O presente artigo tem como meta fazer uma breve apresentação da vida de Paulo Rónai que, de muito, contribuiu para o enriquecimento da literatura brasileira e a escrita da história dos estudos de tradução no Brasil. Faz jus traçar esse panorama que, algum modo, presta homenagem a quem foi considerado pioneiro dos estudos de tradução no Brasil no final do século 20.

Paulo Rónai nasceu no dia 13 de Abril de 1907 Budapeste, a capital da Hungria. A profissão do seu pai Miksa Rónai (livreiro), parece ter influenciado-o muito cedo. Condicionado e criado num mundo de livros, Paulo já tinha nutrido desde adolescente um profundo amor pela leitura. Desse amor, se fortaleceu uma certa relação íntima entre Rónai e a literatura fazendo com que às 19 anos de idade, traduzia com facilidade poetas latinos para revistas. Após ter cursado cinco anos de filosofia na Universidade de Pázmány, Paulo foi fazer um doutorado intitulado “À margem dos romances de mocidade de Honoré de Balzac” na Universidade da Sorbonne onde obteve o título de Doutor em filologia latina e neolatina. É só depois de cursos de férias, na Universidade para Estrangeiros de Perugia ( Itália), que Paulo tirou seu diploma de professor do curso de secundario de latim, frances, italiano e hungaro.

A intimidade de Paulo com a literatura era o resultado e o fruto de uma amizade que começou desde a infância, e que o tempo poliu. Pois, o livro é o único verdadeiro amigo que não abandona nem contraria uma vez que oferece várias possibilidades de leitura, conforme o humor, o background e sobretudo a imaginação do leitor. Apaixonado pela leitura que, no final, não somente influenciou-lhe a infância, mas também o incutiu uma certa personalidade que determinou seu estilo de vida e desenvolveu seu talento artístico. Enquanto lecionava o francês e o italiano em Budapeste, Paulo desempenhava paralelamente uma intensa atividade tradutória, além de despontar na crítica literária. Depois de aprender português sozinho, Rónai resolve publicar uma antologia de poetas brasileiros em 1939, sem portanto imaginar nem sequer um segundo que tornar-se-ia seu futuro passaporte para o Brasil. Ao chegar no Brasil em 1941, tirado do campo de concentração nazista onde tinha passado seis meses, graças a um convite do governo do presidente Getúlio Vargas, podia imediatamente dar continuidade à sua atividade profissional. Foi professor de latim e francês em várias instituições, inclusive no Colégio Pedro II do Rio de Janeiro, onde assumiu a cátedra de francês. Em 1945, se naturalizou brasileiro.

O brasileiro Paulo se lê com deleitação tanto pelo que escreve quanto pela forma como tinge as palavras. Homem arguto, Rónai enriqueceu bastante a cultura e literatura brasileiras com todas as culturas que chegou a conhecer e que influenciaram-no. Foi uma verdadeira ponte interlingual por ter falado oito línguas entre elas: o húngaro (ou magiar), o português, o francês, o italiano, o espanhol, o inglês, o alemão e o latim. Essas línguas também serviam-lhe de ferramentas para traduzir. Na sua vida de tradutor-autor, destacou-se pela simplicidade e a clareza nas suas produções (obras e traduções). De espírito sagaz, combinava tradução e escritura com uma habilidade ímpar tornando-o essencial para ambos a literatura brasileira e os estudos de tradução no século XX. Se a arte, é como a define o dicionário Aurélio, a capacidade que tem o Ser Humano de pôr em pratica uma idéia, valendo-se da faculdade de dominar a matéria, é muitas vezes o fruto do trabalho de uma vida inteira. Mas, a facilidade e o prazer com que Paulo praticava essa arte, nos faz pensarmos se nele, ela não foi inata. A afabilidade de Rónai se podia justificar pela sua busca perpetual de aperfeiçoamento. Esse almejo, com efeito, junto com as capacidades linguísticas ou melhor o dom linguístico do personagem, sem sombra de dúvida, facilitaram-no um manuseio artístico das obras que ele tocava. A arte, volta a dizer o dicionário Aurélio, é uma atividade que supõe a criação de sensações ou de estados de espírito de caráter estético, carregados de vivência pessoal profunda, podendo suscitar em outrem o desejo de prolongamento ou renovação. Essa étapa, Rónai a tinha superado como vemos nesse trecho:

 Ele é, por propensão e experiência, um tradutor, no pleno senso, mestre nessa arte minuciosa e estreita, seu comprovado cultor, seu modesto estudioso´´(1958, p.XI), JOÃO GUIMARÃES ROSA[1]

Com efeito, além de possuir um incontestável saber, Rónai tinha a mais valiosa atitude do grande homem, a humilidade como no seguinte excerto:

Este jantar é para mim motivo de especial regozijo. Saber que uma alegria minha é partilhada por tantos amigos enche-me de satisfação especial. E desta vez parece-me justo que meus colegas tradutores se alegrem comigo, pois a distinção que me coube dirige-se, através da minha pessoa, ao Brasil e, mais especialmente, à Associação Brasileira de Tradutores. O júri do Prêmio Nathhorst não quis apenas distinguir um tradutor escolhido ao acaso: quis demonstrar o seu apreço à Abrates, única associação geral de tradutores realmente ativa na América do Sul. Devo, pois, sincera gratidão à Abrates não só por ter apresentado a minha candidatura, mas porque seu nome e prestígio influíram decisivamente na atribuição do Prêmio[2].(2012, p.167)

Este parágrafo é uma amostra do discurso que Paulo pronunciou durante o jantar organizado pela Associação Brasileira de Tradutores em homenagem a ele. Percebemos claramente nesse trecho, a voz de um homem que resolveu se apagar para dar visibilidade ao outro. Homem de uma honestidade inteletual averiguada, Pál nunca faltava de mencionar o nome do autor, quando citava ou utilizava uma idéia a ele alheia. Se fosse uma crítica, a subtileza com que ele a fazia, era simplesmente incrível, e fazendo com que o autor em questão tome um prazer em saber dos seus limites. Grande leitor de Balzac, resolveu traduzi-lo para o português e a obra que oferece ao leitor brasileiro contém tudo o que tinha acumulado na sua formação europeia. Conhecia como poucos a vida e a obra de Balzac, e foi o responsável pela tradução de “A comédia humana”. Também incumbiu-se à divulgação da literatura francesa contemporânea, sobretudo dos romances. Esse exímio combinatório da criatividade e da crítica faz com que Paulo Rónai conseguiu deixar um impressionante acervo que desempenha um papel importantíssimo não só na literatura geral e na do Brasil em particular, mas sobretudo nos estudos de tradução. Rónai publicou 5 dicionários; 15 livros didáticos; 15 traduções de livros; 17 antologias de contos; 18 livros; 240 resenhas; 321 artigos próprios. Eis algumas das suas obras:

 

Produção geral escrita

Produção tradutológica

Traduções

Bibliografia de Paulo Rônai

     No Brasil

- “Balzac e A Comédia Humana” Ensaio, Editôra Globo, Porto Alegre, 1947 e 2ª ed. 1956 (aumentada)

- “Escola de Tradutores”

Ensaio, Instituto Nacional do Livro, Rio de Janeiro, 1952 e outras edições: 1956, 1967, 1976 e 2012.

- “Um romance de Balzac: A Pele de Onagro”

Tese de concurso, Editôra A Noite, Rio de Janeiro, 1952.

- “Como Aprendi o Português, e Outras Aventuras”

Instituto Nacional do Livro, Rio de Janeiro, 1956.

- “Dicionário essencial francês-português / português-francês”

Nova Frontera, Rio de Janeiro, 1989.

Traduzida em português com Orientação, biografia, introduções e notas à edição brasileira

“A comédia Humana” de Honoré de Balzac (17 volumes), Editora Globo, Porto Alegre, 1946-1955.

“Mémoires d’un Sergent de la Milice” de Manuel Antônio de Almeida, Atlântica Editôra, Rio, 1944.

Fora do Brasil

- “A margem dos romances de Mocidade de Honoré de Balzac”

[Tese de doutoramento], Universidade de Budapeste, 1930.

Traduzida em versos húngaros com estudo introdutório e notas

Traduzida em versos húngaros com introdução

Traduzida em versos húngaros com estudo introdutório e notas

- “Mensagem do Brasil” Antologia da poética brasileira modernade Ribeiro Couto, Officina – Budapeste, 1939.

- “Poemas Santos”

Antologia da poética de Ribeiro Couto, Officina – Budapeste, 1939.

- “Poetas Latinos”

Antologia de dois mil anos de poesia latina, Officina – Budapeste, 1941.

O autor com outros escritores

Com Cecília Meireles

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- “Cartas a um Jovem Poeta”

de Rainer Maria Rilke, Editôra Globo, Porto Alegre, 1953

- “A canção de Amor e de Morte do Porta-Estandarte Cristóvão Rilke”

de Rainer Maria Rilke, Porto Alegre, 1953

Com Aurélio Buarque de Holanda Ferreira

“Mar de Histórias”,

Antologia do Conto Mundial, Livraria José Olympio Editôra, Rio.

- Vol. I, Das origens ao século, 1945

- Vol. II,  Século XIX – 1ª parte, 1951

- Vol. III, Século XIX – 2ª parte, 1958

- Vol. IV, Século XIX – 3ª parte e Século XX – 1ª parte (no prelo)

- Vol. V, Século XX – 2ª parte

- Vol. VI, Século XX – 3ª parte

- Vol. VII, Hispano-americanos

- Vol. VIII, Portuguêses.

- Vol. IX-X, Brasileiros

“Roteiro do Conto Húngaro”

Cadernos de Cultura, MEC – Serviço de Documentação, Rio, 1954.

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“ Os Meninos da Rua Paulo”

de Francisco Molnar, Edição Saraiva, São Paulo, 1952

“Amor e Psique”

de Apuleio, Coleção Obras Imortais, Editôra Civilização Brasileira S.A., Rio, 1956

“Sete Lendas”

de Gottfried Keller, Coleção Obras Imortais, Editôra Civilização Brasileira S.A., Rio, no prelo.

"Servidão e Grandeza Militares"

de Alfred de Vigny, Bibliotéca do Exército, 1960.

 

Escola de Tradutores” e “Tradução vivida” são as obras fundamentais de Rônai na história dos Estudos de Tradução no Brasil. “Escola de Tradutores”, que é uma coletânea de artigos e a primeira do gênero na área. Foi escrita e editada pela primeira vez em 1952 com sete artigos. Foram acrescidos outros quatro na segunda edição em 1956, seguida de uma terceira edição em 1967 que foi uma simples reimpressão. A quarta edição (1976) apareceu aumentada de mais nove capítulos perfazendo um total de vinte artigos ou capítulos. O que há de novo na quinta e última edição (2012), é o capítulo 21 com 189 páginas.  As edições ao longo do tempo, demostraram o caráter vital da obra cuja leitura se torna cada vez mais mandatória para todo estudioso da tradução. “A ausência de trabalhos em português sobre um assunto cuja relevância vem sendo reconhecida”(2012, p.11), mencionava Pál na advertência de “Escola de Tradutores”, justificava de algum modo a elaboração dessa obra. Ela, na época, traduzia em fatos o desejo de Paulo Rônai de ver os estudos de tradução se tornarem uma área completa de atuação. Daí, a produção por ele da obra “Escola de Tradutores” onde se expressando sobre como resolver alguns problemas da tradução disse:

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