Rafael H. Madime[1]

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Universidade Pedagógica, Maxixe, Moçambique - Português

 

[1]  Licenciado em Ensino de História e Mestrado em Ciências Políticas e Estudos Africanos, Docente de História de África e Ciência Política.

Paz Efectiva e Esforços da Reconciliação em Moçambique, 2010-2018

Conceito de Paz

Na perspectiva de Silva (2002, p. 36), “a palavra paz, usualmente, significa a ausência da guerra. Os termos guerra e paz seriam, nesse caso, opostos, antónimos. São, portanto, situações extremas. E estão, de facto, situadas em pólos opostos”.

Johan Galtung (1995) apud Silva (2002, p.36) tenta definir melhor a palavra paz ao apontar os conceitos de uma paz negativa e de uma paz positiva. A paz negativa, segundo ele, é a mera ausência da guerra, o que não elimina a predisposição para ela ou a violência estrutural da sociedade. A paz positiva é a construção de uma sociedade melhor, na qual mais pessoas comungam do espaço social.

Os autores em referência fazem perceber que o conceito de paz evoluiu em função das dinâmicas sociais. O sentido de paz não é estático, daí que há que falar da guerra, da paz negativa e paz positiva. Galtung (1995) conclui que, a verdadeira paz é consequência de acções contra a violência e a guerra, através da protecção dos direitos humanos, do combate às injustiças socioeconómicas, do desarmamento e da desmilitarização.

Analisando o conceito ora apresentado, compreende-se que a paz efectiva passa necessariamente por uma comunhão de uma série de elementos que devem ser tomados em conta para a realização do bem comum. O silêncio das armas, a desmilitarização, entre outros aspectos, constituem um bom começo. Mas, eles por si só não mitigam o problema.

Contexto de Paz em Moçambique

Assinada a paz em Roma (1992), como resultado de uma série de negociações entre os beligerantes e a intermediação da Comunidade Santo Egídio, da Itália, passou-se para uma fase de implementação da democracia multipartidária e, por conseguinte, a concretização de alguns ou mesmo muitos aspectos emanados na Constituição de 1990. Esta (democracia) pode ser evidenciada a partir, por exemplo da realização das primeiras eleições gerais e multipartidárias de 1994 e mais tarde as Autárquicas, que tiveram início em 1998. Embora a Renamo não tenha chegado a vencer nas Presidenciais, venceu em determinados Municípios, em 2003.

Decorridos dez anos de vigência da democracia multipartidária e em consequências das suas sucessivas derrotas da Renamo; aliado à perda de Autarquias que estavam sob sua gestão, isso em Novembro de 2008, esses aspectos concorreram em parte para a resiliência da Renamo e com negociações bastante exigentes com o Governo. Tais negociações não passavam de um caris de “faz de contas” e sem muita cedência (o diálogo político de 2013/2014).

A assinatura dos Acordos Gerais de Paz em Roma por si só não garantem e não garantiram a paz em Moçambique. Mais do que um documento, é fundamental uma convivência harmoniosa e salutar entre os moçambicanos e as diferentes organizações com diferentes interesses, onde elas sejam realmente para propiciar o desenvolvimento[1] dos moçambicanos no seu todo.  O período de 1994 até pelo menos as últimas eleições gerais de 2014 foi marcado por uma desconfiança mútua entre o governo e a Renamo. Eis a razão dos abalos de paz. Por exemplo, os anos 2013 e 2014 foram marcados pelas hostilidades militares, sobretudo na região central do país; aliás, isto foi sempre sintomático no fim de cada período eleitoral, facto que levou o então-líder da Renamo, Afonso Dlhakama a apresentar a necessidade de uma divisão do país como forma de governar onde tivesse conseguido a maioria dos votantes. Portanto, são estes, entre outros aspectos latentes que minam a paz efectiva em Moçambique, sem com isso descurar outros fenómenos de indiferença que enfermem o país.

Governação dos Últimos oito anos em Moçambique e os esforços de uma Paz Efectiva

A questão de uma paz efectiva e reconciliação em Moçambique tem sido, ao longo dos últimos dez anos, marcada por momentos de avanços e recuos. Os momentos de recuo caracterizaram sobretudo o último Plano Quinquenal do Governo (PQG), do Presidente Armando E. Guebuza. Pereira (2016, p. 33) aponta como razões do recuo, dentre várias, a não aproximação para um diálogo constante construtivista do então – Presidente da República e o então líder da Renamo, Afonso Dlhakama; sucessivas rondas de diálogo na Conferência Internacional Joaquim Chissano sem muitos resultados visíveis; a não cedência/abertura na ideia do adversário; tentativa de desmantelar as bases da Renamo e desarmar as suas forças residuais à força (Pereira, 2016, p.68).

 No Plano quinquenal do Governo (PQG), do Presidente Filipe J. Nyusi, o assunto da Paz e reconciliação está no centro das atenções. Isto faz compreender que ele entendeu que negligenciar este assunto estaria eminente uma guerra civil de alta intensidade.

  • O que já se fez?
  • Continuou com as mudanças estruturais no sector da defesa, que haviam iniciado no contexto da assinatura do AGP, 1992 e a realização das primeiras eleições gerais e multipartidárias, integrando os guerrilheiros da Renamo;
  • Deu nova dinâmica ao diálogo político indo ao encontro do ex e actual líder da Renamo (Afonso Dlakama e Ossufo Momade, respectivamente), o que propiciou a breve revisão constitucional e a Lei Eleitoral que culminou com a aprovação da Constituição de 2018[2]; (Pereira, 2016, p.36).
  • Está em vista o processo de desmilitarização da Renamo para 06 de Outubro, conforme se referiu o chefe do Estado, no dia 04 de Outubro de 2018, na Praça dos heróis moçambicanos. Segundo ele, o chefe da missão que vai dirigir o processo é o general argentino, Javier Perez Aquino e cerca de sete peritos militares.
  • O que deve se fazer ainda?

É verdade que vários grupos e organismos em Moçambique saúdam o que já se fez. Porém, há que notar que isto acalma os ânimos, mas a solução passa necessariamente para redução dos fossos de desigualdade entre os moçambicanos, quer dizer, a equidade e, portanto, a renovação na justiça.

A desmilitarização é fundamental que aconteça. Mas, mesmo na hipótese de entregar todas as armas, enquanto os que ascendem ao poder e almejam ascender (os Municípios que em 2003 passaram para a gestão da oposição, segundo MARP, até 2003 pouquíssimos haviam tentado enveredar por práticas diferentes dos Presidentes da Frelimo, que tanto criticavam) não procurarem evidenciar a realização do bem comum, isto pode minar a paz efectiva.

Deve-se assegurar que haja coerência nos discursos das lideranças políticas sobre estratégias para a estabilidade política. Não basta dizer, é preciso efectivar na prática. A defesa dos interesses do povo deve estar acima dos interesses partidários e de pequenos grupos (Pereira, 2016, p.68). Para enfatiza, Pereira (Idem) refere que: “o presidente da República confirmou a 26 de Outubro de 2015, que recebeu duas cartas de bispos da Igreja Católica, uma enviada pelo Cardeal Júlio Langa e outra assinada por quatro bispos, a propor caminhos para a pacificação do país”.

  1. Sintomas de Abalo à Paz em Moçambique

Do ponto de vista interno: Os partidos Políticos devem se encarar como adversários e não como inimigos, daí que é preciso que nos debates políticos saibam reconhecer, respeitar as ideias dos outros; em períodos de campanhas eleitorais, o vandalismo e a pancadaria devem ser desencorajados e entendidos como anti-democráticos;

- Quando a pobreza é absoluta, esta alia-se à pobreza espiritual, mental e material; o nível das diferenças entre o povo moçambicano é maior. Há poucos com recursos que suplantam a de muitos moçambicanos, este é já um indício de um problema.

- A criminalidade, que tende a crescer, o que revela que os valores e princípios morais estão cada vez mais a serem postos em causa, e a inoperância das instituições do Estado; Apesar da laicidade estatal em Moçambique, há que se estabelecer a coordenação entre os vários segmentos sociais por forma a minimizar este mal.

-A partidarização do Estado e de outras instituições públicas (confunde-se o Estado e o Partido); quer dizer, os funcionários são obrigados a ter cartão como membros do Partido no Governo. De contrário, para além da conotação política, verificam-se perseguições, facto que choca com a questão de liberdade de expressão, de pensamento e de filiação partidária plasmados na Constituição moçambicana. È preciso que se evite o uso de recursos de qualquer natureza que sejam do Estado para finalidades de um certo partido.

- O Regionalismo (tribalismo); o desempenho das funções públicas, os cargos, as ocupações profissionais não devem ter em conta o espaço de origem de cada indivíduo, afinal de contas, somos todos moçambicanos. A regionalização do país não deve ser sinónimo da divisão de um povo.

- Má distribuição dos recursos materiais (a periferia tida como pólo de desenvolvimento é menos equipada que o centro); aliado às acentuadas diferenças no desenvolvimento socioeconómico do país, olhando para as regiões Sul, Centro e Norte;

- A má governação, caracterizada pelo nepotismo, favoritismo, corrupção nas Instituições, entre outros, minam a observância dos direitos dos cidadãos, podendo enfurece-los os cidadãos e pode mesmo levar a uma insurreição generalizada. Basta recordar os acontecimentos do 5 de Fevereiro de 2008 em Gaza e Maputo). (Mole, s/d, p.116-117).

Do ponto de vista externo, poderá constituir ameaça a eventual rivalidade ou fissuras entre Estados vizinhos. Isto pode criar condições para a fragilização da paz existente. A cooperação entre os parceiros e Partidos Políticos e ou Governo pode tender a fortalecer um dos grupos para debelar ou aniquilar o outro.

Considerações finais

O governo na sua relação com Partidos Políticos e estes com o Governo não devem se encarar com inimigos. É fundamental que valorizem a opinião do outro e se promova a liberdade, bem como a observância dos direitos dos cidadãos. A intransigência política, a exclusão social e económica na sociedade moçambicana, bem como a luta pelo exercício e manutenção do poder político, a elevada desconfiança entre as elites da Frelimo e da Renamo, em particular, aliado a não diferenciação nítida entre o Estado e o partido no poder constituem os maiores problemas e, até certo ponto, os entraves para a paz efectiva e duradoira, minando a reconciliação dos moçambicanos. Outros aspectos não menos importantes para referenciar como entraves à paz são o regionalismo, o radicalismo dos partidos políticos e a desigual distribuição dos recursos.

Quando se alcança e se exerce o poder político, é preciso que haja exigência consigo mesmo. Quer dizer, o que criticava aos outros deve flexibilizar contrariando o que antes lhe apoquentava. A busca de paz é um exercício de cada um de nós, na instituição em que se encontra, a partir da mais elementar, neste caso a família, cultivando o amor a tolerância e aceitação à crítica, até outras tantas do nosso dia-a-dia, de modo peculiar o governo e os Partidos Políticos.

 

  1. Bibliografia

GEFFRAY, C. As Causas das Armas: Antropologia da Guerra Contemporânea em Moçambique.

        Porto: Afrontamento. 1991

MOLE, Inácio. A Reconciliação, a Justiça e a Paz no Ensinamento da Igreja Católica em

        Moçambique (Cartas Pastorais e outros Documentos da Hierarquia – Bispos). Maputo: CEM.

         s/d.

PEREIRA, C.G. João. Para Onde vamos? Dinâmicas de Paz e Conflitos em Moçambique. In Luís de

       Brito et al. Desafios Para Moçambique. Maputo: IESE. 2016 p. 33-72.

SILVA, Jorge V. A verdadeira Paz, Desafio do Estado Democrático. São Paulo: Perspectiva. 2002.

      (Artigo científico) Acessado em 03 de Outubro de 2018.

 

 

[1] Em Amartya SEM, o desenvolvimento deve visar a liberdade, a realização do bem de todos no que concerne à saúde, habitação, educação, entre outros.

[2] É importante referenciar que a Constituição de 2018 parece ser a solução das diferenças e luta entre o Governo e o Partido. Porém, a sua efectivação poderá até certo ponto conduzir ao “rebento do barril de pólvora”, se se prestar atenção às prováveis consequências que podem advir da sua implementação, pelo menos até 2024.