PEÇA TEATRAL: O auto da barca do inferno (resumido)
Publicado em 18 de janeiro de 2016 por Amanda Gonçalves Bento
AUTO DA BARCA DO INFERNO
Narrador: No presente auto, se imagina que, no momento em que acabamos de expirar, chegamos subitamente a um rio que, por força, devemos cruzar em uma das duas barcas que naquele porto estão. Uma delas leva ao Paraíso; a outra, ao Inferno. Cada barca tem um barqueiro na proa: a do Paraíso, um anjo; a do Inferno, um diabo e seu companheiro. O primeiro que surge é um Fidalgo, que chega com um pajem que lhe segura a longa cauda do manto e carrega uma cadeira.
E começa o barqueiro do Inferno, antes que o Fidalgo chegue.
DIABO – (ao companheiro) Olha a Barca, Olha a Barca! Vamos lá! Que a maré está muito boa!
Puxa a vela pra cá!
COMPANHEIRO - Feito! Feito!
DIABO – Muito bem!
Rápido, vá e estica bem aquela corda e libera aquele banco para a almas que virão.
Olha a Barca, Olha a Barca! Vamos lá! Depressa! Temos que ir! Está na hora de partir! Louvores a Belzebu!
COMPANHEIRO – É pra já! Está tudo Pronto, está feito!
DIABO – Abaixa logo esse rabo!
Deixa preparado o cabo e ajeita a corda que vamos partir.
COMPANHEIRO- Vamos lá!
DIABO – Oh! Que caravela esta! Põe bandeiras, que é festa! (vendo um Fidalgo que se aproxima)
Oh! Poderoso dom Henrique! Vós aqui? Que coisa é esta?
NARRADOR: Vem o FIDALGO acompanhado de um rapaz com uma cadeira. Chegando a barca do Inferno, diz:
FIDALGO- E essa barca? Para onde vai?
DIABO- Vai para a ilha danada e já vai partir.
FIDALGO- E a senhora vai para lá também?
DIABO- (corrigindo irritado) Senhor!... A seu
dispor
FIDALGO- Isso parece um cortiço.
DIABO- é o que você vê ai, do lado de fora
FIDALGO- qual o destino
DIABO- O inferno, senhor.
FIDALGO- (irônico) Hum! Essa terra é podre, sem graça, mereço um lugar melhor!
FIDALGO- E por acaso tem algum passageiro para tal embarcação?
DIABO- Oras pois, tu és a cara dessa embarcação!
DIABO- Onde esperas salvação?
FIDALGO- Eu deixo na outra vida Quem reza sempre por mim.
DIABO- Quem reza sempre por ti? Hi, hi, hi, hi, hi, hi, hi. Tu viveste a teu prazer achando que iria ter perdão
Porque eles tem que rezar por ti? Embarca já!
FIDALGO – Não há aqui outro navio?
DIABO – Não, senhor, este foi reservado pra você.
FIDALGO – (confuso, sem compreender nada) Vou neste outra barca
FIDALGO: (gritando para o Anjo que está na barca Olá! Pra onde você vai?
(o Anjo não responde) Ei você não está me ouvindo? Este além de surdo é fraco.
ANJO – (aproximando-se) Que queres?
FIDALGO – Esta é mesmo a barca que vai para o paraíso?
ANJO – É sim.
FIDALGO – me deixe embarcar aí.
ANJO _ Não se embarca tirania nesta barca divinal. Aqui não tem espaço para você
ANJO – (com firmeza e autoridade) Não venha de qualquer jeito querendo entrar nessa barca.
Aquele ali (aponta para a barca do inferno) tem mais espaço.
DIABO – Olha a Barca, Olha a Barca! Vamos lá!
A brisa está tão gostosa e temos os melhores remadores!
FIDALGO – (tristemente conformado) Ao inferno! Oh, tristeza! Enquanto vivi pensei que não existia, pensei que era fantasia. Gostava de ser adorado, confiava na minha riqueza e pensei que nunca a me perder.
(humildemente pede ao diabo)
FIDALGO – Posso voltar a terra para ver minha mulher? Ela está sofrendo, quer se matar por mim.
DIABO – (rindo) Realmente ela quer? Até hoje ela está agradecendo por que você não vai mais aparecer na sua frente, finalmente ela se livrou de você.
DIABO - (impaciente) Deixa de conversa e entre logo na barca
DiABO fala ao seu companheiro: arrume um espaço para ele ficar
Narrador: Fidalgo entra na barca com maior tristeza no rosto.
DIABO – Bom, vou descansar enquanto mais almas chegarão.
Narrador: Carregando uma bolsa, vem um ONZENEIRO, isto é, um agiota, alguém que explora com juros abusivos aqueles que precisam de dinheiro emprestado. Aproxima-se da barca do Inferno e diz:
AGIOTA – Para onde vais?
DIABO – Oh! Agiota, meu parente! Por que demorou todo esse tempo?
AGIOTA – Eu queria ficar mais tempo, minha renda aumentou mas infelizmente morri antes de aproveitar todo meu dinheiro...
DIABO – Não trouxe nada para mim? Cadê esse dinheiro? (diabo põe a mão no ombro do agiota)
AGIOTA – Não sobrou nada.
DIABO – Ora, entre, entre.
AGIOTA – Mas qual é o destino?
DIABO – O inferno.
ONZENEIRO – Pois eu não vou nessa barca, vou na outra! (com determinação aponta para a barca do anjo)
Essa outra tem mais vantagem.
ANJO – (faz gesto decisivo para não deixá-lo entrar) Nem se atreva.
AGIOTA – Eu vou para o paraíso.
ANJO – Não estou afim de te levar. A outra barca leva você, vá!
AGIOTA – Por quê?
ANJO – Essa mala vai tomar muito espaço.
AGIOTA – Juro por Deus que vai vazio!
ANJO – Mas o seu coração não está vazio. Você é muito ganancioso.
AGIOTA – (voltando á barca do Inferno) Eu preciso de uma esperança, quero voltar e trazer o meu dinheiro porque o outro marinheiro não me deixou entrar porque estou sem nada.
DIABO – Entra e reme.
DIABO: - Teu sofrimento nem começou. (rindo)
NARRADOR: Eis que o parvo se aproxima da barca:
DIABO – Quem é?
PARVO – Sou eu.
DIABO – Eu quem?
PAVO: Eu, essa barca é sua?
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