O ambiente é de paz!

E paz é o que sente aquela pequena família de turistas numa cidadezinha de interior!

Na verdade estão de passagem. E enquanto o tempo passa, passam o tempo passeando pela pequena cidade. Um mundo perdido no meio do interior do estado.

Ela olha vitrines.

Ele analisa as placas das casas de comércio.

Ela pensa em comprar. Ele se pergunta onde está. Está indignado com a cultura da massificação... tantas são as placas e anúncios em outras línguas, matando os anúncios em sua língua natal.

As crianças, um casal, distraem-se olhando as luzes pisca-piscando. É uma família de cidade grande passeando, descontraidamente numa cidade do interior. Andam, andando como quem não quer nada a não ser desfrutar da paz daquela cidade do interior, buscando mais paz pensando que, ao voltar das férias, reiniciarão as atividades profissionais para manter a vida cotidiana e se preparar para as próximas férias... e novamente, quem sabe, desfrutar da mesma paz que os embala agora...

Há luzes pisca-piscando. E as duas crianças se divertem olhando tudo e procurando Papai Noel: são crianças; ainda acreditam...

Uma cena comum, numa noite comum, como outra qualquer noite comum; mostrando como são comuns as noites comuns.

Só que é tempo de natal. As pessoas passeiam pelas ruas enquanto, inquietas, esperam o natal chegar...

Alguns fazem compras, crendo que dentro dos pacotes poderão comprar para receber ou dar aquilo que não deram nem receberam durante o ano. Compram pacotes de presentes querendo dizer e acreditar que no pacote de presente entregue, far-se-ão presentes compensando as ausências...

Pagam pelo presente sem saber que a presença é gratuita!

O ambiente é de paz, mas a paz e a prosperidade permanecem sendo sonho para o ano novo que se aproxima.

E assim com a crença de que no ano novo as coisas serão melhores, alimentam a esperança e a esperança manifesta e alimenta a incapacidade de realizar o que se quer, jogando para o depois aquilo que não se fez no hoje.

A esperança é uma válvula de escape para as frustrações diante dos sonhos não realizados; e esperançoso é aquele que foi incapaz de realizar o sonho que mantém, na forma de sonho, alimentado pela esperança.

E assim a esperança arremete para o futuro o sonho não realizado, fazendo com o que o sonhador se vincule ao futuro, em sua esperança, deixando de viver, intensamente, o presente fluído que se faz passado, irremediavelmente irrecuperável...

Mas naquela noite, nalgum lugar indefinido toca uma música natalina, falando exatamente daquele momento mágico; das festas de fim de ano; da alegria que se sente no ar e no burburinho das pessoas andando e sonhando com o depois. Deixando de fazer agora o que poderiam já ter feito e vivido.

A música fala de uma ausência que as pessoas tentam compensar com presentes. Presentes que deveriam simbolizar a presença do ausente, mas que só reforça sua ausência. Na verdade o presente é uma forma de confessar a incapacidade de se fazer presente. Sabendo-se ausente o ausente dá o presente como a dizer: não estou aqui, mas faça-me representar...

A praça apareceu iluminada

Na calçada

O povo pensa que em pacotes compra paz

Só de Deus vem a paz

É só ele quem traz...”

Há um indizível clima de paz!

Nem podia ser diferente. É tempo de Natal!

De dentro de cada loja, de cada casa comercial sai, também, música natalina. É o apelo do comércio querendo explorar e aproveitar e faturar até os últimos instantes nessa época de alto faturamento em que as pessoas se deixam levar pelo clima e compram, compram, compram.

E o refrão da música ressoa: “o povo pensa que em pacotes compra a paz. Só de Deus vem a paz...”

É um clima que faz lembrar o que estava escrito no muro: “25 de dezembro. Todos querem ir para a festa, mas poucos se lembram do aniversariante!

Apostando nisso e seguindo o impulso da propaganda as casas comerciais exploram, até os últimos instantes antes de cerrar as portas para a missa do galo, as oportunidades de venda.

- Vamos entrar ali, prá fazer um lanche – convida ela, puxando o braço do marido. Na verdade arrastando-o

Fazem o pedido!

Ficam esperando as crianças que se atrasaram olhando as luzes, enquanto esperam o pedido que atrasa sempre.

O pedido demora, parece que propositadamente. É como se o dono da lanchonete acreditasse que o cliente sairia mais satisfeito por ter que esperar... é como se acreditasse que o cliente, por estar esperando, faria outros pedidos, gastando mais do que havia, inicialmente, planejado.... é como se o dono do estabelecimento pensasse que a demora nos serviços agradava aos clientes...

Quase meia hora depois, chega o lanche.

As crianças não.

A mãe já está preocupada. Inquieta, prá dizer a verdade. Na verdade se mostra aflita. As crianças não são de demorar tanto assim...

Deixa seu lanche sobre a mesa.

Vai até a porta!

Impacienta-se!

- Esperando alguém – pergunta a gordurenta e gorda garçonete, de avental sujo e cabelo despenteados por debaixo duma toca que, podia-se adivinhar, um dia já tivera a cor branca.

- Meus filhos! Estavam logo atrás de nós! Eles viram que nós entramos aqui! Mas ainda não apareceram...

- São duas crianças? Um casal? Um menino e uma menina de saia rosa?

- Esses mesmos. Cabelos pretos, morenos...

- Eles estavam ali na frente, olhando aquela vitrine quando o sapateiro passou. Só vi quando entraram no carro dele. Mas como ele sempre leva crianças... prá... bem... lá prá casa dele...

- Aí, meu Deus! Minha filha!....

Ao grito da esposa, o marido, que permanecera sentado, e já estava comendo, aproxima-se, assustado, da porta da lanchonete.

- Vamos chamar a polícia! Raptaram as crianças... – e sai correndo. O marido, ainda sem entender, vai atrás...

- Ei, a conta! Vocês esqueceram de pagar a conta!

A voz é do português que, ao ver os clientes saírem correndo, acredita estar sendo lesado por um grupo de malandros.

Não se dá conta que a mulher saíra em desespero, aliás nem deu tempo para isso.

Pensando em evitar o calote o português, gritando, sai de trás do cercado da caixa registradora e vai atrás dos clientes e, correndo até a porta vê o marido correndo atrás da esposa que corre pela rua chamando a polícia que corre lentamente pelas ruas calmas da cidade...

Cidade, aliás, onde nada acontece de extraordinário. A rotina de nenhuma ocorrência só é quebrada, de vez em quando por um briga de casal; por alguma bicicleta que desaparece da porta do mercado; pela rusga de vizinhos por causa das mangas emporcalhando o quintal...

Coisas do dia-a-dia.

Mas o português não estava interessado nisso. Nem se ligava nos boatos e fofocas que circulavam pela cidade. Só queria não perder dinheiro para alguns malandros...

 

Neri de Paula Carneiro

Rolim de Moura - RO