vezes, abandonam os questionamentos do sistema educativo devido à melhor compreensão do mesmo ou então a uma adesão resignada a este com o intuito de tirar maior proveito. O que Paulo Freire parece não aceitar é que, independentemente do sistema educativo, os homens são naturalmente desiguais o que, somado a uma experiência existencial também  desigual, os  leva a ser mais céticos ou crentes. E não há como introduzir a dúvida que alguém carrega consigo, em razão da sua experiência particular, naquele que raras vezes ou nunca a teve, também em razão da sua experiência particular.

         A "educação problematizadora" que ele pretende intrdoduzir para criar uma relação mais fluente entre educador - educando, deveria ter sido denominada de educação crítica. No entanto, diferentemente de sua proposta, não é tarefa que possa ou deva ser empreendida de forma inversa em que educando passe também a educar o educador. Isso não ocore porque aquele que não sabe (educando) só passa a saber através daquele que aprendeu primeiro (educador) seja no nível formal, não formal ou informal. Um recém nascido, por exemplo, não sabe nada ou apenas sabe aquilo que a necessidade o leva a saber e só passa a saber de fato, na medida em que aprende com as pessoas ao seu redor as quais aprenderam primeiro. Se um dia ele chegar a saber mais do que estas pessoas é porque aprendeu com outras que também aprenderam antes do que ele e do que elas. Portanto, ele não pode saber e não pode ensinar sem que, de alguma maneira, tenha aprendido com alguém que já sabia o que coloca o educador sempre na dianteira.

          O problema, se corretamente analisado, não reside na hierarquia educador - educando, mas no tipo de conhecimento transmitido; na maneira como é transmitido: crítica ou acrítica, só teórica ou teórico-prática e por quem é transmitido: se está devidamente preparado ou não.

         Infelizmente, isso não é tratado no livro, porque a intenção é outra. Na verdade o que se propõe com o tema da dialogicidade é a familiarização do educador com os costumes, tradições, rotinas, linguajar e problemas do educando, através de um processo de investigação para assim vencer a resistência e a antipatia que procede da estranheza e da desconfiança e ganhar a simpatia, aceitação e confiança dos mesmos com o intuito de doutriná-los. Essa intenção doutrinária fica em evidência nos trechos que se seguem:

          1 Numa das investigações realizadas em Santiago (Chile) ao discutir um grupo de indivíduos residentes num cortiço uma cena em que apareciam um homem embriagado que caminhava pela rua e em uma esquina, três jovens que conversavam, os participantes do círculo de investigação afirmavam que "aí apenas é produtivo e útil à nação o borracho (bêbado) que vem voltando para casa depois do trabalho, em que ganha pouco, preocupado com a família a cujas necessidades não pode atender. É o único trabalhador. É um trabalhador decente como nós que também somos borrachos".

         A descrição dada pelos próprios trabalhadores (investigados) denota um estado de sensibilidade e introspecção que faz aflorar a ideia de identidade (com o bêbado voltando para casa  depois do trabalho) e sentimentos de: orgulho (por se sentirem úteis), frustração (por ganharem pouco), resignação (por não atenderem as necessidades das suas famílias) e solidariedade (porque se vêem como o bêbado e o bêbado como trabalhador tal qual eles).

         Em seguida Freire comenta:

         2 Há dois aspectos importantes nas declarações destes homens. De um lado, a  relação expressa entre  ganhar pouco, sentirem-se explorados, com um "salário que nunca alcança", e se embriagarem. Embriagarem-se como uma espécie de fuga à realidade, como tentativa de superação da frustração do seu não atuar. Uma solução, no fundo, autodestrutiva, necrófila. De outro, a necessidade de valorizar o que bebe. Era o "único útil à nação porque trabalhava enquanto os outros o que faziam era falar mal da vida alheia". E após a valorização do que bebe, a sua identificação com ele, como trabalhadores que também bebem. E trabalhadores descentes.

          Note-se que as palavras "sentirem-se explorados" não se encontram no comentário feito pelos trabalhadores porque fazem parte da intenção doutrinária de Freire. Este ao identificar o sentimento de frustração (resultante do reconhecimento do baixo salário pelos trabalhadores) encontra a situação oportuna para introduzir estas palavras, provavelmente, no momento em que se der o diálogo e assim converter o que é frustração em ressentimento que gera raiva e ação e não, mais, conformismo. Por isso é que se faz necessário um trabalho preliminar de investigação, aproximação, convivência e ganho de confiança.

        No penúltimo parágrafo da página esta intenção torna-se escancaradamente explícita: 2  Conscientização é óbvio, que não para, estoicamente, no reconhecimento puro, de caráter subjetivo da situação, mas pelo contrário, que prepara os homens, no plano da ação para  a luta  contra os obstáculos à sua humanização.

         Destes trechos a conclusão mais acertada que se pode chegar é a de que Freire não vê o processo educativo como um forma de capacitar o indivíduo, tanto socialmente quanto profissionalmente, dentro do sistema educativo vigente para que, posteriormente, ele passe a fazer suas reinvindicações.

        Depois, no capítulo quatro, ele volta a repetir tudo o que disse só que, desta vez, a prosa existencialista, de significado ambíguo, dá lugar a uma  prosa mais consistente e precisa, justamente, para subtrair esta ambiguidade. É óbvio que com a repetição visa-se também uma maior fixação na memória para reforçar na mente daquele que se identificou com o oprimido a ideia de que, realmente, está sendo oprimido. Às vezes, ele se refere aos oprimidos de uma maneira menos radical como liderados e menciona uma liderança revolucionária mas fala de uma liderança que emerge ou se identifica com as massas populares (outra denominação dos oprimidos) que se sinta oprimida também para ser revolucionária; que tenha um pensar que não seja para dominar e sim para libertar. Entretanto, não define o que é se "libertar". Não explica também como pode  existir liderança sem diferenciação pois, mesmo que o  líder seja um  representante legítimo dos interesses e anseios das massas, ele não é idêntico às mesmas e sobressai-se, exatamente,  por ser capaz de expressar em linguagem e ação tais interesses e anseios.

          Freire não percebe que nas situações em que de fato há opressores e oprimidos os líderes, que surgem entre aqueles que considera oprimidos, passam por processo similar ao daqueles que se tornam líderes entre os que considera opresssores, porque o processo de liderança, forçosamente, envolve a dita diferenciação tornando perfeitamente natural haver com o tempo um certo distanciamento entre líderes e liderados.

        Apesar do líder sentir-se confortável na liderança, a responsabilidade que recai sobre os seus ombros é imensa, se comparada à de um liderado e este não está em tão franca harmonia com o outro liderado como parece crer o autor, que só admite antagonismos entre opressores e oprimidos e não menciona nenhuma divisão entre os supostos oprimidos.

          Na tentativa de conciliar os oprimidos, o líder ora se veria sob a aprovação de algumas facções de oprimidos, ora se veria sob a aprovação de outras. Líderes comunistas como  Stalin, Fidel Castro e Mao Tse-Tung, que são citados por Freire, acabaram se dando conta do que foi dito e se viram obrigados a mudar de estratégia, tornando-se ditadores para evitar que tudo culminasse em anarquismo. Infelizmente ou felizmente, os ditames da natureza em relação à nossa espécie não estão em conformidade com a utopia freiriana.

        Por fim para encerrar seu livro, com "chave de ouro", ele parte para uma caracterização mais robusta do opressor e do oprimido. Caracterização esta intencionalmente paranóide, cujo intuito não  pode ser outro exceto o de suprimir qualquer dúvida que tenha ficado no candidato a oprimido para identificar quem é quem e assim criar a tensão necessária capaz de fomentar o ódio que leva à ação segregativa e violenta.

       Nesta cruzada fanática contra o "opressor" ele se esquece que para se fazer afirmações fáticas são necessárias evidências. Onde estão as evidências, por exemplo, para sustentar a hipótese generalizante do opressor - oprimido e aquelas para sustentar a proposta metodológica do opressor de conquistar; dividir para manter a opressão; manipular e de invasão cultural para frear a criatividade e inibir a expansão? Como se mantém este propósito sem um projeto prévio e sem uma programação que deva ser seguida pelos adeptos da opressão? Onde estão as instituições educativas capazes de oferecer uma educação exotérica para os oprimidos e esotérica para os opressores?

        Como vemos, não há embasamento no palavrório de Freire e creio que é uma presunção  de sua parte denominar tal palavrório de teoria da ação antidialógica.

        Outro erro de Freire é o de afirmar que os opressores querem promover a alienação dos oprimidos para que assim fique mais fácil dividi-los e mantê-los divididos. Na verdade o estado de alienação não é coisa que se incute no sujeito contra a sua vontade já que faz parte da própria natureza humana. Só que temos a alienação involuntária, produzida no momento em que dormimos e a alienação voluntária, que é aquela resultante das atividades rotineiras, recreativas e do uso excessivo de substâncias lícitas e ilícitas.

        Portanto, o estado de alienação está mais presente em nossas vidas do que supomos e buscamos a alienação por ser uma fonte poderosa de prazer. Sentimos uma forte resistência interna ao ter que exercer atividades de que não gostamos, que são obrigatórias e que, quase sempre, exigem concentração,  estudo, reflexão, disciplina e responsabilidade , mas não sentimos esta resistência quando se trata de uma atividade alienante.        

        Assim o trabalhador braçal não reclama de sua atividade, que sob determinado ponto de vista poderia ser taxada de alienante, mas reclama do que ganha com esta atividade, porque os ganhos só são suficientes para lhe oferecer o prazer alienante da bebida alcoólica e mais nenhuma  outra forma de prazer seja este alienante ou não pois é da natureza humana buscar o prazer não só da alternância das atividades alienantes como também da alternância das atividades alienantes com as atividades não alienantes.

          Para inibir qualquer manifestação contrária que um suposto oprimido, mais esclarecido, pudesse fazer à sua doutrina e também para aumentar o poder de convencimento da mesma,  Freire estabelece a onipresença do opressor ao dizer que os próprios oprimidos são hospedeiros do opressor. Em outras palavras, se o oprimido carrega o opressor em si, qualquer manifestação contrária à doutrina é uma manifestação do opressor naquele.

        Fala de "invasão cultural" como se os supostos oprimidos tivessem uma cultura ilibada.

       Condena os métodos de obter conhecimento dos supostos opressores, mas não dá maiores esclarecimentos sobre aquilo que deveria substituí-los.

         Novamente menciona o diálogo, mas só o admite depois que as massas forem persuadidas de que são oprimidas. Inclusive não nos dá maiores  detalhes sobre como devemos promovê-lo. Apenas segue em reforço da ideia inimista do opressor - oprimido.

        Quando inicia a sua exposição da teoria da ação dialógica o faz com o intuito de conferir-lhe uma ilimitabilidade justificatória. Provavelmente sabia que a qualquer teoria que não se baseie em evidências ou que se ajuste às mesmas, pode-se adicionar  recursos explicativos e ajustes para justificá-la indefinidamente. O opressor que o oprimido carrega em si como hospedeiro além do que já foi dito, também é usado como um destes recursos, pois serve para incentivar a tolerância e a perseverança dos doutrinadores diante das possíveis resistências do oprimido à expulsão do opressor hospedado nele. É por isso que Freire diz: 3 enquanto os oprimidos sejam mais o opressor "dentro" deles que eles mesmos seu medo natural à liberdade pode levá-los à denúncia, não da realidade opressora, mas da lideraança revolucionária. Serve também para justificar qualquer posterior fracasso que,  por ventura, a revolução venha a ter uma vez que este nunca poderá ser atribuído à inveracidade da doutrina e sim à forte resistência do opressor introjetado no oprimido.

             Por fim, condena o mito, mas o que propõe não passa de mito. Mito do Salvador cristão transvestido em revolucionário libertador, que com sua atitude benevolente e terna estabelece a comunhão  e a  co-laboração com o oprimido para melhor persuadi-lo a trilhar o caminho que o leva a romper a aderência com o opressor e a unificar-se com o eu em face do objeto.

         Freire não inova, apenas coloca nova roupagem em coisas velhas. Ousa incutir sua concepção acadêmica anarco-comunista de "ser" em homens que não precisam da mesma para ser, bastando-lhes ser através do trabalho, da aquisição moderada de coisas, da cópula, do entretenimento e das relações familiares e sociais. Em suma: do simples ato de viver uma vida modesta, descomplicada e gregária.

Bibliografia:

1. Pedagogia do Oprimido - Paulo Freire - Editora Paz e Terra

   1 pág. 157; 2 pág 158 e 3 pág.230